TRANSFORMAÇÕES NA CONCEPÇÃO UNIVERSAL E INDIVIDUAL DOS DIREITOS HUMANOS POR MEIO DAS PERSPECTIVAS NORMATIVAS DOS POVOS INDÍGENAS E TRIBAIS
TRANSFORMATIONS IN THE UNIVERSAL AND INDIVIDUAL HUMAN RIGHTS CONCEPTION THROUGH THE NORMATIVE PROSPECTS OF INDIGENOUS AND TRIBAL PEOPLES
Fernanda Cristina Franco*
RESUMO: Aborda as particularidades normativas trazidas nas últimas décadas pelos povos indígenas e tribais aos direitos humanos e a maneira como desafiaram as primeiras concepções que originaram esses direitos. Dedica-se ao contexto latino-americano analisando tanto casos litigados perante o sistema interamericano como pretensões normativas expressas constitucionalmente. Conclui que as perspectivas críticas aos direitos humanos ao contrário de rechaçá-los almejam fortalecê-los sob novas bases plurais.
Palavras-chave: Direitos humanos. Diálogo Intercultural. Direito dos povos indígenas e tribais latino-americanos. Direitos coletivos.
ABSTRACT: It addresses the normative particularities brought by indigenous and tribal peoples to human rights in the last decades and how they have challenged the original conceptions of human rights. It focuses on the Latin American context that analyzes cases litigated before the Inter-American System, as well as constitutionally expressed normative claims. It concludes that critical perspectives on human rights rather than rejecting seek to strengthen human rights on a pluralistic basis.
Keywords: Human Rights. Intercultural Dialogue. Law of Latin American Indigenous and Tribal Peoples. Collective Rights.
Recebido: 15.05.2017
Aprovado: 03.07.2017
1 INTRODUÇÃO
Os direitos humanos são direitos históricos e marcam campo teórico e normativo em constante mutação. Sua capacidade de adaptação e abertura ao diálogo com outras concepções de dignidade humana é vital diante da intrínseca pretensão universal de dar conta da complexidade ser-humano-no-planeta-terra, característica que os impulsiona a desenvolver mecanismos capazes de abarcar o pluralismo moral vigente no mundo. Destarte, com vistas a assegurar sua incidência e legitimidade nos mais variados contextos históricos, geográficos e culturais, têm sido constantemente desafiados a se transformar para interagir com povos, culturas e religiões bastante diversas.
O reconhecimento dos povos indígenas e tribais[1] como sujeitos de direitos humanos é ilustrativo de como a concepção universal, individual e eurocêntrica que os originou no século XX foi desafiada a transformar-se com vistas a recepcionar demandas normativas oriundas de universos ausentes das primeiras formulações sobre o assunto.
Na América Latina, é particularmente possível identificar a forma como os direitos humanos foram demandados a dialogar com a ampla diversidade cultural da região, particularmente rica em termos de presença de povos indígenas[2] e tribais[3]. Apesar dos inúmeros obstáculos que estes povos enfrentam, conseguiram, com sucesso, fazer reconhecer preceitos normativos que os diferenciam da “sociedade nacional” abstrata e culturalmente homogenea, a exemplo da vida em comunidade, existência de laços culturais e religiosos com seus territórios e recursos naturais, propriedade coletiva da terra, logrando reconhecimento de categorias jurídicas distintas e particulares.
Nesse processo, atingiram o nomos global, alterando o contorno das concepções universais e individuais originais dos direitos humanos e contribuindo para a emergência de novas categorias normativas que recepcionam questões particulares destes povos. Diante desse cenário, o presente artigo discorre acerca do trajeto de desdobramento da concepção universal e individual em perspectivas culturalmente plurais e coletivas. Para tanto, aborda as formulações do universalismo e do relativismo cultural e acrescenta as discussões trazidas pelas abordagens do diálogo intercultural, que recepciona as críticas aos direitos humanos sem descartar as perspectivas universais. A seguir, analisa o processo de reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e tribais na região latino-americana e a contribuição que trouxe para novos contornos dos direitos humanos e para o constitucionalismo da região. Ao final, faz considerações acerca dos avanços e desafios a serem enfrentados no processo de normatizar direitos humanos em bases de diversidade cultural, concluindo que as perspectivas críticas aos direitos humanos ao contrário de desprezá-los buscam fortalecê-los como canal legítimo de diálogo com normatividades diversas o que, em última análise, garante que revalidem, atualizem e expandam sua incidência e legitimidade em contextos históricos e geográficos diversos.
2 UNIVERSALISMO vs. RELATIVISMO E A CONCILIAÇÃO DO DIÁLOGO INTERCULTURAL
As primeiras formulações teóricas sobre os direitos humanos no século XX nascem imbuídas de um ideal individual e universal de bases eurocêntricas. A base individual assenta-se na ideia inicial de serem direitos cuja titularidade pertence exclusivamente à pessoa, ao indivíduo atomizado, em razões de garantia de sua dignidade enquanto ser humano. Nesse sentido, foram descritos como “o reconhecimento legal da vontade do indivíduo” (DOUZINAS, 2009, p. 29, grifos nossos).
Em relação à perspectiva universal, as primeiras elaborações sobre os direitos humanos no século XX partiram da premissa de que ‘todos’ os seres humanos possuem direitos apenas pelo fato de serem humanos, o que se traduz na ideia de um rol de direitos morais elevados comuns a todos os membros da humanidade, indistintamente. Tais direitos regulariam estruturas e práticas fundamentais da vida política e cotidiana (universalidade moral) e seriam direitos aceitos “universalmente” por todos os Estados que atuam na cena internacional (DONNELLY, 1998, p. 11).
Note-se, entretanto, que a Declaração ‘Universal’ dos Direitos Humanos, de 1948 - documento considerado marco histórico e momento fundante dos direitos humanos na atualidade - mesmo tendo sido elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo, mesmo sendo baseada apenas no reconhecimento de direitos individuais e tendo priorizado direitos civis e políticos sobre os econômicos, sociais e culturais (SOUSA SANTOS, 2003, p. 439), foi erigida à condição de “universal”, pretensão essa que recebeu diversas críticas.
Segundo alguns autores, a busca pela característica universal acabou, na verdade, revelando as origens particulares e eurocêntricas da doutrina original. Galtung (1994, p. 09) adverte que tudo o que é ocidental “[...] tende a ser concebido como universal”. Para os críticos do universalismo, não seria difícil identificar as bases ocidentais e eurocêntricas sobre as quais os direitos humanos teriam se fundado, quer pela pretensão da universalidade, quer pelas próprias origens teóricas que teriam dado suporte ao nascimento do conceito em si.
Decerto que as teorias críticas aos direitos humanos suspeitaram desde sempre desta formulação universalista em razão da tendência que identificaram nas políticas dos direitos humanos em promover uma espécie de cultura pretensamente universal, mas traçada sem a adequada inserção das vozes dos povos periféricos e não-ocidentais, resultando em uma desvalorização da riqueza de um mundo diverso (MUTUA, 2000, p. 37). Criticaram assim o falso e parcial universalismo do discurso, procurando expor o particularismo, o desenrolar histórico e a natureza auto-interessada das reivindicações universais desse discurso (GOLDER, 2014, p. 98).
No polo oposto ao do universalismo ganhou corpo o relativismo cultural, que adota como premissa o fato de que a ampla variação cultural existente no mundo não comportaria qualquer possibilidade de normas universais compartilhadas. Segundo Baratto (2009, p. 40), o relativismo cultural considera os fundamentos dos direitos humanos como relacionados a uma base cultural particular e ocidental, fazendo com que não necessariamente encontrem reflexos importantes para a afirmação da dignidade humana fora de seu contexto de origem.
Foram os antropólogos norte-americanos, em razão de sua proximidade com os povos indígenas, um dos primeiros grupos a se manifestar contra a proposta universal dos direitos humanos, lançando as bases do relativismo cultural. O texto ícone desta discussão, que se tornaria a grande polarização do discurso dos direitos humanos no século XX, está escrito na Declaração de 1947 da American Anthropological Association (AAA)[4], em resposta a pedido de comentário à proposta de Declaração Universal apresentada à época nas Nações Unidas.
Neste documento, a AAA ressalta a importância de se considerar, para além do aspecto da inserção de um indivíduo na sociedade, o respeito à cultura dos diferentes grupos humanos, rejeitando, por isso, a noção universal e criticando a estrutura legal internacional marcadamente ocidental.
As principais críticas ao relativismo cultural decorrem do fato deste não levar em conta as consequências negativas de valorar as culturas como estruturas íntegras e inquestionáveis. O problema parece ser o de considerar que dentro das culturas existem condições ideais de justiça e respeito da dignidade humana e que todos seus membros estariam protegidos internamente contra qualquer ato violador dessa dignidade. A prática, entretanto, revela-se diferente e, por isso, o relativismo cultural também recebeu tantas críticas quanto o universalismo.
Na tentativa de transpor esta infindável dicotomia entre universalismo e relativismo cultural, Morgan-Foster (2005, p. 70) atesta a existência de uma terceira variável, que busca conciliar os dois extremos, aceitando que há diferenças culturais, embora isto não impeça a proposição de um grupo central de normas universais. Esta terceira via constituiria as bases que fundamentam as teorias sobre o chamado diálogo intercultural, cuja proposta quer evitar a adoção da prepotência universalista como uma única concepção válida de moralidade e dignidade humana, sem adentrar pelo extremo do relativismo cultural, que desconsidera qualquer pretensão dos direitos humanos.
O advento das propostas de diálogo intercultural se deve ao reconhecimento de que o projeto atual do direito internacional dos direitos humanos não tem bases para ser entendido como um código jurídico para toda a humanidade, ou seja, capaz de dar unidade às diversas civilizações, povos, culturas e religiões existentes no mundo. Por outro lado, longe de se intitularem como nova roupagem do relativismo cultural, estão voltadas para a construção de um universalismo que contemple e seja receptivo às questões oriundas e relevantes aos contextos de diversidade cultural.
Nessa linha, An-Na´im (1992, p. 2) afirma que os direitos humanos não poderiam ser vistos como verdadeiramente universais a menos que fossem concebidos e articulados dentro da mais ampla gama possível de tradições culturais. Acrescenta que, como proposições normativas, seriam muito mais convincentes e dessa forma teriam melhor possibilidade de implementação se fossem reconhecidos como legítimos pelas várias tradições culturais do mundo. Panikkar (2004, p. 217), por sua vez, ensina que: “Aceitar o fato de que o conceito de direitos humanos não é universal não significa, contudo, que ele não deva se tornar universal”.
Assim, a preocupação das doutrinas do diálogo intercultural não se assenta no passado, mas na elaboração futura de normas universais de direitos humanos, estas sim passíveis de incorporar a dimensão cultural até então negligenciada e mais recentemente reconhecida. Nesse sentido, Herrera Flores (2009, p. 163) ressalta a importância da negociação, do respeito ao processo na busca por uma universalidade dos direitos humanos e afirma que “[a]o universal há que se chegar [...],” querendo com isto dizer que a visão dos direitos humanos não deve partir de um universalismo a priori, pois este ponto de partida retiraria a possibilidade de diálogos, de confrontos que rompem os preconceitos, de processos de negociação que de certa forma possam pacificar a constante tensão entre o universal e o particular.
Atente-se, entretanto, que ainda que as posturas críticas adotem atitude de suspeição frente ao discurso dos direitos humanos, ainda assim os reconhecem como linguagem de resistência que exerceu papel legítimo na formatação do direito internacional durante o século XX e XXI (RAJAGOPAL, 2006, p. 419). Dessa forma, ainda que construam inúmeras críticas, não os descartam, mas buscam torná-los discurso verdadeiramente emancipatório para a pluralidade de povos do mundo.
Diante desta atitude crítica, porém de redenção aos direitos humanos, afirma-se que muitos dos posicionamentos teóricos críticos tendem a reimaginar os direitos humanos e, dessa maneira, a reforçá-los, muito mais do que promover um rompimento. Em outras palavras, isto quer dizer que, mesmo conscientes de todos os problemas inerentes ao discurso, como as falsas promessas universais ou sua inabilidade para quebrar com a ordem dominante opressiva, os críticos aos direitos humanos, de forma geral, retornam aos direitos humanos para reescrever este ideal, mais do que para deslocá-lo, superá-lo ou transcendê-lo (GOLDER, 2014, p. 79).
3 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS E TRIBAIS NA AMÉRICA LATINA
‘América Latina’ é categoria complexa e até mesmo controversa, cujos significados, simbolismos, histórias e delimitações são amplas e de difícil análise. A mais fácil conceituação é a geográfica. Entretanto, mais do que um espaço geográfico, é um universo em si, cuja pluralidade abriga diversos povos, línguas, histórias e costumes em constante inteiração e disputa. Configura-se como contexto marcado pelo choque entre concepções de vida que se traduz na característica reivindicativa e resistente sempre em curso na região. Na maior parte das vezes, este confronto significou e continua a significar desapropriação, marginalização e descaracterização dos povos indígenas e tribais.
Positivamente, a força contrária às inúmeras situações de opressão às quais esses povos foram submetidos resultou em formas de resistências orientadas a preservar sua identidade étnica, trazendo ao universo normativo novas formulações, conceitos e reivindicações, baseadas em uma série de proposições elaboradas a partir de movimentos indígenas organizados transnacionalmente. Tais movimentos passam a ocorrer já na década de 1970, quando organizações indígenas nacionais ganharam densidade política em vários países do mundo (ENGLE, 2010, p. 17).
Em relação aos povos tribais na América Latina, identificados sobretudo pelas comunidades étnicas afrodescendentes, estes iriam se valer de muitas conquistas dos povos indígenas, inserindo-se no mesmo arcabouço jurídico normativo a eles previsto. Em suma, a semelhança entre indígenas e tribais resultou na apropriação pelos povos tribais do modelo legal previsto para os povos indígenas, entendimento esse corroborado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CtIDH) que, de acordo com a decisão de 2005, no caso Moiwana (Suriname), estendeu os mesmos princípios aplicados aos povos indígenas às comunidades étnicas afrodescendentes (CtIDH, 2005b, parágrafos 132 e 133), resultando na adoção pela Corte de decisões similares nos casos relacionados aos povos indígenas e às comunidades étnicas afrodescendentes.
Vale abrir um parêntesis para mencionar que a definição sobre o que venha a ser indígena (de dentro, em oposição a alienígena, de fora) pode ser compreendida de várias maneiras. Uma delas sustenta que são povos originários, nativos, autóctones, que guardam estreita relação com seus territórios tradicionais, recursos naturais e história ancestral; que são grupos, coletividades que comungam valores, costumes e elementos comuns. Entretanto, por abranger uma série de características não exaustivas, não existe uma definição amplamente aceita acerca do que venha a ser indígena, razão pela qual o direito internacional corrobora jurídica e politicamente a moderna tendência de compreender a ideia sobre os indígenas nas bases do princípio da auto-identificação.
Na região latino-americana, uma das regiões do mundo mais diversas em termos de presença de povos indígenas do planeta, muitos países contribuíram com interpretações práticas acerca do que seriam os povos indígenas e tribais. Ao mesmo tempo, nas últimas décadas foram reconhecidos como tal por diversas Constituições e legislações específicas de muitos países (OIT, 2009, p. 13).
Com relação ao termo povos, este igualmente não recebeu no direito internacional uma definição precisa, inexistindo qualquer consenso sobre seu conteúdo por parte da doutrina. Segundo Aylwin (2004, p. 13), há os que o entendem como um conceito sociológico semelhante ao de nação. Outros o entendem como conceito político e legal direcionado a um conjunto de pessoas que vivem num mesmo território nacional, independentemente de qualquer elemento étnico ou cultural que os una. Particularmente para o direito internacional, o termo povos adquire conotação jurídica que garante o direito à autodeterminação, conforme o artigo 1º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[5].
Atente-se que o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e tribais aponta que a emergência de novos atores e sujeitos de direito internacional significa grande potencial para o processo de teorização de novas concepções de direitos humanos, já que este reconhecimento possibilita a identificação de exclusões históricas inerentes ao moderno discurso dos direitos humanos (PARMAR, 2008, p. 367). Ilustra ademais como os direitos humanos representam canais por onde o direito internacional consegue encontrar aberturas de mediação com normatividades plurais e oriundas de contextos de diversidade cultural, acarretando necessárias transformações tanto na vida dos povos como nas expressões teóricas e normativas dos direitos humanos.
4 EXPANSÃO NAS TEORIZAÇÕES SOBRE DIREITOS DE TITULARIDADE COLETIVA
Em razão das consequências políticas e jurídicas do reconhecimento de uma coletividade como povo, a ideia de reconhecer o status de ‘povos’ aos indígenas sofreu resistência dos Estados, já que cunhar o termo “povos indígenas” equivaleria a assegurar o reconhecimento da autonomia e do direito à autodeterminação, que traz a reboque a livre disposição de suas terras, recursos naturais e autogoverno. Decerto, o ponto de maior temor sempre esteve ligado à possibilidade de que tal reconhecimento envolvesse o direito de secessão, ou seja, o direito de poderem constituir-se em Estados independentes.
Diante disso, um dos primeiros choques da dimensão coletiva dos direitos dos povos foi de encontro à perspectiva tradicional baseada em direitos de cunho individuais, razão pela qual sofreu resistência por parte de Estados que entendiam que o exercício desses direitos deveria ser individual. Assim, alguns Estados preferiram o termo “pessoas pertencendo a povos indígenas” ou “populações indígenas” (QUANE, 2005, p. 658), vez que tais terminologias garantiriam que o exercício desses direitos ficasse restrito à esfera individual.
De fato, uma característica distintiva dos direitos dos povos indígenas e tribais é o de não ser facilmente acomodável na tradicional visão individual, já que para um indivíduo indígena ou tribal, não faz sentido o reconhecimento de seus direitos individuais independentemente do reconhecimento dos direitos enquanto coletividade e enquanto grupo.
Politicamente, o reconhecimento dos direitos de titularidade coletiva resultou em expresso conflito, instalado durante as discussões sobre o Projeto de Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas da ONU (DDPI), nomeadamente quando da previsão de uma série de direitos assegurados não aos indivíduos mas à coletividade. O Reino Unido, por exemplo, defendeu oposição ao conceito de direitos coletivos, adicionando observação após seu voto de que não aceitaria o conceito de direitos coletivos no direito internacional, mas somente uma categoria intermediária de direitos individuais exercidos em comunidade com outros (NEWMAN, 2006, p. 277). Esta posição foi seguida por diversos Estados.
Passados alguns anos e muita produção acadêmica, grande parte das teorias atualmente reconhecem a existência de entidades coletivas, como nações, povos, universidades, partidos políticos como titulares de direitos coletivos, ainda que muitos entendimentos professem a redução do gozo dos direitos coletivos aos sujeitos individuais que integram tais coletividades, ou seja, entendem que sem sujeitos individuais não é possível conceber-se direitos coletivos (CALERA, 2001, p. 34).
Para outros, os direitos coletivos seriam complementares aos direitos individuais, na medida em que o exercício de alguns direitos individuais de membros de coletividades, só se efetivaria quando do reconhecimento dos direitos destas coletividades em geral.
Parte da doutrina identifica outros problemas em relação à dimensão coletiva para além da questão de sua existência, como por exemplo, os desafios da incapacidade jurídica de dotar grupos e/ou coletividades com mecanismos apropriados que os habilite ao exercício de direitos coletivos, colocando o problema não na questão da existência de titulares coletivos, mas sim em como se daria a institucionalização ou representação desta coletividade para o exercício e efetivação deste direito (AÑON, 2001, p. 206).
Tais debates deságuam no tema da representação e no processo de legitimação desta representação, vez que o sujeito coletivo não teria outra forma de se expressar que não através de representantes. Note-se que esta tese coloca o problema do exercício dos direitos coletivos dentro do arcabouço da teoria política e da complexa discussão acerca da representação (CALERA, 2001, p. 38).
A despeito de toda essa discussão, o que de fato se constata é que foram reconhecidos direitos de titularidade coletiva aos povos indígenas e tribais, como direitos territoriais, autodeterminação, direito ao desenvolvimento, ao acesso aos recursos naturais, os quais acabaram por influenciar positivamente o desenvolvimento da discussão sobre direitos coletivos bem como contestar a restrição dos direitos humanos à dimensão individual.
Cabe referir que há distinção entre direitos coletivos e direitos de grupo, este último como sendo um tipo mais específico de direitos coletivos. A diferença seria que os direitos coletivos poderiam ser exercidos individualmente, como por exemplo, o direito de greve. Já os direitos de grupo, ao contrário, seriam exercidos pelo grupo enquanto ente coletivo único. Comungam de iguais desafios, sendo o principal problema identificado também em relação aos direitos de grupo a questão da representação, já que os grupos podem ser (e normalmente o são), diferentemente dos indivíduos, divididos internamente, desorganizados e imprecisos quanto à sua delimitação.
A Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante CtIDH ou Corte) avança no reconhecimento e implementação dos direitos coletivos dos povos indígenas e tribais. Cite-se como exemplo o caso Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano vs. Panamá (2014), no qual a CtIDH reconhece que além da concepção coletiva dos direitos de propriedade, os povos indígenas têm uma relação especial, única e protegida internacionalmente, com seus ‘territórios ancestrais’, o que está ausente no caso das comunidades não-indígenas.
Sob tal interpretação, para as comunidades indígenas e tribais a relação com a terra não é meramente uma questão de posse e produção individual, mas um elemento material e espiritual de que devem gozar plenamente, inclusive para preservar seu legado cultural e transmiti-lo às gerações futuras (CtIDH, 2014, parágrafo 112).
Segundo a Corte, esta relação especial e única entre os povos indígenas e seus territórios tradicionais goza de proteção jurídica internacional e de medidas especiais de proteção, já que preservar a ligação particular entre as comunidades indígenas e suas terras e recursos é ato relacionado à própria existência desses povos (CtIDH, 2014, parágrafo 193).
Ressalta ainda a estreita relação que os indígenas mantêm com suas terras, a qual deve ser reconhecida e compreendida como a “base fundamental de su cultura, vida espiritual, integridad, supervivencia económica y su preservación y transmisión a las generaciones futuras” (CtIDH, 2005a, parágrafo 131).
Reconhece ainda a Corte o direito dos povos indígenas e tribais a viverem nas terras dos antepassados, de acordo com suas formas de vida próprias, o que implica na adoção pela ordem jurídica interna do país de um conceito de direito de propriedade da terra distinto daquele normalmente oriundo do entendimento geral sobre a propriedade privada. Isto implica na adoção de critérios específicos de valoração do uso da terra que não aqueles contemplados pelo direito privado ou pelo direito agrário (CtIDH, 2005a, parágrafo 121, b).
De fato, os casos litigados perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos foram relevantes na materialização dos preceitos normativos reivindicados pelos povos, uma vez que trazem ao processo uma série de estudos, relatórios antropológicos, documentos redigidos pelos próprios interessados, em suma, expressiva documentação aportada ao direito internacional por meio de atividade jurisdicional. Facilitaram como isso que seus anseios fossem traduzidos em termos normativos e jurisprudenciais resultando em que tais preceitos passassem a integrar e complexificar o regime jurídico do direito internacional dos direitos humanos.
5 REFLEXOS NO CONSTITUCIONALISMO REGIONAL LATINO-AMERICANO
O encontro dos direitos dos povos indígenas e tribais com os direitos humanos reaviva uma forma de organização que sempre esteve na América Latina, auxiliando no processo de resgate de um tipo de constitucionalismo antigo dos povos. Diante desse contexto, nas últimas décadas, especialmente a partir da aprovação DDPI, os termos da normativa internacional dos direitos humanos dos povos indígenas foi acrescentado às constituições do Equador (2008) e do Estado Plurinacional da Bolívia (2009).
Como resultado, desponta um tipo contemporâneo de constitucionalismo intercultural, plurinacional, pluricultural, que busca articular a contradição que emergiu de dentro do Estado moderno monocultural (SOUSA SANTOS, 2008. p. 7).
Por exemplo, a constituição do Equador (2008), prevê o dever do Estado de promover o “bem-viver” (sumak kawsay) como uma herança cultural dos povos indígenas, declarando no preâmbulo que:
Nosotras y nosotros, el pueblo soberano del Ecuador (...), decidimos construir (...) una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay.
Destaque-se, o ayllu[6] e o Sumak Kawsay (el buen-viver)[7], designações que incluem princípios de vida como o ayni[8], minka[9], reciprocidade, solidariedade, respeito, complementaridade, dignidade, participação coletiva, justiça social, harmonia com a mãe natureza (pachamama), com a comunidade e o bem-estar coletivo e familiar, que têm sido traduzidos como “bem viver” ou “viver bem” (CEPAL, 2015, p. 33).
Celebram ainda a natureza, “la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existência”. Estes direitos claramente desafiam o paradigma ocidental de desenvolvimento, bem como o entendimento de que somente os indivíduos e os povos estão sujeitos à proteção da lei (AYLWIN, 2013, p. 74).
A Constituição da Bolívia (2009), por sua vez, garante direitos específicos de controle sobre a própria jurisdição às populações indígenas e campesinas, atribuindo-lhes maior autonomia e controle das regiões sob sua jurisdição e por meio de suas próprias autoridades. Conforme o artigo 201 “Toda autoridad pública o particular acatará las decisiones de la jurisdicción indígena originario campesina”.
O artigo 8 (I) da mesma Constituição declara e expressa diversos princípios de vida radicado na cosmologia dos povos indígenas:
El Estado asume y promueve como principios ético-morales de la sociedad plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrón), suma qamaña (vivir bien), ñandereko (vida armoniosa), teko kavi (vida buena), ivi maraei (tierra sin mal) y qhapaj ñan (camino o vida noble).
Constate-se que o encontro entre os direitos humanos e os povos indígenas e tribais se dá também em relação à forma como este direito passa a exercer influências nas legislações dos Estados nacionais e vice-versa. Esse novo constitucionalismo que se desenvolve na região a partir do protagonismo dos povos originários demonstra a necessidade de se valorizar os muitos conhecimentos e saberes disponíveis na região, deixando claro que o “universal” é muito mais amplo e diverso do que a simples compreensão ocidental do mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos humanos não estiveram originalmente preocupados em endereçar a problemática vivida pelos povos indígenas e tribais, tampouco a de qualquer outro grupo em particular. O reflexo pode ser visto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que não fez menção a qualquer grupo específico. Sua intrínseca pretensão universal, contudo, implica na confrontação dos valores morais contidos na tradicional/original concepção que os originou, permeada por valores universais, individuais e eurocêntricos, que não necessariamente entram em diálogo a diversidade cultural que pretende abarcar.
Destarte, a necessidade de novas miradas aos direitos humanos advém do reconhecimento de que a diversidade cultural desponta não como valor a ser atenuado, mas antes a ser preservado e dinamizado, em sociedades que resistem aos efeitos homogeneizantes que buscam desvinculá-los de suas formas próprias e particulares de viver. Neste aporte dialógico com outros valores e cosmovisões que não aquelas que radicam em sua matriz universal, individual e eurocêntrica, os direitos humanos acabam por recepcionar elementos que questionam a própria origem da qual proveio, impondo necessária revisão das concepções que baseiam a normatividade dominante.
Reside neste ponto o caráter crítico (e contra-hegemônico) dos direitos humanos, fortalecendo-o como campo de crítica do direito pelo próprio direito e sendo responsável, em última análise, por trazer novas concepções normativas e de dignidade humana ao próprio mundo do direito. Por isso, defende-se que os direitos humanos têm a habilidade de gerar novos significados a partir do seu discurso interno. Tanto assim que são hoje muito mais do que já foram um dia: novos conteúdos, novos entendimentos sobre o que venha a ser o ‘humano’, recepcionando diferentes conceitos que são constantemente incorporados em sua narrativa evolutiva.
Fortalecem-se assim como uma das linguagens normativas que modificaram os fundamentos do tradicional direito internacional público, sobretudo ao relativizar o poder soberano estatal internamente e ao reconhecer indivíduos como sujeitos de direito, retirando a outrora exclusividade dos Estados. Nascem, destarte, imbuídos de força questionadora das ilimitadas ações oriundas do poder estatal, ainda que tenham nele a força que os fazem valer.
Esta adaptabilidade e abertura aos outros[10] que busca alcançar com suas prescrições protetivas implica inegavelmente em constante confrontação de valores e significados contidos na original doutrina com os novos valores que recepciona a partir deste diálogo com o outro. Nesse contexto, o direito dos povos indígenas e tribais é plataforma importante sobre a qual se erigem concepções teóricas sobre os direitos humanos coletivos em geral, levando-os a avançar em concepções de normatividades plurais, seguindo tendência de tratá-los em bases de igualdade, mas, sobretudo, em termos de identidade cultural e respeito às diferenças. A proposta expressa normativamente é que tais povos não sejam forçados ou pressionados a assimilar características ou perder aquelas que os distinguem da sociedade nacional dominante. Ao contrário, segundo as formulações normativas, cabe aos Estados assegurar a integridade como povos culturalmente distintos, permitindo que continuem a viver de acordo com os valores de suas culturas, se assim o desejarem.
Diante destas conqusitas, constata-se que através da organização em um movimento social transnacional, comunidades locais de povos indígenas e tribais lograram participar de forma significativa na construção de uma identidade jurídica e de um regime jurídico internacional particularmente voltado a traduzir normativamente sua condição peculiar, especialmente por meio de decisões jurisprudenciais em resposta a seus pleitos. Demonstra-se com isso a capacidade de grupos historicamente marginalizados em ter sucesso no reconhecimento de sua identidade pela normativa internacional, bem como na transformação de preceitos dos direitos humanos de maneira que passem a ser adequados às suas expressões e reivindicações. Revelam, em última análise, como os direitos humanos são um canal por meio do qual o direito internacional dialoga e recepciona outras expressões normativas sobre o justo e o digno.
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OSDIREITOS HUMANOSNA PÓS-MODERNIDADE
THE HUMAN RIGHTS IN THE POSTMODERNITY
Igor Felipe Bergamaschi*
Laura Garbini Both**
RESUMO: O trabalho busca fazer uma relação entre o fenômeno da pós-modernidade e a natureza dos Direitos Humanos, mais especificamente entre a influência das novas perspectivas pós-modernas no entendimento dos Direitos Humanos. O objetivo é problematizaraté que ponto as mudanças intensas de paradigmas teóricos e políticos reverberaram na compreensão dessas duas dimensõese quais os desafios de respostas edesdobramentos deste cenárioque influenciam diretamenteas relações sociais e jurídicasna sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Pós-Modernidade. Direitos Humanos. Contemporaneidade.
ABSTRACT:The work seeks to make a relation between the phenomenon of postmodernity and the nature of Human Rights, more specifically between the influence of the new postmodern perspectives on the understanding of Human Rights. The objective is to problematize the extent to which the intense changes of theoretical and political paradigms reverberated in the understanding of these two dimensions and what the challenges of answers and unfolding of this scenario that directly influence the social and juridical relations in the contemporary society.
Keywords:Postmodernity. Human Rights.Contemporaneity.
Recebido:13.05.2017
Aprovado: 17.07.2017
1 INTRODUÇÃO
Se analisarmos a história da humanidade, conseguiremos observar momentos de continuidades e rupturas. Constantemente os rumos da história são rearranjados, mudados e transformados pelos mais diversos fatores. Podemos tomar a título de exemplo, as crises, as revoluções, as guerras, dentre outros fatores que modificam as percepções e anseios de cada povo, de cada tempo. Nesses momentos, como as transformações são muito intensas, o grau de incertezas é muito maior do que nos momentos de continuidade. Isso, porqueestão sendo criados novos conceitos, novasdefinições e visões de mundo. A dinâmica do mundo e da história é impulsionada pela transformação.
Diante deste cenário pretende-se neste artigo fazer um breve estudo do momento de ruptura e transformação que vivenciamos hoje que, dentre outras nomenclaturas pode ser também nomeado de pós-modernidade, tomando como pressuposto que um dos fatores que influenciaram enormemente o advento da pós-modernidade foi o grande crescimento da tecnologia e a maior amplitude dos meios de comunicação.
O objetivo é relacionar perspectivas das ciências sociaissobre os rumos que a pós-modernidade tem tomado com as doutrinas jurídicas que versam sobre Direitos Humanos e assim procurar agregar algumas reflexões acerca de questões fundamentais que entrelaçam esses dois temas. Para em seguida, inserir a questão no campo do direito constitucional com foco no período em que o constitucionalismo assumiu expressamente um compromisso com os direitos humanos.
Atualmente, temos que os Direitos Humanos passaram a fazer parte do projeto constitucional. Participando das constituições como elemento mandamental, vinculante, exigível e não meramente com prospecção teórica e formal.Essa análise importa para a a discussão aqui empreendida, pois as constituições e o constitucionalismo são diretamente influenciados por quaisquer que sejam os rumos históricos da sociedade.
Também é importante destacar o impacto dos Direitos Humanos no plano internacional, pois a forma como os Direitos Humanos são operacionalizados no plano internacional tem repercussão no plano interno.
2 A PÓS-MODERNIDADE E SEUS CAMINHOS
O período conhecido como pós-modernidadepode ser caracterizado como um momento de transição de comportamentos, concepções e quebra de paradigmas. Para BARROSO (2001) o período se caracteriza pelo fato de que o efêmero e o volátil se sobrepõe ao permanente e essencial.
Daqui, portanto, é necessário desvelar o pós-moderno, o instável, o volátil.Tomemos o fenômeno da globalização como ponto inicial da análise. No âmbito internacional, o que se vê é a perda de sentido do conceito tradicional de soberania, vez que as soberanias, antes tão rígidas passam a ceder espaço aos grandes blocos econômicos, combinados com a intensificação da circulação de pessoas e mercadorias e capitais. Tal ordem social resulta em alguns contextos na desigualdade e no acentuado desequilíbrio de poder político e econômico ente pessoas e países.Outra marca que se observa é a grande expansão tecnológica e de domínio e operação da internet.
No campo da política, observa-se uma reestruturação do modelo de Estado tradicional, impulsionado por uma onda conservadora, Regan/Tatcher, por exemplo. O conceito de Estado, destaca Barroso (2001) passa por três distinções históricas: a pré-modernidade, onde se encontra o Estado Liberal, a modernidade, onde se encaixa o Estado Social e a pós-modernidade, que nos traz o Estado Neo-liberal.
Ensina Schuler (2015) que, por volta dos anos 70, o mundo enfrentou uma grave crise econômica que serviu de palco para que se iniciasse uma tentativa de retomada do liberalismo. A partir disso, deu-se uma maciça reorganização global que se consolidou com a implantação de política neoliberal. Desde então, a regulação econômica e social passou das mãos do Estado para o mercado e para a sociedade civil, com a consequente redução dos gastos governamentais com direitos sociais sob os moldes do Estado mínimo.
Tem-se então um certo esgotamento do projeto da modernidade. Esse esgotamento se deu com certos danos irreparáveis, e esses danos são os que acompanham e constituem a contemporaneidade. Todavia, não se pode falar de uma ruptura total, tampouco pode-se enxergar uma linearidade entre a modernidade e a pós-modernidade. O que se percebe é uma transição com momentos de ruptura, mas também de continuidades.
Ao tratar do tema da liquidez em seus vários aspectos, Bauman (2007) entende que a “vida líquida” é a expressão da pós-modernidade em toda a sua velocidade e fluidez. Para ele, a sociedade líquida moderna age de modo a se transformar em um tempo muito curto. As rotinas, os hábitos e as formas de agir se transmutam e não permanecem por muito tempo. A vida líquida, completa o autor, é precáriae vivida em condições de incerteza constantes.
Nesse contexto pós-moderno, os indivíduos passam a estar em constante busca de sua individualidade, contudo, contraditoriamente a individualidade somente se completa e se consolida no coletivo. Como se a condição de individualidade fosse uma tarefa que a coletividade desse aos seus membros.Para Bauman (2007) a coletividade é o berço e o destino dos indivíduos.
Vê-se marcadamente que a sociedade pós-moderna passa por crises de construção identitária. Hora os indivíduos buscam se diferenciar, hora sentem a necessidade de um reconhecimento compartilhado. A pós-modernidade se reflete em diversos aspectos da vivência humana, tanto na forma como o ser - humano se percebe, assim como, nas transformações nas relações sociais.
Também a forma com que concepção e expressão artísticas foi transformada no momento pós-moderno. Para a pós-modernidade não tem sentido falar em arte vanguardista, pois para que isso fosse possível, deveria se ter a clara noção de “para trás” e “para frente” e no contexto pós-moderno, isso não faz sentido, uma vez que os seus movimentos são aleatórios, dispersos e carentes de uma direção exata. Assim, segundo Bauman (2013) as manifestações artísticas se dão de modo espontâneo e não se classificam por atrasadas ou vanguardistas.
Algo importante a ser mencionado acerca da pós-modernidade é que seu advento tratou de romper com a linha divisória entre cultura de massa e a alta cultura. Tal separação, que era tão preciosa ao modernismo, já não faz mais sentido: a pós-modernidade surge com a finalidade clara de dar fim às características conservadoras do modernismo. Dessa maneira, se apresenta para Mello (2016) como a expressão cultural de uma nova fase do capitalismo.
Nota Vargas Llosa (2013) que no decorrer da história do mundo o que se entende por cultura sofreu várias modificações semânticas. Por muitos séculos, seu entendimento foi inseparável da religião. Já no apogeu grego, ligou-se à filosofia e em Roma, ao Direito. De passagem pelo Renascimento, centrou-se na literatura e demais artes. Em tempos mais recentes, os grandes avanços da ciência foram determinantes para a formação da ideia de cultura. Em resumo, a cultura se define pelo grande conjunto de saberes e conhecimento que servem para a conformação da identidade/alteridade de um povo.
Hoje a noção de o que é cultura ampliou-se tanto que não há mais possibilidade de se dizer o que é e o que não é cultura. Tal conceito, para Vargas Llosa (2013) se transformou em um “fantasma inapreensível, de massas, metafórico. De uma forma um tanto pessimista, o pensador conclui que a cultura pode ser experimentação e reflexão, pensamento, sonho, paixão e poesia e uma revisão constante das nossas teorias e crenças, mas não pode estar afastada do mundo e da vida real.E, essa grande abertura do conceito de cultura pode fazer com que ela seja frágil e como castelos de areia - embora bonitos - pode se desmanchar com um breve vento.
A era pós-moderna é, em vários aspectos, uma superação da era moderna. Os avanços que a modernidade prometeu, certamente culminaram em realizações claras.O projeto sociocultural da modernidade se inicia entre os séculos XVI e XVIII e, a partir desse período, podemos compreender seu real cumprimento. Tal cenário coincide com o surgimento do capitalismo nos países centrais europeu e, de forma analítica, pode-se separar o percurso do capitalismo em três menores, na concepção de Sousa Santos (2013): o Capitalismo Industrial, que compreende todo o séc. XIX, o Capitalismo Organizado, que vai do final do sec. XIX até o período entre as duas guerras mundiais e o Capitalismo Financeiro, iniciado em meados dos anos 60 e sobrevive até hoje. Para o autor, esse capitalismo formado ao longo dos anos transformou a natureza em mercadoria. O progresso prometido pelo sistema econômico, para alimentar as aspirações modernas custaram alguns regressos que podem levar a humanidade a reduzir-se em barbárie. A destruição do mundo natural e o esgotamento de recursos, são alguns dos custos que a humanidade teve de suportar para sustentar o seu sonho moderno que ruiu, e deu lugar à condição pós-moderna. Assevera Eduardo Carlos Bittar:
A razão instrumental, que converteu a natureza em objeto da volúpia do progresso e do incremento do poder (Macht), acessória da planificação capitalista, é a mesma que orienta e dá condições de expansão ao capital global contemporâneo, o qual – fundando ilusões de vida que se esgotam em consumo e posse – faz com que se respire atualmente uma atmosfera na qual se sente em suspensão o cheiro de morte. Nosso mundo tem odor de morte porque foi convertido em praça de convergência das múltiplas forças do capital mundial. A carnificina implícita provocadapela volúpia do ter é tolerada por parecer faltarem-lhe autoria e culpados diretos. E quando não há a quem imputar direta e visualmente a culpa, parece que a responsabilidade se dilui para o sistema (BITTAR,2008).
O capitalismo ao transformar a realidade social colocou a natureza ao seu serviço para sustentar sua lógica de lucro. Não apenas as coisas, mas também as pessoas foram postas a serviço do capital e a condição pós-modernaé, de certa forma, um índice do esgotamento da falência desse sistema e uma tentativa de encontrar alternativas de organização social. A pós-modernidade reivindica o reencontro do homem na sociedade e da sociedade no homem.
3 NOTA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS
O advento da pós-modernidade, conforme discutido, fez com que as estruturas sociais sofressem modificações intensas. A forma com que o ser humano se percebe e percebe seu mundo se transformou e se dinamizou. Também a forma com que os indivíduos travam suas relações sofreu grande transformação – imensamente influenciada pelo grande avanço tecnológico e cibernético. Esse momento de transição, foi responsável também, e principalmente, por transformar a concepção de Direitos Humanos.
Às concepções de Direito e de Direito Humanoao longo da história foram dados diversos significados. Como marco divisório, analisemos o Jusnaturalismo que apregoa a existência de um direito natural, inato. E, conceito posterior, o Positivismo jurídico que compreende que a única forma válida de direito à vida é aquela que emana do Estado.
Retomando a questão das fases do capitalismo, conseguimos, traçar um paralelo entre elas e os significados dos Direitos Humanos. Para Alves (2011) a pauta de Direitos Humanos relativas ao capitalismo liberal, objetivaram confrontar e democratizar a forma política das relações sociais capitalistas. Essas pautas encerravam-se em uma espécie de dominação e desigualdade. No período do capitalismo organizado, a pauta dos Direitos Humanos objetivaram lutar contra a forma social e econômica das relações desiguais estabelecidas e encerrando-se na exploração e desigualdade. Já no capitalismo financeiro, os Direitos Humanos visam tratar da divisão cultural das desigualdades geradas pelo modo de produção capitalista de então. Contudo, encerram-se na alienação.
O direito constitucional também acompanha as mudanças sociais aqui tratadas. E que ocorre não é mero acompanhamento das mudanças, mas ao mesmo tempo que se transforma com as mudanças havidas, o constitucionalismo é protagonista dessas mudanças.
Não se pretende aqui fazer uma linha da história do direito constitucional, mas principalmente abordar suas características hodiernas contextualizadas na pós-modernidade e seus reflexos para os direitos humanos. Todavia, fato é que de todos os períodos havidos, a contemporaneidade tem maior expressão e importância em virtude dos seus reflexos imediatos na vida social.
Atualmente o modelo constitucional está impregnado pela idéia e valor da dignidade da pessoa humana fundada no pluralismo, na liberdade e na igualdade. Seu atributo é para Manso (2012) o de servir de lastro para a construção de um ambiente político social empenhado em fazer cumprir a dignidade humana em todas as esferas sociais.
A Constituição brasileirade 1988não busca apenas estabelecer um conteúdo ético-moral de Direitos Humanos, mas vai além disso. A ideia é justamente construir um contexto de normas jurídico-positivas com status constitucional, e assim, dotada de eficácia, criandoum valor jurídico fundamental para a comunidade. Neste sentido, constitucionalizar os Direitos Humanos não significa apenas enunciar formalmente os princípios, mas positivá-los para que, qualquer indivíduo, possa invocá-los frente ao Estado ou quem quer que seja. Se não houvesse essa positivação, os Direitos Humanos seriam meras esperanças e aspirações, pois não haveria a possibilidade de cobrá-los.
A postitivação dos Direitos Humanos passa também pelo âmbito internacional,tendo em vista o caráter universal e supra estatal, herança histórica do jusnaturalismo. Percebeu-se nos Direitos Humanos uma chance para tentar a convivência pacífica entre os povos e, para isso, ao longo da história recente, tem se criado órgãos de abrangência internacional que visam exercer essa vigia e promoção dos direitos humanos.
4 OS DIREITOS HUMANOS E A PÓS-MODERNIDADE
Se tomarmos como início do percurso temporal a Idade Média pode-se observar que a Europa feudal reproduzia um modelo de pluralismo jurídico. O Feudalismo surge como modelo social resultante da decadência da sociedade escravista romana e da fragmentação de diversos povos. Essa sociedade foi fortemente marcada pela produção econômica agrária fundada na posse da terra, cujas relações sociais se sustentavam com nos laços de servidão. Para Wolkmer (2001) o sistema feudal compreende uma descentralização administrativa fragmentada e com plurais de centros de decisões. Esse pluralismo resulta de uma multiplicidade de centros internos de poder político e o poder se dividia entre nobres, reis, universidades, a igreja e corporações de ofício.
A partir do enfraquecimento do Feudalismo a Europa passa gradativamente por um momento de formação e estruturação do capitalismo como principal modo de produção, pautado pelo livre mercado e se organiza quase que por completo no continente europeu entre os séculos XVI e XVII. A sociedade burguesa, liberal e individualista passa a se organizar em Estados soberanos que englobam pequenos contextos sociais e jurídicos (feudos) antes independentes. Essa conformação somente será possível pela assunção de um único modelo jurídico produzido pelo Estado. Conforme Antonio Carlos Wolkmer:
O florescimento do Capitalismo, como ápice de toda estrutura econômica da sociedade moderna – resultante, como já foi visto, da perda de autonomia por parte dos pequenos produtores e da separação de seus instrumentos de produção e de subsistência, e de transformação de sua força de trabalho em mercadoria – criará possibilidades para a concomitante formação de uma nova classe social proprietária que monopolizará os meios de produção. Estes novos agentes, edificadores da chamada sociedade burguesa, vão forjar seus direitos com uma plena participação no controle dessas novas formas de organização e poder. A consequência desse deslocamento nas relações sociais aponta para um quadro em que o controle político-econômico, assentado na autoridade de uma aristocracia proprietária de terra, passa a ser compartilhado por “homens cuja influência provinha unicamente da propriedade de bens móveis. O banqueiro, o mercador, os fabricantes começaram substituindo o latifundiário, o eclesiástico, o guerreiro como os tipos de influência social dominante (WOLKMER, 2001).
Tal modelo se consolida como o modo de produção capitalista, que tem a burguesia como classe social hegemônica, e o liberalismo e individualismo como fundamentos ideológicos. Opoder se organiza pelo Estado e se reveste pelo monopólio da fora soberana.
Com o advento desse modelo hegemônico jurídico-político, o mundo passa a experimentar cada vez mais umapadronização de organização social que ignora as formas alternativas de compreensão do mundo e que perdem espaço para as formas hegemônicas.
Com o final da II Guerra Mundial, a comunidade global se preocupou em criar mecanismos de proteção de direitos humanos para que outrosextermínios semelhanteao nazi-fascismo não acontecessem novamente. Dessa preocupação tem-se o advento da Declaração Universal de Direitos Humanos e a criação das Nações Unidas. Ambas herdam aspirações iluministas e explicitamente se pretendem protetoras da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis. Incumbe-se, destaca Alves (2011), às Nações Unidas cumprir plenamente o compromisso de promover o respeito universal aos direitos humanos e liberdades individuais.
Contudo questiona-se com certa frequência o caráter universalizante da Declaração dos Direitos Humanos e da Organização das Nações Unidas que contava, em 1948, com apenas 56 Estados “ocidentalizados”. E mais do que isso, quando foi criada a Declaração carecia de consenso entre os Estados e diversos países da África e da Ásia se opuseram aos seus termos, assim como em menor grau os países socialistas também o fizeram. Contudo, a medida que os direitos consagrados no documento foram sendo assimilados pelos cidadãos dos países que antes se opuseram, tais países foram paulatinamente ratificando a Declaração.
A prática política e jurídica nos planos internacional e nacionais, em especial, a criação desses mencionado mecanismos de proteção dos direitos humanos fez com que tal matéria fosse tratada de uma forma mais pragmática e direta. Os direitos humanos foram positivados na Declaração Universal dos Diretos Humanos e são resguardados pela Organização das Nações Unidas. Isso combinado com a herança iluminista desses mecanismos deixa de lado, por exemplo, uma perspectiva mais relativista desse rol de direitos e a partir dessa perspectiva os Direitos Humanos passam a ter um fundamento absoluto e universal.
O Direitos Humanos são um produto da história, relativos ao contexto social e a busca de um fundamento absoluto nãoencerra e abarca toda a diversidade real e semântica do termo. Está é uma percepção e uma demanda político-jurídica típica da pós-modernidade.
Os Direitos Humanos não se tornam válidos pelo fato de serem reconhecidos institucionalmente, mas por depositarem sua validade na reciprocidade moral que obriga a todos os homens, mutuamente, e nessa circunscrição se tornam a condição para a existência humana individual e coletiva. Para Douglas Cesar Lucas:
Não há como negar a diferença sem negar a humanidade. Por outro lado, não há como sustentar a diferença fora da humanidade. Ou seja, é a humanidade a condição mesma para a diferença. Os direitos humanos, na posição de universais não-homogeneizadores, precisam justamente reconhecer que existe uma moralidade que impõe uma reciprocidade de comportamentos a todos os indivíduos e instituições como condição de possibilidade para serem freadas as diferenças que conduzem à desigualdade excludente ou mesmo à homogeneização que inviabiliza o aparecimento das diferenças comuns à humanidade do homem, diferenças que devem ser garantidas por fazerem do homem o que ele é em razão também de sua individualidade, mas desde que sejam susceptíveis de uma proteção universal. Afastar a diferença, portanto, é o mesmo que negar as possibilidades do entendimento humano tratar daquilo que, por sua moralidade, pode ser universalizado (LUCAS, 2005).
A eficácia dos direitos humanos está ligada à sua fundamentação e não depende, necessariamente, de sua positivação jurídico-institucional, mas sim de sua legitimação em função de suas raízes éticas. Assim, é de se ponderar que haja várias fundamentações absolutas de direitos humanos, e não apenas uma, a institucional. Portanto, não se nega a característica de universalidade, mas se sustenta que podem haver diferentes racionalidades de direitos humanos que possam conviver e até se completar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pós-modernidade é fortemente marcadapela condição da transitoriedade e por instabilidades e incertezas. A consciência pós-moderna talvez a consciência do fracasso do projeto idealizado na modernidade e suas certezas, convicções convenções sociais estáticas. Na sociedade contemporâneaas relações humanas são fortemente influenciadas pelos avanços tecnológicos e taisrelações, assim como a tecnologia, se tornam mais efêmeras, fluidas e transmutáveis.
A abordagem dos Direitos Humanos mesmo nessecontexto incerto não deixou de ser essencial. A maior dificuldade é auferir até que ponto seriam os Direitos Humanos absolutos e a partir de que ponto podem ser relativizados.
Independente de suas variações conceituais ao longo do tempo e do espaço, a dignidade deve ser sempre resguardada por quaisquer mecanismos que se proponham a isso. E a ordem jurídica deve estar sempre atenta às demandas sociais que se apresentam. Enquanto os Direitos Humanos ainda forem capazes de mostrar um mínimo a ser protegido sua validade e autoridade precisa ser acionada.
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A GREVE POLÍTICA COMO CATEGORIA DE DIREITO HUMANO NA AMÉRICA LATINA:RECONFIGURANDOAS LUTAS COLETIVAS A PARTIR DAS TEORIAS DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS
POLITICAL STRIKE ACTION AS A CATEGORY OF HUMAN RIGHTS IN LATIN AMERICA: RECONFIGURING COLLECTIVE STRUGGLES BASED ON THEORIES OF THE NEW SOCIAL MOVEMENTS
Oton de A. Vasconcelos Filho*
Bruno Manoel Viana de Araújo**
RESUMO: O combate contra a exploração do trabalho humano nasceu por meio das lutas coletivas.A partir da década de 80, do século XX, novas identidades e necessidades se evidenciam. No ano de 2017, greves políticas são manifestas no âmbito da América Latina. Utilizando-se do método hipotético-dedutivo e da técnica da revisão da literatura, objetiva a pesquisa analisar sea greve, nos moldes postos pela dogmática jurídica se justifica na contemporaneidade e, em caso negativo, o que se faz necessário para elaboração de um novo sindicalismo social.
Palavras-Chave:América Latina. Greve Política. Informalidade. Novo Sindicalismo. Movimentos Sociais.
ABSTRACT: The fight against labour exploitation was born through collective actions. In the 1980's, new identities and needs became evident. In 2017, political strikes appear in Latin America. By using the hypothetico-deductive method and the technique of literature review, this paper aims to analyse whether such strikes, in the shape posed by the legal dogmatics, are justified nowadays and, if not, what is necessary for the elaboration of a new social unionism.
Keywords: Latin America. Political Strikes.Informal Sector.New Unionism.Social Movements.
Recebido: 15.05.2017
Aprovado: 02.07.2017
1 INTRODUÇÃO
Este estudo é fruto de uma reflexão acerca da regulamentação sobre o exercício do direito de greve em documentos internacionais e nas constituições da América Latina. Observa-se que em todas elas as lutas coletivas se apresentam com um viés nitidamente reivindicativo e voltado para as relações de trabalho subordinado.
O mencionado cenário se justificou até a década de 70, do século XX, em que os movimentos sociais, por excelência, eram do proletariado. Contudo, a partir da implantação do discurso neoliberal, do desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação, e, da globalização, houve uma pulverização nas relações de trabalho, enfraquecendo as organizações sindicais e, consequentemente, o movimento grevista.
Por outro lado, surgem novas identidades, e nesse contexto, são evidenciados novos movimentos sociais, tais como, os relacionados à etnia, o das mulheres, entre outros.
É nesse panorama que se faz necessária uma releitura do sindicalismo e da greve, para, a partir das teorias dos novos movimentos sociais, serem conferido aos atores envolvidosà plenitude de sua cidadania por intermédio das lutas políticas.
Esta temática será analisada em tópicos distintos, porém inter-relacionados, tais como: a greve na perspectiva do direito internacional e da dogmática jurídica nos países da América Latina, o panorama do trabalho nessa região, as crises do sindicalismo e os impactos nas lutas coletivas, a greve política como categoria de direito humano e a teoria dos novos movimentos sociais.
O método utilizado para realização da presente pesquisa será o hipotético-dedutivo e a técnica escolhida será a revisão da literatura, por meio de títulos jurídicos, assim como, de estudos críticos que analisam o direito através de outras áreas do conhecimento.
A pesquisa se justifica socialmente porque a regulamentação da greve, segundo os documentos internacionais e constituições dessa região, se encontra em descompasso com o fato social contemporâneo, que é fonte primária do direito.
2A GREVE NA PERSPECTIVA DO DIREITO INTERNACIONAL E DA DOGMÁTICA JURÍDICANOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA
Os principais documentos internacionais que disciplinam o exercício do direito de greve são a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Carta Social Européia.
No âmbito da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o direito de greve se encontra implícito quando observado os artigos 20.1[11] e 23.4.[12] Sendo assim, ostenta a autotutela coletiva o status de direito humano e se presta como instrumento de pressão conferido aos trabalhadores.O Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) regulamenta a greve em seu artigo 8º[13], e vincula o seu exercício a legislação nacional. Por outro lado, a Carta Social Européia (1996) trata desse tema em seu artigo 6º[14], ao assegurar o direito de greve como uma das formas deresolução de conflitos entre empregados e empregadores.
No âmbito da OIT, não há uma convenção específica que trate diretamente sobre a matéria. José Araújo Avelino (2015, p. 60) informa que esse fato ocorre porque essa ação deverá se encontrar vinculada ao direito de sindicalização. Contudo, no olhar de Hugo Dias (2014), o direito de greve se encontra implicitamente incluído na Convenção nº 87, art. 3º quando define que “[...] as organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de redigir seus estatutos e regulamentos administrativos, o de eleger livremente seus representantes, o de organizar sua administração e suas atividades e o de formular seu programa de ação”. Estaria, assim, o direito de greve inserido no programa de ação das organizações sindicais.
As constituições dos países da América Latina (Argentina[15], Bolívia[16], Brasil[17], Chile[18],
Colômbia[19], Costa Rica[20], Cuba[21], El Salvador[22], Equador[23], Guatemala[24], Haiti[25], Honduras[26],México[27], Nicarágua[28], Panamá[29], Paraguai[30], Peru[31], República Dominicana[32], Uruguai[33], Venezuela[34])informam que o direito de greve tem sua relação com o trabalho e tem matriz reivindicativa.
Esses documentos vão de encontro à memória histórica do sindicalismo e tem impacto nas lutas coletivas que tinham suas agendas nos vieses políticos e reivindicativos.No Estado de Bem-estar Social, essas lutas se resumiam a satisfação das necessidades prestacionais, a saber, melhores salários, estabilidade ejornadas menos ofensivas. Essa visão viabilizou um processo de desculturalização da luta política.
Esse cenário impactou na fragilidade dos sindicatos e na efetividade das greves, sobretudo, a partir da década de 80, do século XX, momento em que o desemprego deixa de ser conjuntural e ganha o caráter de estruturalidade. (FORRESTER, 1997)
3O PANORAMA DO TRABALHO NA AMÉRICA LATINA, AS CRISES DO SINDICALISMO E OS IMPACTOS NAS LUTAS COLETIVAS
Mankiw (2001, p. 365) estabeleceu um conceito de população economicamente ativa ou força de trabalho a partir do “[...] número total de trabalhadores, incluindo empregados e desempregados”, em dado período de referência. A OIT absorve esse conceito de PEA, que também é utilizado pela doutrina econômica.
O cálculo da População Economicamente Ativa - PEA viabiliza o número de pessoas empregadas e desempregadas no mundo. Esse quadro numérico serve de base para se observar as categorias ocupadas, para, a partir de tais dados, ser obtido o número de trabalhadores que desenvolvem suas atividades decorrentes de uma relação jurídica de emprego.
Em publicação na página das Nações Unidas do Brasil, há informe no sentido de que a taxa de desocupação da América Latina e Caribe foi de 8,1%, em 2016, segundo relatório anual da OIT. Numericamente essa taxa “[...] implica que cerca de 5 milhões de pessoas se juntaram às filas do desemprego, que agora afeta 25 milhões de trabalhadores na região”.(ONUBR, 2016)
Segundo José Manuel Salazar (ONUBR, 2016), diretor regional da OIT,“[...] o panorama laboral da região se deteriorou em 2016: há um aumento abrupto da desocupação, a informalidade está crescendo e a qualidade dos empregos caiu”.
Aponta também que “A taxa de desocupação regional voltou a aumentar, desta vez de forma abrupta, ao passar de 6,6% em 2015 a 8,1% (estimativa preliminar) em 2016. Ou seja, aumentou 1,5 ponto percentual" (ONUBR, 2016).
Quanto à informalidade, declara que: “[...] estimamos que existem atualmente cerca de 134 milhões de trabalhadores ocupados em condições informais, um fenômeno persistente em nossa região, que representa um desafio de grandes dimensões para os formuladores de políticas". (ONUBR, 2016)
Em relação à população de jovens trabalhadores no âmbito da América Latina, dispõe que “[...] 20% dos jovens de 15 a 29 anos que participam do mercado de trabalho são considerados empreendedores, mas apenas 2% são empregadores” (ONUBR, 2016). Isso significa que a maioria desenvolve atividades por conta própria e em condições de trabalho precárias, a exemplo dos assalariados informais.
A OIT considera que o trabalho formal pauta-se em cinco categorias de trabalho: os assalariados, os empregadores, os trabalhadores por conta própria, membros de cooperativas de produtores, trabalhadores familiares e trabalhadores não classificados em nenhuma das categorias anteriormente mencionadas.
Sendo assim, apesar da agência da ONU reconhecer que a relação de emprego constitui o centro de referência do Direito do Trabalho, sua estatística não poderá ser considerada fonte precisa para estabelecer os limites da relação de emprego, na composição da força de trabalho.
Oton de Albuquerque Vasconcelos Filho (2016, p. 136), ao analisar a referida metodologia declara o seguinte:
Embora a metodologia descrita faça alusão ao tipo de contrato que envolve a situação de emprego, a tabulação dos dados não expõe essa relação contratual de modo a permitir a verificação exata dos trabalhadores ligados a empregador por típica relação de emprego, isso por que, por exemplo, na categoria denominada de assalariados, pode estar incluído um sem-número de vínculos que não equivalem ao conceito jurídico de empregado, como servidores públicos, etc.
Contudo, os números fornecidos pela OIT possibilitam uma verificação parcial da relação jurídica de emprego. Por exemplo, a categoria que agrega os trabalhadores por conta própria já revela um dado seguro e indicativo de uma parcela da PEA que não está enquadrada no conceito de empregado por faltar-lhe o requisito da subordinação jurídica.
Esse estado da arte, no tocante ao mundo do trabalho, na América Latina, propicia impactos negativos quanto à efetividade das lutas coletivas, porque, nesse contexto, as organizações sindicais se mostram fragilizadas em função de diversas crises.
Afirma Oton de Albuquerque Vasconcelos Filho (2008, p. 32) que a partir da década de 80, do século XX, o mundo do trabalho vai ganhando novos contornos em virtude da implantação de uma nova filosofia para o Estado, além do desenvolvimento da tecnologia da informação e da comunicação e do processo de globalização.
Esse cenário traz um forte impacto no sistema sindical produzindo diversas crises como a da desfiliação, a decorrente da supremacia do setor serviços, a oriunda do descompasso entre o obreirismo industrial e as novas alternativas comunicacionais discursivas, além da decorrente da não inclusão no sindicalismo os novos movimentos sociais.
A realidade constante no Estado de Bem-estar Social e do pleno emprego, que tinha como característica o desemprego conjuntural, propiciava a filiação dos trabalhadores vinculados por um elo de subordinação jurídica e o fortalecimento sindical. A crise da desfiliação decorre do desemprego estrutural oriundo da sociedade pós-industrial. (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 49) Na experiência brasileira, segundo os dados do IBGE (2017), já existem mais de catorze milhões de desempregados. Essa realidade de desempregados também é verificada nos demais países da América Latina (EL PAÍS, 2016).
A crise decorrente da supremacia do setor serviços desestrutura violentamente o sistema sindical pela pulverização dos trabalhadores da grande indústria. A consequência de tal mutação é que “[...] os grandes comandos sindicais já não tinham como aglutinar trabalhadores, empregados em pequenos negócios e microempresas”. (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 50)
Já a crise oriunda do descompasso entre o obreirismo industrial e as novas alternativas comunicacionais discursivas também desaglutina as estruturas sindicais. (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 52-53) É que o modelo sindical não se encontra conectado com as novas tecnologias, que podem ser utilizadas, inclusive, como ferramenta para juntar os trabalhadores, como gênero, e assim ampliar o discurso previsto no Manifesto do Partido Comunista[35], de 1848. Os avanços nesse sentido são insuficientes porque a legislação que regulamenta o sistema sindical encontra-se direcionada para obreiros, predominantemente.
A não inclusão no sindicalismo dos novos movimentos sociais enfraquece o sindicalismo porque impede o surgimento de novas lideranças, tais como, os caminhoneiros, os ambulantes, os Sem-Terra, os Sem-Teto, entre outros; para somar com a representação sindical dos trabalhadores formais. (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 53)
Antunes (2015) ao tratar da pulverização do sindicalismo pela terceirização declara que:
[...] muitos terceirizados estão há anos sem usufruir um dia de férias, pois a contingência e a incerteza avassalam o seu cotidiano. E só uma minoria consegue ir à justiça do trabalho, pois o terceirizado (e a terceirizada) não tem nem tempo, nem recursos e frequentemente carece do apoio de sindicatos para fazê-lo.
Esse estado da arte - desemprego estrutural e crises no sindicalismo - impacta a atuação do sistema sindical fazendo com queessa entidade atue de forma deficitária no processo de lutas coletivas, no século XXI.
O direitode greve é um direito humano fundamental, preconizado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sendo assim, não se pode entender como razoável o Direito do Trabalho excluir de seu arcabouço teórico-normativo a proteção ao cidadão, em seu mais amplo sentido, sobretudo, em um contexto de que a maioria da população economicamente ativa não mais se encontra vinculada por relações jurídicas empregatícias.
Por outro lado, os conflitos contemporâneos envolvem outras identidades, tais como, as decorrentes de etnia, religião, etc., o que fortalece o reconhecimento da luta política, primariamente; e a luta reivindicativa de forma secundária.
4 A GREVE POLÍTICA COMOCATEGORIA DE DIREITO HUMANO E A TEORIA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Juliana Esteves Teixeira e Fernanda Barreto Lira(2015, p. 529), em capítulo de livro nominado “Os fundamentos tradicionais do direito do trabalho: novas pautas hermenêuticas e teórico-filosóficas para sua reconfiguração, no contexto do constitucionalismo contemporâneo”, publicado no XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI – UFS (2015), fazem a seguinte indagação:
Na medida em que as evidências empíricas e analíticas apontam para e existência, ao lado do trabalho livre/subordinado, de trabalhadores clandestinos, subproletários, terceirizados que, segundo Ricardo Antunes, convivem ainda com o desemprego estrutural, como justificar esta modalidade de trabalho, como objeto deste campo do direito, quando a maioria da população economicamente ativa encontra-se fora de sua proteção?
Essa constatação empírica e analítica evidencia que o Direito do Trabalho terá que se reinventar para poder tutelar essa gama de trabalhadores que se encontram à margem.Essa reflexão se faz necessária, sobretudo, quando analisado o viés coletivo do Direto do Trabalho. Isso porque, como já mencionado em item anterior, o sindicalismo vivencia diversas crises e esse fato impacta diretamente no exercício do direito de greve.A partir desse cenário, a reinvenção das lutas coletivas passaria pelo resgate de seu viés político, assim como, pela inclusão dos novos movimentos sociais no sindicalismo.
Oton de Albuquerque Vasconcelos Filho (2013, p. 152) ao analisar os estudos de Maria da Glória Gohn, traz um destaque que a partir do ano de 1985 e, no Brasil,
[…] surgem novos atores, novas problemáticas e novos cenáriossóciopolíticos, que geraram ações coletivas interpretadas como força da periferia, cujos teóricos forneceram os fundamentos para os pesquisadores dos movimentos populares, com o desenvolvimento de temas da marginalidade, da crítica a razão dualista, e das novas configurações da periferia urbana.
Esse cenário não foi exclusivo do Brasil porque nesse momento o discurso proposto por Margareth Thatcher e Ronald Reagan fez emergir teorias neoliberais que impactaram a Europa e as Américas.
Maria da Glória Gohn (2008), faz uma abordagem sobre as novas teorias dos movimentos sociais com elucidativa clareza.Em sua perspectiva, esses movimentos devem ser considerados em três vértices:a histórico-estrutural, a culturalista-identitária e a institucional/organizacional-contemporânea.
A primeira delas tem seus fundamentos nas proposições de Marx, Gramsci, Lefevre, Rosa de Luxemburgo, Trotsky, Lenin, Mao Tse-Tung, etc. Em uma visão marxista o movimento social é o do proletariado, cuja luta tem por sujeitos os operários e a luta de classes. (GOHN, 2008, p. 25-26). Historicamente, esse eixo teórico-político teve grande relevo, mundialmente, até os anos 1970.A partir desse marco temporal, o conceito de classe e proletariado foi reinterpretado por Hardt e Negri, para inserir novos atores, cujos conflitos tinham seus vínculos com etnia, raça, gênero e classes, entre outros. (VASCONCELOS FILHO; ARAÚJO, 2017, texto avulso)
No movimento culturalista-identitário a leitura dos movimentos sociais se dá a partir do reconhecimento de novos sujeitos e temáticas, a exemplo, dos conflitos envolvendo mulheres, jovens, negros, índios, etc. SegundoGohn (2008, p. 29), esse momento realçava “[...] um modo diferente para designar os conflitos do cotidiano e desafiavam os códigos culturais a partir de bases simbólicas construindo identidades próprias”.
O culturalismo revelaà identidade dos movimentos sociais retirando de seu foco as lutas coletivas oriundas do movimento operário. Assim, o movimento culturalista-identitário concedeu novo sentidoà antiga concepção dos movimentos sociais de forma a ampliá-los.
Já o eixo institucional/organizacional-comportamentalista, na análise de Gohn (2008, p. 34) teve por objeto o estudo dos movimentos sociais concretos e que “[…] as mobilizações coletivas foram analisadas pela ótica econômica ou sócio psicológica a partir de análises estrutural-funcionalistas”.As teorias institucionais objetivavam, portanto, a institucionalização dos movimentos sociais.
Os efeitos do discurso neoliberalista, da globalização e do desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação impactaram o mundo do trabalho, de forma que os pobres e os excluídos, cidadãos à margem da sociedade, ganharam evidência no processo de lutas coletivas e, dessa maneira, a temática ‘inclusão social’ ganha contorno de essencialidade.
Declara Maria da Glória Gohn (2008, p. 36) que “A exclusão social, ligada ao desemprego e à reestruturação do mercado de trabalho, caracterizada como anomia social por Durkheim, passam a ser analisadas a partir dos efeitos destes sistemas de desagregação social sobre as estruturas organizativas da população”.
A classe social, raça, etnia, grupos religiosos, recursos e infra-estrutura passam a ser indicadores para a análise de um território e seus conflitos. A temática relativa à inclusão social passa a ser objeto de estudo e pesquisa. O impacto desse reconhecimento é a inserção de outras categorias, a saber: capital social, empoderamento da comunidade, auto-estima, responsabilidade social, sustentabilidade, vínculos e laços sociais, etc.
Contemporaneamente, as análises dos movimentos sociais têm como eixos, os novos requerimentos da modernidade e a redefinição do sujeito racional de forma a incorporar as identidades culturais (GOHN, 2008, p. 45). Sendo assim, os debates tendem pela necessidade de se redesenhar os limites entre o político e o social (GOHN, 2008, p. 46), reestruturando a relação Estado/sociedade e, prestigiando temáticas como pluralidade, desigualdade, sociedade civil, esfera pública, racionalidade da ação, poder comunicativo, etc.
Apesar da proposição teórica acima mencionada, além desses recentes fatos sociais que primaram pela pluralidade nas lutas coletivas, parece que a dogmática jurídica e as normas internacionais enxergam a greve na perspectiva do proletariado e, modernamente, essa visão não poderá mais subsistir. Diante dessa negativa, a não inclusão dos novos movimentos sociais no sindicalismo é fator preocupante na luta política para o exercício da cidadania, na sociedade pós-industrial.
CONCLUSÃO
Restou comprovado, através do presente estudo, que os documentos internacionais e a legislação dos países que compõem a América Latina ainda tem uma visão do sindicalismo e das lutas coletivas vinculadas às lutas entre empregados e empregadores, através de suas organizações sindicais e, com eixo puramente reivindicativo.
Esse marco teórico-dogmático encontra-se ultrapassado pela inserção do discurso neoliberal, que tem como baliza o estabelecimento do mínimo prestacional; assim como pelo desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação, que retira do mercado de trabalho milhares de trabalhadores; e também pelas crises vivenciadas pelo sindicalismo que impactam diretamente na efetividade das lutas coletivas, quer em relação à amplitude dos sujeitos e a própria natureza dessas lutas.
Sendo assim, faz-se necessário a reconfiguração do sistema sindical para fazer surgir um novo sindicalismo social para, a partir da teoria dos novos movimentos sociais, coligar a ação sindical de raiz obreirista aos novos movimentos sociais, a fim de atender as necessidades de seus novos sujeitos.
Por outro lado, se faz necessário resgatar o viés político da greve para, respeitando sua memória histórica, a cidadania ser efetivamente materializada a todos. No âmbito da América Latina, essa intenção já é realidade, pois, essa região promoveu diversos movimentos para além daqueles em que o proletariado detinha a centralidade como ator.
Apesar de tal cenário, a dogmática jurídica dos países da América Latina e as normas internacionais ainda enxergam a greve, na perspectiva do proletariado, o que, modernamente, não poderá mais se sustentar. Diante dessa negativa, a inclusão dos novos movimentos sociais no sindicalismo é condição sinequa non para estruturação de um novo sindicalismo social e para o estabelecimento da greve política, com consequente exercício da cidadania.
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A POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL DE TRATAMENTO DE CONFLITOS COMO FONTE DE EMPODERAMENTO SOCIAL E DEMOCRÁTICO
THE NATIONAL PUBLIC POLICY FOR THE TREATMENT OF CONFLICTS AS A FOUNTAIN OF SOCIAL AND DEMOCRATIC STRENGTHENING
Victor Priebe*
Daniel Dottes de Freitas**
RESUMO: O objetivo que se quer alcançar, num primeiro momento, é analisar a política pública de tratamento adequado dos conflitos, tomando como exemplo aquela instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contextualizada em relação ao conceito de políticas públicas, bem como, pontuar os acréscimos que tal política pública traz ao empoderamento social. Sobre o tratamento de conflitos, será feita uma abordagem buscando a existência direta de vínculos com o fortalecimento do capital social. Também, será investigado se os tratamentos adequados dos conflitos se colocam como instrumentos capazes de ressaltar o sentido da democracia. Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo, analisando-se categorias de base, partindo-se de uma ideia geral para o particular.
Palavras-chave: Política. Pública. Tratamento. Empoderamento. Social. Democrático.
ABSTRACT: The first objective is to analyze the public policy of adequate treatment of conflicts, taking as an example the one established by the National Justice Council (CNJ), contextualized in relation to the concept of public policies, as well as to verify what these policies add to the social strengthening. Regarding the treatment of conflicts, an approach will be made seeking the direct existence of links with the strengthening of social capital. Also, it will be investigated if the appropriate treatments of the conflicts are put like instruments capable of emphasizing the sense of the democracy. To do so, the deductive method will be used, analyzing basic categories, starting from a general idea for the particular.
Keywords: Policy. Public. Treatment. Strengthening. Social. Democratic.
Recebido: 27.04.2017
Aprovado: 25.06.2017
1 INTRODUÇÃO
As políticas públicas nacionais de tratamento de conflitos transitam nos três Poderes da União. Não obstante isso, aqui será feito um recorte propondo analisar aquela implementada pelo CNJ nos conflitos sociais, como possível fonte de empoderamento social e democrático, sem prejuízo do exame de outros elementos que dela decorrem, em especial sua integração ao processo de desenvolvimento da sociedade brasileira.
O cenário social contemporâneo expõe as dificuldades dos mecanismos existentes em colaborar com o crescimento da sensação de empoderamento social, bem como, do capital social da sociedade em que vivemos, com isso trazendo dificuldades aos indivíduos para, autonomamente, resolverem seus conflitos. Neste passo, é necessário salientar que é através de uma atuação ativa da sociedade que as prestações de serviços públicos podem se tornar mais eficientes, enquanto instrumentos capazes de atender tal demanda.
Posto isso, o objetivo que se quer alcançar, num primeiro momento, é o de analisar pontualmente a política pública de tratamento adequado dos conflitos, bem como, a de atenção prioritária ao primeiro grau de jurisdição, ambas instituídas pelo CNJ, contextualizando-as frente ao conceito de políticas públicas, e, por fim, pontuando seus possíveis acréscimos à concepção de empoderamento social. Especialmente sobre o tratamento de conflitos, será feita uma abordagem buscando referências sobre a existência direta de vínculos com o fortalecimento da cidadania.
Em sequência, será verificado se a política pública nacional de tratamento dos conflitos possui vínculos diretos com o fortalecimento do capital social. Por derradeiro, será investigado se os tratamentos adequados dos conflitos se colocam como instrumento capaz de ressaltar o sentido da democracia nos indivíduos.
Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo, analisando-se categorias de base, partindo-se de uma ideia geral para o particular. Vislumbra-se uma análise de ações estratégicas que podem ser apresentadas como possíveis mecanismos que visam contribuir para a o desenvolvimento social, permitindo que o cidadão possa resolver seus próprios problemas e conflitos de uma maneira que também o coloque em posição de decidir frente a questões político-democráticas.
2 A POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL DE TRATAMENTO DE CONFLITOS E O EMPODERAMENTO SOCIAL
Antes de adentrar em uma verificação pontual da política pública de tratamento adequado aos conflitos, conforme instituída pelo CNJ, é necessário analisar tal política frente ao conceito atual que trata o que pode ser considerado como política pública. É o que se passa a fazer de uma maneira geral.
Inicialmente, cabe destacar o posicionamento conceitual de João Pedro Schmidt de que a apreciação das políticas públicas, não deve proceder de uma
[...] forma fragmentada nem isolada da análise mais geral sobre os rumos do Estado e da sociedade. As políticas não são uma espécie de setor ou departamento com vida própria. Elas são o resultado da política, compreensíveis à luz das instituições e dos processos políticos, os quais estão intimamente ligados às questões mais gerais da sociedade (2008, p. 2309).
Dessa forma, percebe-se que as ações do CNJ, especificamente, o fomento em nível nacional aos tratamentos adequados aos conflitos, constituem-se como “mecanismos aptos a viabilizar o maior e melhor acesso à justiça, veiculando estratégias para que o tratamento de conflitos repercuta uma ampliação da cidadania” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 33), a qual se tem como fundamento do Estado democrático de direito instituído pela Constituição Federal (CF), em seu art. 1º, inciso II.
Sobre esta acepção, a ação do CNJ acima descrita possui plena harmonia com o conceito de políticas públicas que as define como “decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, [...] potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população” (SCHMIDT, 2008, p. 2312). Neste passo, cabe demonstrar as dimensões em que o conceito de política pública se divide, sendo estas denominadas de polity, politics e policy (SCHMIDT, 2008, p. 2310-2311).
Dentro de suas especificidades, a dimensão polity de políticas públicas se preocupa precipuamente com o ajustamento entre os sistemas político, jurídico e político-administrativo, permeando nesta seara suas atuações práticas. De outro lado, a dimensão politics direciona sua atenção sobre o processo político que verse sobre imposição de objetivos, mais especificamente regulamentando a atividade de seus atores. Por fim, a dimensão policy refere-se aos conteúdos concretos produzidos por programas políticos que tenham por finalidade apresentar respostas a problemas sociais (CHRISPINO, 2016, p. 58).
Frente a estas dimensões, percebe-se que tais programas de ações implementados pelo CNJ condizem com a dimensão de políticas públicas expressadas pela policy, uma vez que compreendem conteúdos concretos de política judiciária que se põe como ferramenta de combate a problemas sociais.
Por fim na conceituação de políticas públicas, constata-se que as ações estratégicas do CNJ podem ser consideradas como políticas públicas, pois, além do já exposto, tais ações também correspondem, no geral, as fases evolutivas que acabam por constituir a dimensão policy, sendo elas, a percepção e definição de problemas, a inserção na agenda política, a formulação, a implementação e a avaliação (SCHMIDT, 2008, 2312-2315).
Nestes termos, pode se dizer que a percepção do problema se dá no momento em que o CNJ reconhece que os problemas jurídicos e os conflitos de interesse, contemporaneamente, crescem em larga escala, necessitando, portanto, que se desenvolvam mecanismos de tratamentos de conflitos, proporcionando à população outras formas de solucionarem seus litígios, que não apenas pela via dos processos judiciais (2010, p. 1). Entretanto, a constituição de uma agenda política se deu com a aprovação do CNJ, na sessão de 08 de agosto de 2006, para a instalação do Movimento pela Conciliação, o qual iniciou os debates sobre tratamentos de conflitos dentro do judiciário nacional (2006). Consequentemente, a formulação de tal política ocorreu através do incentivo à autocomposição dos conflitos e disseminação da cultura de pacificação social, devidamente positivadas pelo art. 2º da Resolução nº 125 de 2010 do CNJ, a qual também definiu em seu art. 3º que a competência avaliativa será repartida entre os tribunais regionais e o órgão que a editou (CNJ, 2010, p. 06).
Restando clara a adequação da política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses ao conceito e as fases que determinam o que se considera política pública, parte-se então para a análise de quais as contribuições que os tratamentos adequados dos conflitos trouxeram em prol de um desenvolvimento com maior ênfase no social.
Por conseguinte, uma das intenções primordiais da política pública de tratamento de conflitos é a que pretende “construir outra mentalidade junto aos juristas brasileiros cujo escopo principal seja a pacificação social, abandonando a cultura do litígio” (SPENGLER, 2016, p. 71).
Tal pensamento também é percebido quando se observa o entendimento do CNJ (2015, p. 484) de que “o aumento contínuo de casos novos é um desafio que deve buscar soluções alternativas, tais como empreendimentos de conciliação e mediação”. Neste mesmo diapasão Spengler (2014, p. 73) argumenta que a implementação da política pública de que se trata esbarra em algumas dificuldades como a estrutura financeira e de pessoal do Judiciário, além da resistência social da sua aplicação.
Frente às complexidades estruturais em efetivar as técnicas alternativas de solucionar conflitos, cabe destacar a existência de uma sincronia entre as políticas públicas instituídas pelo CNJ em prol de uma jurisdição quantitativa e qualitativamente mais adequada em relação à transposição de suas dificuldades, pois, como se sabe, a política de atenção prioritária ao primeiro grau de jurisdição, instituída pelo CNJ, vem no sentido de readequar a força de trabalho e a questão orçamentária (CNJ, 2014a), o que certamente trará reflexos benéficos aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania criados pelo art. 8ª da Resolução 125 (CNJ, 2010).
Neste ínterim, a percepção e consequente definição do problema deram-se em decorrência da taxa de congestionamento processual na primeira instância de julgamentos, onde foi atingido o percentual de 73%. A partir disto, foi constituída uma agenda política em setembro de 2013, momento em que o CNJ institui um grupo de trabalho encarregado de propor ações e projetos que fortaleçam a primeira instância do Judiciário brasileiro (CNJ, 2013a).
De uma maneira geral, as linhas de atuação direcionam suas orientações no sentido de estabelecer uma gestão mais eficiente dos processos que tramitam no primeiro grau, pela via de uma inteligência colaborativa (CNJ, 2013b). No entanto, merece melhor destaque a atuação que estabelece que o Poder Judiciário faça uma adequação orçamentária, visto que, é através dela que outras ações podem ser implementadas.
Sobre a adequação orçamentária, a Resolução 195 de 2014 expõe
[...] a importância de se garantir que os recursos organizacionais sejam utilizados equitativamente em todos os segmentos da instituição e com mobilidade suficiente para atender às necessidades temporárias ou excepcionais dos serviços judiciários, como pressuposto do princípio constitucional da eficiência da administração (CNJ, 2014c).
Para isto, foi determinado que a distribuição equânime da verba orçamentária deve atender as diretrizes extraídas de uma média de processos novos distribuídos no primeiro e segundo grau de jurisdição, bem como, também deve levar em consideração a média dos processos pendentes, especialmente quando esta diferença entre o primeiro e o segundo grau for superior a 10%. Desta forma, se tais médias apontarem uma inclinação maior para determinado grau de jurisdição, será proporcionalmente inclinado o direcionamento dos recursos não vinculados[36] naquele sentido (CNJ, 2014c).
Em sendo assim, percebe-se que as linhas de atuação propostas na política pública de atenção prioritária ao primeiro grau de jurisdição em nenhum momento afetam, no sentido negativo, direitos ou garantias, muito antes pelo contrário, acaba por garantir o pleno exercício da cidadania quando exalta os princípios basilares do Direito como o acesso à justiça, devido processo legal e razoável duração dos processos, no momento em que desenvolve “em caráter permanente iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento da qualidade, da eficiência, da celeridade e da efetividade dos serviços judiciários da primeira instância dos tribunais brasileiros” (CNJ, 2013b, p. 16).
Desta forma, verifica-se o pleno funcionamento do efeito sinérgico entre os vários setores dessas políticas públicas estruturando uma “articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e a avaliação de políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em situações complexas” (INOJOSA, 2001, p. 105).
Entretanto, no tocante a política pública de tratamento adequado dos conflitos, a dificuldade em transpor a barreira da aceitação social é mais difícil de ser superada, pois são “os próprios jurisdicionados que confiam e legitimam apenas o Poder Judiciário como poder soberano, o dono da verdade suprema, que deve decidir e resolver os seus problemas” (SPENGLER, 2014, p. 134).
Não obstante, a resolução nº 125 do CNJ (2010) ao conceber, em seu anexo terceiro, o código de ética dos conciliadores e mediadores estabeleceu em seu art. 1º o empoderamento como um dos princípios fundamentais da atuação dos conciliadores e mediadores, conceituando-o no inciso VII como o “dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição”.
Partindo-se dessa premissa, se define o empoderamento como uma proposta de
[...] caráter pedagógico que pretende fomentar no cidadão a capacidade/habilidade de se tornar agente de tratamento dos seus conflitos atuais e futuros, a partir da experiência que viveu no âmbito da mediação/conciliação. [...] A ideia é remover os obstáculos estruturais para a participação local e para o exercício do autogoverno. É também proclamada como uma técnica capaz de administrar a adversidade (SPENGLER, 2014, p. 91).
Sob tal contexto, “a mediação comunitária aparece como meio de tratamento de conflitos e como possível resposta à incapacidade estatal de oferecer uma jurisdição quantitativa e qualitativamente adequada” (SPENGLER, 2012, p. 198-199). A vista disso, a Resolução 125 do CNJ (2010) autorizou expressamente em seu art. 7º, §2º, que os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos estimulem programas de mediação comunitária.
Nesse sentido, salienta-se que nas comunidades em que o empoderamento e a emancipação dos indivíduos é incentivada e evidenciada, esses se tornam mais responsáveis pelo protagonismo nas atividades de cidadania (KONRAD, 2013, p. 216), representada pelo amplo acesso ao Judiciário de forma diversa do tradicional processo judicial. Por conseguinte, “o ambiente no qual ocorreu o conflito pode influenciar sua resolução” (SPENGLER, 2012, p. 199).
Por tais motivos, colocam-se os instrumentos que fomentam pacificação dos conflitos como uma ferramenta apta para sobrelevar as questões individuais e sociais do conflito, pois o sujeito somente acolhe uma decisão tomada em nome do grupo social, se ele entender que é integrante de tal grupo, ou ainda, que se identifica com alguns valores defendidos pelo grupo, surgindo com isto o sentimento de justiça neste indivíduo (SPENGLER; BITENCOURT, 2012, p. 61).
Neste cenário, o reconhecimento às peculiaridades do outro faz com que as chances de aceitação do outro aumentem. No entanto, isso “implica lidar com o novo. As instituições resistem em olhar para o sujeito, o sujeito humano, conflitual, que nem sempre se vê socialmente integrado, pois não se vê como sujeito” (SPENGLER; BITENCOURT, 2012, p. 76).
Assim, as formas de tratamento dos conflitos que inicialmente foram concebidas na intenção de serem mais uma ferramenta de auxílio para o judiciário no combate a crescente litigiosidade, demonstram-se como ferramentas eficazes em outros setores da sociedade, pois, apostam “numa matriz autônoma, cidadã e democrática” (SPENGLER, 2008, p. 74-75). Em consequência direta a isso, observa-se um aumento nos níveis qualitativos de acesso à jurisdição, bem como, uma contribuição com a celeridade no trato dos conflitos sem a necessidade de uma atividade jurisdicional, que se encontra atualmente com elevados índices de congestionamento[37].
Ao fim, retornando a temática nevrálgica deste ponto, ao
[...] debater um meio compartilhado de administrar e resolver conflitos a mediação comunitária surge como hipótese plausível, forte e bem articulada. Tal se dá porque ela é destinada a criar e fortalecer laços entre os indivíduos, resolvendo e/ou prevenindo conflitos. Essa tarefa tem como fomentador o mediador comunitário, que é uma pessoa independente cujo objetivo é levar à comunidade o sentimento de inclusão social por meio da possibilidade de solução de seus conflitos por ela mesma. A consequência é a criação de vínculos e o fortalecimento do sentimento de cidadania e de integração/participação da vida social (SPENGLER, 2012, p. 227).
Frente ao que foi aqui debatido, observa-se na política pública nacional de tratamento adequado dos conflitos o condão de possibilitar uma “negociação permeada pelo empoderamento e pela responsabilização das mesmas no momento de encontrar opções e fazer escolhas quando ao conflito, desembocando numa decisão autônoma e mutuamente construída” SPENGLER; BITENCOURT; 2012, p. 138).
Nessa ordem, há que se considerar as políticas públicas do CNJ como inegáveis instrumentos que atribuem qualidade na prestação jurisdicional, pois, possibilitam aos seus integrantes uma “real e efetiva participação nos assuntos que lhes dizem respeito. Independentemente da natureza das controvérsias [...] o importante é que seu resultado final se concretize no crescimento do sentimento de responsabilidade civil, de cidadania e de controle sobre os problemas vivenciados” (WÜST, 2014, 72).
Por fim, os tratamentos adequados aos conflitos proporcionam um crescimento geral de liberdades políticas e civis, sendo isso um dos fatores mais decisivos para o processo de desenvolvimento, o qual coloca a liberdade de agir como cidadão, expressando suas próprias opiniões e decidindo o que é melhor para si mesmo, como alternativa a uma de vassalo bem alimentado, bem vestido e bem entretido, mas sem opinião (SEN, 2000, p. 326).
3 TRATAMENTO DE CONFLITOS E O CAPITAL SOCIAL
Sob esta ótica de tratamentos adequados aos conflitos que o CNJ vem adotando em nível nacional, passa-se a abordar tal temática em busca de possíveis contribuições ao capital social, mais especificamente sobre a concepção de inclusão social.
De inicio, cabe salientar a afirmação de Schmidt de que “a chave do desenvolvimento, [...], é investimento em infra-estrutura e em capital humano” (2006, p. 1756), portanto, os investimentos que efetivam as técnicas de tratamentos de conflitos e por consequência ampliam o sentido de empoderamento social, de modo a refletir positivamente no desenvolvimento inclusivo do capital social.
No entanto, faz-se aqui a referência sobre a conceituação adotada pelo presente texto ao termo capital social, sendo este entendido como um “conjunto de redes, relações e normas que facilitam ações coordenadas na resolução de problemas coletivos e que proporcionam recursos que habilitam os participantes a acessarem bens, serviços e outras formas de capital” (SCHMIDT, 2006, p. 1760). Neste mesmo sentido, o capital social que aqui se trabalha é entendido como de tipo positivo, o qual se preocupa com “laços sociais que oportunizam ações de cooperação em prol de interesses gerais da sociedade” (SCHMIDT, 2006, p. 1761).
Expostas tais considerações iniciais sobre os conceitos e terminologias adotados, segue-se em busca da proposta de se estabelecer inclusão social pela via do capital social. Desta forma, a partir do
[...] estabelecimento de estratégias de inclusão social a partir do capital social o empoderamento das populações marginalizadas é elemento central. É largamente aceito que a condição de pobreza e exclusão tem na baixa auto-estima e no reduzido senso de eficácia política elementos centrais. Em razão das múltiplas barreiras sociais que lhes são impostas os pobres têm extrema dificuldade de ver-se como atores capazes de exercer alguma influência real no seu ambiente social e na esfera política (SCHMIDT, 2006, p. 1773).
Com a intenção de fortalecer o sentido deste empoderamento, “a mediação comunitária pretende desenvolver entre a população valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura político-democrática e uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar a relação entre os valores e as práticas democráticas e a convivência pacífica” (SPENGLER, 2012, p. 228).
Para atingir a finalidade a que se propõe, a mediação estabelece duas prioridades, sendo que a primeira
[...] oferece um espaço de reflexão e busca de alternativas na resolução de conflitos nas mais diversas esferas: família, escola, no local de trabalho e de lazer, entre outros. Em segundo lugar o indivíduo possui um ganho que, não obstante parecer secundário, assume proporções políticas importantes quando ao resolver autonomamente seus conflitos passa a participar mais ativamente da vida política da comunidade. Assim ela estimula e auxilia os indivíduos a pensarem como conjunto (nós) e não mais como pessoas separadas (eu-tu) (SPENGLER, 2012, p. 227-228).
Tais prioridades necessárias para se atingir a finalidade da atividade mediativa, vão no mesmo sentido dos fatores que estabelecem inclusão social através do fortalecimento do capital social, sendo que a título exemplificativo faz-se a comparação da primeira prioridade da mediação com o fator que tem por intenção “capacitar as lideranças com base nos valores da confiança, reciprocidade e cooperação, desenvolvendo sua aptidão para cumprir o papel de catalisador das energias e iniciativas da comunidade” (SCHMIDT, 2006, p. 1777).
Seguindo na comparação, destaca-se que a segunda prioridade mediativa também encontra ressonância nos fatores que contribuem para o fortalecimento do capital social através da inclusão, sendo este, mais especificamente, a “participação popular nos processos decisórios. É imperioso que os governos, nos diferentes níveis, estabeleçam mecanismos de consulta aos cidadãos, criem mecanismos de participação popular nas decisões” (SCHMIDT, 2006, p. 1778).
Tal comparação demonstra que as técnicas de tratamento de conflitos que depositam no empoderamento social um de seus princípios basilares, estão disponíveis ao capital social como uma ferramenta significativa, pois, como expõe Schmidt “os melhores resultados de inclusão social são aqueles em que são fortalecidos os laços de confiança, reciprocidade e cooperação. Sem o fortalecimento destes laços, a aplicação dos recursos financeiros e os investimentos em educação geram poucos resultados ou abaixo do que poderiam” (SCHMIDT, 2006, p. 1780).
Por derradeiro,
[...] a mediação comunitária enquanto política pública é uma alternativa que pretende mais do que simplesmente desafogar o Judiciário diminuindo o número de demandas que a ele são direcionadas. O que se espera dela é uma forma de tratamento dos conflitos mais adequada em termos qualitativos, uma vez que será realizada por mediadores comunitários, ou seja, sujeitos que conhecem a realidade social e o contexto espacial/temporal onde o conflito nasceu. (...) É justamente por essa razão que se pode afirmar que a mediação comunitária possui um primeiro papel de suma importância que é justamente “devolver confiança às cidades e aos subúrbios, estudando-se a fundo sua realidade e potencialidades” (SPENGLER, 2012, p. 232-233).
Em sendo assim, passa-se a examinar se as técnicas de tratamentos de conflitos também podem servir como instrumentos que elevam o sentido da democracia, tal como ocorreu no empoderamento social.
4 MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO FOMENTADOR DE DEMOCRACIA
De início nesta temática, cabe ressaltar que o termo democracia não possui um único significado, pois, consiste em “uma palavra cuja significação está em constante mutação, constituindo-se como um camaleão que se modifica e se altera de acordo com a sociedade na qual está inserida e com a época histórica em que se encontra” (WÜST, 2014, p. 73).
Em o que chamou de definição mínima de democracia, Norberto Bobbio (1997, p. 12) defendeu que regime democrático entende-se primariamente como “um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”.
Dentre as várias concepções de democracia dar-se-á destaque a democracia participativa por esta entender “o forjamento da solidariedade como uma virtude principal da democracia” (CUNNINGHAM, 2009, p. 148). No entanto, este mesmo autor destaca que “somente na democracia forte os indivíduos são transformados de tal forma que busquem o bem comum[38] ao mesmo tempo em que preservam a sua autonomia, porque sua visão de sua própria liberdade e interesses foi dilatada para incluir outros” (CUNNINGHAM, 2009, p.159).
Neste passo, ao conceito de democracia sempre serão atribuídos uma vasta gama de significados. Contudo, os critérios objetivos sedimentados pela doutrina definem que a democracia deve ser enfrentada como uma construção contínua permanente em processo de aprimoramento. Visto por esse ângulo, apresentam-se como princípios basilares da democracia os direitos fundamentais do homem, bem como, a tolerância conflitual que surge de uma sociedade a qual pretende respeitar ideias opostas com o intuito de alcançar soluções pacíficas para os embates de seus indivíduos. (AIETA, 2006, p. 193)
Desta forma, sintetiza Wüst (2014, p. 74) que a “democracia implica a possibilidade de escolha, de poder decidir o futuro, sem que para isso seja imposta uma decisão. Ela, então, reconhece o ser humano como um indivíduo livre capaz de fazer suas escolhas e responsabilizar-se por isso”.
Igualmente, pode se dizer que a contribuição da tradição participacionista estará completa quando houver um envolvimento dos cidadãos em atividades conjuntas, nutrindo com isto, exatamente aqueles valores que conduzem à acumulação de capital social, bem como, à efetividade do empreendimento dos projetos humanos. (CUNNINGHAM, 2009, p. 162-163) Entretanto, não se pode desconsiderar que “a participação não pode extrair o melhor de cada um se não houver nada de valor a ser extraído” (CUNNINGHAM, 2009, p. 162).
Neste ponto, coloca-se a mediação como um instrumento hábil de empoderar os cidadãos, elevando com isto os níveis de capital social, pois,
[...] propõe a mediação: um espaço para acolher a desordem social, um espaço no qual a violência e o conflito possam transformar-se, um espaço no qual ocorra a reintegração da desordem, o que significaria uma verdadeira revolução social que possa refutar o espírito, os usos e os costumes pouco democráticos e pouco autônomos impostos aos conflitantes (SPENGLER, 2010, p. 336).
Colocando-se, também, como um instrumento comunicativo, a mediação proporciona que os conflitantes participem da construção da decisão, comprometendo-se e responsabilizando-se pelo seu cumprimento, o que acaba por instigar uma participação mais ampla posteriormente ao conflito resolvido, concretizando com isto, uma mudança de mentalidade e de cultura. (WÜST, 2014, p. 78)
Desta forma, coloca-se a mediação como um instrumento democrático, pois, trabalha com a figura do mediador que, ao invés de se sobrepor às partes, se coloca entre elas, aumentando com isto a sensação de espaço comum e participativo, que visa a construção do consenso num pertencer comum. (SPENGLER, 2010, p. 320)
Neste passo, somadas as perspectivas aqui apresentadas pelas técnicas mediativas com a questão do empoderamento social, vista anteriormente, tem-se nítido que a mediação apresenta-se como um “exercício da cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões, sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados em um conflito” (SPENGLER, 2014, p. 49).
Visto assim, os objetivos da mediação se direcionam a um restabelecimento da comunicação, mas também, à prevenção e ao tratamento dos conflitos, podendo também ser encarados como alternativas de sociação, de transformação e evolução sociais, o que consequentemente desencadearia em inclusão e promoção da paz social. (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 168)
Como se pode ver, a mediação oportuniza a retomada do conceito de sinergia no processo de tratamento de conflitos. Isto ocorre porque o estabelecimento de políticas públicas de tratamento de conflitos, tal como já implementado pelo CNJ, desencadeia uma série de decisões e ações mútuas e integradas que permitem aos atores envolvidos o vergastado empoderamento.
Noutras palavras, corresponderia a dizer que tais políticas se arvoram como uma ação estatal que entrega à sociedade a possibilidade educar-se, compreender-se e, bem assim, tratar e solucionar seus conflitos, donde se retira a inevitável conclusão de que todo este processo promove o autogerenciamento das relações humanas no adequado e próprio ambiente social.
CONCLUSÃO
Percebe-se que as atividades do CNJ em buscar e discutir as técnicas que visam o tratamento dos conflitos como uma forma de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional surtiu efeitos positivos. A partir da agendada política institucional se reconheceu que a crescente escala dos conflitos de interesse necessitava de formas alternativas aos processos tradicionais para que pudesse auxiliar na solução do aumento de demandas.
Considerando essa necessidade, entendeu o CNJ que uma das maneiras mais adequadas de proporcionar soluções a crescente gama de conflitos foi adotando a mediação como política pública. Com a finalidade de fomentar essa técnica de maneira a implementá-la antes ou no desenrolar do conflito.
Demonstrou a mediação como uma ferramenta que não somente visa a celeridade da jurisdição, mas que atua como meio diferenciado de resolução de conflitos, trazendo como um de seus princípios basilares, o empoderamento e, devolvendo, dessa forma, o poder de decisão dos conflitos aos cidadãos, ampliando o sentimento democrático participativo também na construção da decisão sobre seus conflitos.
Um exemplo é a elevação de responsabilidade social, bem como, o protagonismo em atividades de cidadania, nas quais o empoderamento social proporciona às pessoas a quem a mediação retorna a habilidade de resolver os próprios conflitos, que, anteriormente era subtraído em sua totalidade pelo juiz - protagonista das atividades jurisdicionais.
Os benefícios que esse empoderamento proporcionado pela mediação/conciliação fornece não param por aqui, sendo que também podem ser percebidos reflexos no desenvolvimento inclusivo do capital social, que, de forma ordenada, proporciona resoluções a conflitos individuais e coletivos facilitando à população em geral, especialmente às classes mais baixas, o que participem de alguma forma nas decisões que as afetarão diretamente.
Portanto, conclui-se que os mecanismos de tratamento de conflitos além de cumprir seu objetivo principal como uma técnica que auxilia na prestação jurisdicional proporcionando novas formas de resolução de conflitos, põe-se também, como mecanismo que fomenta a participação social ativa dos cidadãos para com a comunidade, trazendo com isto acréscimos significativos nos níveis de empoderamento e capital social como um todo.
Igualmente, pode se concluir que indubitavelmente colocam-se os tratamentos de conflitos como mecanismos que fomentam a ampliação da participação democrática de forma proporcional aos reflexos que erradia sob a concepção de empoderamento social, garantindo que cada vez mais pessoas possam ser empoderadas para resolverem seus próprios conflitos de uma forma cidadã e democrática.
Com isso, é forçoso concluir que as políticas públicas nacionais adotadas pelo Poder Judiciário nacional para o tratamento dos conflitos sociais, não apenas se constituem numa nova fonte de empoderamento social e aperfeiçoamento da democracia em seu aspecto participativo, mas acabam por contribuir para o amadurecimento do país e de seu povo na exata medida em que lhes atribui o poder-dever de harmonizarem suas relações. O que se afigura como um elementar exemplo de desenvolvimento nacional a partir do ser humano.
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FRAGILIDADES DAS DEMOCRACIAS NA AMÉRICA LATINA:
UMA ANÁLISE EMPÍRICA
THE weaknesses OF DEMOCRACIES IN LATIN AMERICA:
AN EMPIRICAL ANALYSIS
Armando Albuquerque*
RESUMO: A terceira onda de democratização repercutiu na América Latina e proporcionou uma série de mudanças nas suas instituições políticas. Este artigo visa tratar da democracia e as suas fragilidades na América Latina após a ‘terceira onda’. Para tanto, ele assume a definição empírica de democracia fornecida pela organização não governamental Freedom House e mensura a democracia a partir da categoria de liberdade e das suas duas dimensões: os direitos políticos e as liberdades civis. Finalmente, com base nos indicadores e índices fornecidos pelo relatório Freedom in the World (2014), passa-se à análise comparada da democracia em 18 países latino-americanos, apontando as suas principais fragilidades que contribuem fortemente para a não consolidação dos regimes democráticos na região.
Palavras-chave: Fragilidades. Democracia. América Latina. Análise Empírica.
ABSTRACT:The third wave of democratization has had repercussions in Latin America and has brought about a series of changes in its political institutions. This article aims to address democracy and its weaknesses in Latin America after the third wave. To do so, it assumes the empirical definition of democracy provided by the non-governmental organization Freedom House and measures democracy from the category of freedom and its two dimensions: political rights and civil liberties. Finally, based on the indicators and indexes provided by the Freedom in the World (2014) report, a comparative analysis of democracy is carried out in 18 Latin American countries, pointing out their main weaknesses that contribute strongly to the non-consolidation of democratic regimes in Latin America.
Keywords: Weaknesses. Democracy. Latin America. Empirical Analysis.
Recebido: 15.05.2017
Aprovado: 11.07.2017
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas do século XX a‘terceira onda de democratização’[39] repercutiu na América Latina e proporcionou uma série de mudanças nas suas instituições políticas. Certamente, a passagem dos regimes autoritários para os regimes democráticos se constituiu na mais relevante mudança na política latino-americana daquele período.
Contudo, tal passagem, que contempla de modo geral três etapas, a liberalização, a transição e a consolidação dos regimes políticos, ocorreu de forma diversificada. Em alguns países, as instituições da democracia liberal conseguiram avançar e se consolidar. Em outros, ocorreu apenas a consolidação das instituições da democracia eleitoral e de algumas poucas instituições da democracia liberal, o que impediu a consolidação desta última. Finalmente, houve países em que tanto as instituições da democracia eleitoral quanto aquelas relativas à democracia liberal conviveram com os legados autoritários[40] dos regimes anteriores, configurando, assim, formas híbridas de regimes políticos.
Uma das questões centrais ao se tratar o tema da democracia é defini-la. Não são poucas as concepções existentes e as adjetivações atribuídas a esta categoria. Dessa forma, inicialmente, este artigo sumaria a definição procedural mínima de democracia nas teorias de Schumpeter, Dahl, Huntington e Przeworski. Em seguida, assume adefinição empírica de democracia fornecida pela organização não governamental Freedom House.
Uma vez definida a democracia é preciso mensurá-la. Para tanto, são incorporados os indicadores e índices apresentados pela Freedom House. Nesta perspectiva, o conceito de democracia é mensurado a partir da categoria de liberdade e das suas duas dimensões:direitos políticos e liberdades civis.
Finalmente, com base nos indicadores e índices fornecidos pelo relatório Freedom in the World (2014), passa-se à análise comparada da democracia em 18 países latino-americanos, apontando as principais fragilidades que contribuem fortemente para a não consolidação dos regimes democráticos na região.
2 DEFININDO DEMOCRACIA
Esta seção abordará, num primeiro momento,a definição procedural mínima de democracia. Num segundo momento, será analisada a definição de democracia eleitoral da ONG Freedom House. Por fim, tratará da mensuração das categorias de liberdade e de democracia.
2.1 Definição procedural mínima de democracia
Uma definição procedural mínima de democracia é aquela que considera o seu aspecto eleitoral desconsiderando, portanto, os aspectos próprios de uma democracia liberal tais como as liberdades civis[41] e o império da lei. Entre os que advogam esta concepção se encontram Schumpeter, Dahl, Huntington e Pzreworski.
Inicialmente, Schumpeter faz uma crítica à doutrina clássica da democracia[42] e estabelece uma mudança essencial na sua concepção. Ele nota que há uma inversão nos papéis dos eleitores e dos eleitos estabelecidos pela doutrina clássica. Nela, o modo de selecionar os governantes é secundário em relação ao papel atribuído ao eleitorado. Este tem primazia sobre aquele. Porém, o que importa agora para o sistema democrático não é mais “[...] atribuir ao eleitorado o poder de decidir sobre assuntos políticos” (SCHUMPETER, 1961, p. 326). Ao contrário, o eleitorado passa a ter um papel secundário em face da escolha dos representantes que irão, efetivamente, tomar as decisões políticas.
Desta forma, o papel desempenhado tradicionalmente pelo povo na teoria clássica da democracia passa a ser secundário nesta nova concepção. É o próprio Schumpeter (1961, p. 346) que afirma:
Em primeiro lugar, de acordo com o ponto-de-vista que adotamos, a democracia não significa nem pode significar que o povo realmente governa em qualquer dos sentidos tradicionais das palavras povo e governo. A democracia significa apenas que o povo tem oportunidade de aceitar ou recusar aqueles que o governarão.
Assim, a democracia é “[...] um sistema institucional, para tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor” (SCHUMPETER, 1961, p. 328). Portanto, a democracia é definida como um método de escolha dos governantes. Mais que isso, a mera existência de eleições define os regimes políticos: se há eleições, tem-se um regime democrático. Se não há, tem-se um regime não democrático[43].
Assim, a democracia é um método de escolha daqueles que irão governar, no qual políticos profissionais disputam em um processo de livre concorrência os votos do eleitorado. Para ele a democracia é o governo dos políticos[44]. Vista desta forma, esta concepção passou a denominar-se teoria competitiva da democracia.
De modo muito similar, surge a teoria democrática de Dahl (1971). Inicialmente, ele faz uma distinção entre democracia e poliarquia. Com o primeiro termo ele faz referência à democracia ideal, com o segundo, faz uma alusão à democracia real. Assim, a poliarquia se configura como uma democracia real, em larga escala e que apresenta duas dimensões: a participação e a contestação. Nas palavras do próprio Dahl (1971, p. 8) “[...] Poliarquias são regimes substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, são regimes altamente inclusivos e extensivamente abertos à contestação pública”.
A questão aqui não é meramente semântica nem tampouco de diferenciação dos planos ontológico e deontológico da democracia. A poliarquia se diferencia tanto das democracias e das repúblicas Antigas, quanto das democracias representativas modernas. As primeiras eram destituídas de grande parte das instituições requeridas em uma poliarquia. Asúltimas, ao contrário das poliarquias, possuíam sufrágio restrito. Assim, pode-se dizer que a cidadania inclusiva é um dos traços essenciais das democracias do século XX.
Quais as instituições constitutivas de uma poliarquia? Para Dahl (1971) seis instituições são fundamentais para a existência de uma democracia em grande escala. São elas: a) funcionários eleitos; b) eleições livres, justas e freqüentes; c) liberdade de expressão; d) fontes de informação diversificada; e) autonomia para as organizações; e f) cidadania inclusiva.
Portanto, uma poliarquia contempla, em primeiro lugar, a tomada de decisões políticas através de pessoas eleitas pela sociedade. Em segundo lugar, o processo de escolha deve ocorrer periodicamente, em condições de plena liberdade e de forma razoavelmente justa. Em terceiro lugar, a liberdade de expressão como um dos direitos civis basilares, deve ser garantida. Em quarto lugar, o direito às fontes de informações diversificadas deve ser assegurado. Em quinto lugar, as diversas formas de organização da sociedade civil devem ser livremente constituídas. Finalmente, todos os indivíduos adultos devem ter protegidos os seus direitos políticos.
Assim, a definição de democracia de Dahl (1971) como democracia poliarquica segue a fórmula de Schumpeter, isto é, mantém-se no âmbito de uma definição procedural mínima. Em outras palavras, permanece na esfera da democracia eleitoral. Há, no entanto, uma diferença considerável entre o Dahl de Poliarquia (1971) e o Dahl de Sobre a democracia (2001). Nesta obra, além das instituições necessárias à poliarquia,ele acresce tanto as condições essenciais quanto as condições favoráveis à mesma.
As condições essenciais à poliarquia são: o controle dos militares e da polícia por funcionários eleitos; uma cultura política e convicções democráticas; e nenhum controle estrangeiro hostil à democracia. As condições favoráveis à poliarquia são duas: uma sociedade e uma economia de mercado modernas e um fraco pluralismo subcultural.
Destarte, além das instituições necessárias à poliarquia, são essenciais algumas outras condições. O controle civil democrático sobre os militares é uma delas. Nas democracias não consolidadas, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, há uma forte tradição de intervenção militar na política. A América Latina ilustra bem essa problemática. Nela há uma vigorosa cultura antidemocrática e antirrepublicana que coloca em risco as instituições políticas da democracia e estimula instituições políticas autoritárias. É preciso enfim que o Estado detenha plenamente a sua soberania.
Finalmente, é necessário que as instituições da poliarquia estejam fundadas sobre uma economia de mercado. Modernamente não há registro histórico da existência de regimes democráticos que não estivessem assentados em uma economia de livre mercado. Além disso, faz-se necessário que não exista forte pluralismo subcultural. Sociedades onde se verifica um alto grau de diferenças étnicas ou religiosas tendem a fragmentar-se de tal forma que comprometem não só o regime político, mas o próprio Estado.[45]
Seguindo esta tradição, Hungtinton irá consolidar a perspectiva procedural mínima da democracia. Na sua obra seminal The Third Wave (1991), ele a define como um sistema político no qual “[...] os governantes são selecionados por eleições justas, honestas, e periódicas nas quais os candidatos competem livremente pelos votos e virtualmente toda a população de adulto tem direito ao voto” (HUNTINGTON, 1991, p. 7).
Igualmente, ele irá criticar aqueles que propõem uma concepção normativa de democracia:
Para eles, a ‘verdadeira democracia’ significa liberdade, igualdade e fraternidade. Nela, os cidadãos possuem efetivo controle sobre a política, os governos são responsáveis, honestos e francos na política, as deliberações são racionais e fundadas em informações, há igualdade na participação e no poder, e várias outras virtudes cívicas (grifo do autor, HUNTINGTON, 1991, p. 9).
Diversamente, irá afirmar que a essência da democracia reside na existência de eleições periódicas, livres e justas. Pode ocorrer de governos eleitos democraticamente serem ineficientes, irresponsáveis e corruptos e, portanto, indesejáveis. No entanto, não se pode negar o caráter democrático do mesmo. Portanto, a escolha dos governantes através de eleições periódicas, livres e justas, é um traço distintivo da democracia em relação a outros regimes políticos.
Concomitantemente, reconhece a necessidade de adicionar algumas outras propriedades à democracia. Assim, é importante que os líderes políticos eleitos legitimamente governem de direito e de fato e não sejam apenas títeres de outros grupos, e que o sistema político possua instituições estáveis. Porém, não está preocupado com um maior ou menor grau de democracia, mas simplesmente com a transição de regimes não democráticos para regimes democráticos. Por isto, prefere tratar democracia e regimes não democráticos como variáveis dicotômicas. O que distingue, portanto, um regime do outro efetivamente é o modo pelo qual os governantes são escolhidos. Nas democracias, por meio de eleições competitivas. Nos regimes não democráticos[46], tendo em vista que não existem tais eleições nem sufrágio universal, por modos diversos. Em suma, apesar de expandir a definição de democracia para além das eleições, Huntington se mantém dentro de uma concepção procedural mínima de democracia.
Przeworski é mais um a fazer a defesa desta concepção. Afirma que quase todos normativamente invocam os aspectos desejáveis da política, e às vezes até mesmo os das esferas social e econômica. Assim incluem numa definição de democracia responsabilidade, igualdade, participação, justiça, dignidade, racionalidade, segurança, liberdade, etc. Contrariamente a esta visão, diz ele:
Eu apresento um argumento em defesa da concepção ‘minimalista’schumpeteriana de democracia, como um sistema no qual os governantes são selecionados através de eleições competitivas. Ao contrário de expectativas difundidas, não há boas razões para pensar que se os governantes são selecionados através de eleições competitivas suas decisões políticas serão racionais, seus governos serão representativos, ou a distribuição de renda será igualitária. (PRZEWORSKI, 2003, p. 12)
A sua defesa de uma concepção mínima da democracia contempla dois argumentos. O primeiro diz respeito ao fato da democracia resolver os conflitos de forma pacífica evitando, assim, que a mudança de governos se dê pela força e provoque violência e morte. O segundo é que o fato da democracia ser capaz de realizar esta mudança pelo voto ela retira disto as suas próprias consequências.
Portanto, Przeworski (2000) reforça esta concepção quando afirma ser a democracia, um regime que se caracteriza pelo fato de os governantes serem selecionados por meio de eleições competitivas, num cenário de cidadania inclusiva e gozo das liberdades políticas por parte dos cidadãos[47].
Antes de passar à próxima subseção, na qual será abordada a definição de democracia eleitoral, é preciso mencionar que autores como Mainwaring, Brinks e Perez-Líñan (2001), fazem uma profunda críticaàs definições procedurais mínimas que eles denominam de “subminimas”, por se restringirem aos aspectos meramente eleitorais de uma democracia.
2.2 Definindo democracia eleitoral
A organização não governamental norte-americana Freedom House tem uma importante atuação na análise e defesa da liberdade e da democracia no mundo. A sua definição de democracia[48] está alicerçada no conceito de liberdade e este, por sua vez, em duas dimensões: os direitos políticos e as liberdades civis.
A Freedom House, de agora em diante FH, define a democracia como eleitoral e/ou liberal. Uma democracia eleitoral possui as seguintes dimensões:um competitivo sistema político multipartidário; sufrágio universal adulto;eleições regularmente realizadas com base no voto secreto; razoável segurança no processo eleitoral e ausência de fraude eleitoral maciça que produz resultados que não representam a vontade do eleitor; e amplo acesso dos principais partidos políticos ao eleitorado através da mídia e através de campanhas políticas geralmente abertos.
A FH, como mencionado anteriormente, classifica a democracia a partir do conceito de liberdade. Este é definido com base em duas dimensões: direitos políticos e liberdades civis. Os direitos políticos, por seu turno, possuem três subdimensões, quais sejam: processo eleitoral; pluralismo político e participação; e funcionamento do governo. As liberdades civis, por sua vez, possuem quatro subdimensões: liberdade de expressão e de crença; direitos de associação e de organização; Estado de direito; e autonomia pessoal e direitos individuais.
A dimensão relativa aos direitos políticos fundamenta e define uma democracia eleitoral. Suas três subdimensões procuram mensurar, em linhas gerais, a existência de eleições periódicas, livres e justas para o Executivo e o Legislativo; a existência de liberdade de organização dos cidadãos para concorrerem às eleições; se a oposição tem possibilidades reais de vencê-las; se os eleitos de direito e de fato determinam as políticas do governo; se estas estão livres da corrupção sistemática; e se o governo encontra-se sob um vigoroso sistema de accountability.
A dimensão relativa às liberdades civis complementa a anterior e acresce à democracia eleitoral uma dimensão liberal que, por sua vez, reconfigura a mesma como democracia liberal. Sumariamente, estas subdimensões procuram medir as liberdades de expressão (política, religiosa, acadêmica); de organização (política, sindical, profissional); a existência de isonomia jurídica e do império da lei; e a autonomia pessoal, a igualdade de gênero e o direito de propriedade.
Assim, consoante a FH, a democracia eleitoral difere da democracia liberal, pois enquanto a primeira privilegia a dimensão eleitoral da democracia, esta última também contempla a presença de um conjunto substancial das liberdades civis.
2.3Mensurando as categorias de liberdade e democracia[49]
A FH define a liberdade como sendo a oportunidade de agir espontaneamente em uma variedade de campos fora do controle do governo e de outros centros de dominação potencial.A sua mensuração e, por consequência, da democracia, são realizadas da forma abaixo descrita.
Mensurando a liberdade:
a) Os direitos políticos, constituídos por dez indicadores, possuem escores que vão de 0 a 40, assim atribuídos: processo eleitoral (0−12); pluralismo político e participação (0−16); e funcionamento do governo (0−12).
b) As liberdades civis, constituídas por 15 indicadores, possuem escores que vão de 0 a 60, atribuídos da seguinte forma: liberdade de expressão e de crença (0−16); direitos de associação e de organização (0−12); Estado de direito (0−16); e autonomia pessoal e direitos individuais (0−16).
A partir destes escores, classificam-se os direitos políticos e as liberdades civis em sete níveis, como podem ser observados, nas tabelas 1 e 2 (ver anexo). Na tabela 3 é possível verificar a classificação dos países por seu status de liberdade que está categorizado em livre, parcialmente livre e não livre. Esta tabela é constituída pela média das duas dimensões. Assim, países livres são aqueles que possuem média entre 1,0 e 2,5. Países parcialmente livres são aqueles cujas médias se encontram entre 3,0 e 5,0. Finalmente, países não livres são aqueles que possuem média entre 5,5 e 7,0 (ver anexo).
Assim, a partir desta classificação da liberdade,a FH considera os países livres tanto democracias eleitorais quanto democracias liberais. Alguns países parcialmente livres são considerados democracias eleitorais, mas não democracias liberais. Neste caso, para ser considerado uma democracia eleitoral o valor de referências numérico de acordo com a metodologia FH faz-se necessário:
[...] uma pontuaçãosubtotalde 7ou mais (deuma possívelpontuação totalde 12), para alista de verificação dedireitos políticos,subcategoriaA (das três perguntas sobreo Processo Eleitoral), e uma pontuação global de direitos políticos de 20 oumais(em uma escala de pontuação totalde 40) (Freedom in the World, 2014).
Dessa forma, a democracia eleitoralrequer condições mínimas na dimensão dos direitos políticos. Por seu turno, a democracia liberal requer, além destas condições, um conjunto substancial de liberdades civis.
3FRAGILIDADES DA DEMOCRACIA NA AMERICA LATINA
Esta seção analisará as fragilidades da democracia na América Latina. Para proceder à mesma, utilizar-se-ão os dados referentes ao ano de 2013, do relatório Freedom in the World 2014. Pelo caráter deste trabalho, as análises serão feitas a partir dos padrões observados nos escores das dimensões e subdimensões aqui contemplados (ver apêndice).
Tomando-se, inicialmente, a dimensão relativa aos direitos políticos e as suas subdimensões (processo eleitoral; pluralismo e participação e funcionamento do governo), pode-se observar o seguinte.
Em primeiro lugar, constata-se que dos 18 países analisados, todos, à exceção da Nicarágua e Venezuela, são democracias eleitorais, ou seja, contemplam satisfatoriamente a dimensão dos direitos políticos. Destes, nove países são classificados tanto democracias eleitorais quanto democracias liberais. São exatamente aqueles que obtiveram o status de países livres e que, portanto, contemplam satisfatoriamente não apenas os direitos políticos, mas também as liberdades civis (Chile, Costa Rica, Uruguai, Panamá, Argentina, Brasil, República Dominicana, El Salvador e Peru).
Em segundo lugar, quando se analisa cada uma das dimensões da liberdade e suas respectivas subdimensões é possível verificar o seguinte. No que concerne aos direitos políticos: a) quanto ao processo eleitoral apenas a Venezuela e a Nicarágua possuem escores inferiores a sete, escore mínimo nesta dimensão para que um país seja considerado uma democracia eleitoral; b) no que respeita à subdimensão pluralismo político e participação, nenhum país recebeu escore menor que sete(escore atribuído à Venezuela e à Nicarágua); e c) no que concerne ao funcionamento do governo,países como Argentina, Equador, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Guatemala e Venezuela apresentam escores abaixo de sete.
Portanto, uma das principais fragilidades nas subdimensões relativas aos direitos políticos diz respeito às eleições, que apesar de relativamente livres não são justas, pois de modo geral os candidatos apoiados pelo governo são favorecidos pelo jogo político. Além disso, em alguns destes países a separação de poderes é quase inexistente e o nível de corrupção é elevado.
Em relação à dimensão das liberdades civis e as suas subdimensões, pode-se observar o seguinte: a) no que se refere à liberdade de expressão e crença, todos os países se mantém em bons níveis, pois num escore total de 16 apenas a Venezuela recebeu um escore de um dígito (oito). Os demais países estão situados entre 12 e 16; b) em relação ao direito de associação e organização, países como Honduras, Nicarágua, Guatemala, Colômbia e Venezuela, receberam escores abaixo de sete; c) no que se refere ao Estado de direito, sete países receberam escores menores que sete, são eles: México, Bolívia, Equador, Honduras, Paraguai, Guatemala e Venezuela; finalmente, no que concerne à autonomia pessoal e aos direitos individuais todos os países receberam escore igual ou superior a oito.
Portanto, as principais fragilidades nesta dimensão dizem respeito aos limites impostos à liberdade de organização e a ausência do império da lei. No entanto, é preciso registrar que, embora os dados fornecidos não apresentem maior comprometimento acerca da liberdade de expressão, é notória a sua sistemática violação na Venezuela, Bolívia, Equador e até mesmo na Argentina[50].
Em terceiro lugar, uma análise das democracias latino-americanas nos dias atuais precisa levar em consideração a existência de pelo menos dois blocos de países bem distintos. O primeiro diz respeito àqueles que mantêm os valores da democracia liberal como paradigma. Poder-se-ia ilustrar esta corrente, pelo menos em boa medida, com aqueles países classificados como livres pelo FH, e, portanto, considerados democracias liberais. O segundo concerne àqueles países que aderiram ao modelo da democracia bolivariana. Tal modelo pode ser definido, de forma sintética, nas palavras de Hugo Chaves, então presidente da Venezuela, quando afirmou que era preciso construir uma:
[...] nova sociedade igualitária, em que não haja excluídos, um novo modelo democrático: a democracia revolucionária, a construção de uma democracia participativa, protagonista, em que o povo seja a essência e o ator fundamental da batalha política, e não uma elite que representa, entre aspas, “o povo”, a democracia representativa sempre termina sendo uma democracia de elites e, portanto, uma democracia falsa. A única democracia em que nós acreditamos é a democracia do povo, é a democracia participativa, protagonista, cheia de força popular, de impulso popular (LAPSKY; SCHURSTER; SILVA, 2013, p. 233).
Assim, países como a Venezuela, a Bolívia, o Equador e, mais recentemente, a Argentina, têm procurado incorporar o conceito de democracia participativa ao seu modelo. Isso passa por uma profunda transformação institucional e a supressão parcial das prerrogativas de tradicionais instituições da democracia representativa a exemplo da independência do parlamento e do poder judiciário[51]. A Venezuela é um caso emblemático, onde o governo Chaves através da realização de frequentes processos eleitorais e consultas populares atribuiu ao povo certo poder legislativo[52].
Dessa forma, a substituição das atividades ordinárias do parlamento como centro de deliberação das grandes questões políticas pela realização de referendos e plebiscitos, tem proporcionado ao poder executivo um canal de interlocução direto com o povo, deixando, dessa forma, o parlamento numa posição secundária como canal de expressão da representação popular.
Do mesmo modo, a subordinação do poder judiciário ao poder executivo, através da indicação meramente política e da pouca estabilidade dos magistrados em seus cargos (o que facilita a remoção e substituição dos mesmos), constitui um vigoroso obstáculo dos princípios norteadores de um Estado democrático: a harmonia e a independência entre os poderes.
Finalmente, nestes países tanto os direitos políticos quanto as liberdades civis têm sofrido diversas violações no que concerne às eleições livres e justas, às liberdades de expressão e organização, ao direito de propriedade. Verifica-se, ainda, uma corrupção sistêmica[53], a inexistência de independência do poder judiciário em relação ao poder executivo e a ausência do império da lei.
CONCLUSÃO
Como já mencionado na introdução deste artigo, a análise acerca da democracia tem como inevitável ponto de partida a sua definição. Destate, a grande diversidade de definições que recaem sobre a democracia requer uma maior precisão dessa categoria. No entanto, uma abordagem rigorosa de tais definições se constituiria em objeto de uma ampla discussão, o que seria aqui inapropriado. Portanto, fez-se, prontamente, a opção por uma definição procedural mínima de democracia.
Entre as definições procedurais, uma segunda opção foi feita em favor dos conceitos e das evidências empíricas da democracia fornecidos pela ONG Freedom House e pelo seu relatório anual Freedom in the World (2014). Obviamente, tais escolhas, como qualquer outra, são passíveis de vigorosas críticas a exemplo das de Mainwaring, Brinks e Perez-Líñan (2001) ou aquelas do Democracy Index feita à concepção mínima de democracia, entre elas, a da Freedom House. Contudo, uma vez feitas as escolhas, passou-se à análise das fragilidades das democracias latino-americanas.
Assim, realizada a análise comparativa da democracia nos 18 países em questão, foi possível verificar, a partir dos dados fornecidos pelo relatório Freedom in the World (2014), pelo menos três configurações distintas: a primeira contempla os países que conseguiram avançar e consolidar as instituições democráticas; a segunda contempla os países cujas instituições foram consolidadas apenas em parte; e, a terceira contempla aqueles países que apontam para um tipo de institucionalidade híbrida. Portanto, as fragilidades podem ser ordenadas de um nível mais alto a um nível mais baixo, levando-se em consideração o grau de institucionalidade dos regimes democráticos.
Finalmente, a construção da democracia na América Latina sempre traçou um percurso tortuoso. Além das relações civil-militares que sempre foram problemáticas (tema que não é objeto de análise da concepção de democracia aqui assumida), elas tiveram, nos curtos períodos de democracia eleitoral, uma parte considerável dos direitos civis e mesmo dos direitos políticos violada. Portanto, na maioria dos países latino-americanos, a democracia permanece sendo um desafio cotidiano que procura o aperfeiçoamento das suas instituições com vistas à consolidação deste regime político.
REFERÊNCIAS
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CESARINI, Paolo e HITE, Katherine (2004). “Introducing the Concept of Authoritarian Legacies”, In: Auhoritarian legacies and democracy in Latin América and southern Europe. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame.
DAHL, Robert A. Polyarchy: participation and opposition. New Haven: Yale University Press, 1971.
FIGUEIREDO, Janaína. Equador, Venezuela e Bolívia: judiciário aliado ao poder. In:O Globo. 30 de maio de 2013.
______. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: UnB, 2001.
FREEDOM HOUSE. Freedom in the world, 2014.
HUNTINGTON, Samuel. (1991) The Third Wave: democratization in the late twentieth century. Norman: University of Oklahoma Press.
LINZ, Juan J.; STEPAN, Alfred. 1996. Problems of democratic transition and conssolidation: southern Europe, south America and post-communist Europe. Baltimore e Londres, Johns Hopkins University Press.
MAINWARING, Scott. BRINKS, Daniel; PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal. Classificando regimes políticos na América Latina. Revista de ciências sociais, Rio de Janeiro, vol. 44, n. 4, 2001, p. 645-687.
MIRANDA, Mario Angelo Brandão de Oliveira. “As significações e usos do conceito de democracia no ambiente político sul-americano atual e sua relevância no contexto da integração regional”, In: Igor Lapsky, Karl Schurster e Francisco Carlos Texeira da Silva (organizadores). Instituições sul-americanas no tempo presente: caminhos da integração. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.
PRZEWORSKI, Adam “Minimalist Conception of Democracy: A Defense”, In: The democracy sourcebook. Edited by Robert A. Dahl, Ian Shapiro, and José Antonio Cheibub. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 2003, p 12-17.
______. ALVAREZ, Michael, CHEIBUB, José Antonio e LIMONGI, Fernando (2000). Democracy and development: political institutions and well-being in the world, 1950-1990. Cambridge: Cambridge University Press.
ZAKARIA, Fareed. The future of freedom. New York, W. W. Norton & Company, 2003.
ANEXO
Fonte: Freedom House, 2014
APÊNDICE
PAÍS |
Status |
DP |
LC |
A |
B |
C |
D |
E |
F |
G |
RP |
Chile |
L |
1 |
1 |
12 |
15 |
12 |
16 |
11 |
14 |
15 |
DL |
Costa Rica |
L |
1 |
1 |
12 |
15 |
10 |
16 |
11 |
13 |
13 |
DL |
Uruguai |
L |
1 |
1 |
12 |
16 |
12 |
16 |
12 |
15 |
15 |
DL |
Panamá |
L |
2 |
2 |
12 |
15 |
8 |
15 |
11 |
9 |
12 |
DL |
Argentina |
L |
2 |
2 |
11 |
14 |
6 |
14 |
11 |
11 |
13 |
DL |
Brasil |
L |
2 |
2 |
11 |
14 |
8 |
15 |
10 |
10 |
13 |
DL |
República Dominicana |
L |
2 |
3 |
10 |
11 |
9 |
15 |
10 |
8 |
10 |
DL |
El Salvador |
L |
2 |
3 |
12 |
14 |
9 |
15 |
8 |
9 |
10 |
DL |
Peru |
L |
2 |
3 |
10 |
13 |
7 |
15 |
8 |
8 |
10 |
DL |
México |
PF |
3 |
3 |
9 |
12 |
7 |
13 |
8 |
6 |
10 |
DE |
Bolívia |
PF |
3 |
3 |
11 |
11 |
7 |
14 |
9 |
6 |
9 |
DE |
Paraguai |
PF |
3 |
3 |
10 |
12 |
4 |
12 |
8 |
5 |
10 |
DE |
Equador |
PF |
3 |
3 |
7 |
11 |
6 |
13 |
7 |
6 |
10 |
DE |
Colômbia |
PF |
3 |
4 |
10 |
11 |
7 |
12 |
5 |
7 |
10 |
DE |
Guatemala |
PF |
3 |
4 |
9 |
10 |
5 |
12 |
6 |
6 |
8 |
DE |
Honduras |
PF |
4 |
4 |
7 |
9 |
4 |
11 |
6 |
5 |
9 |
DE |
Nicarágua |
PF |
4 |
3 |
6 |
7 |
6 |
12 |
6 |
7 |
10 |
* |
Venezuela |
PF |
5 |
5 |
5 |
7 |
2 |
8 |
4 |
4 |
8 |
* |
Dados retirados do relatórioFreedom in theWorld, 2014.Os regimes de governo foram acrescidos.
LEGENDA: DP: Direitos políticos; LC: Liberdades civis; Status: L: Livre; PL: Parcialmente livre; NL: Não livre; Direitos políticos: A: Processo eleitoral; B: Pluralismo político e participação; C: Funcionamento do governo; Liberdadescivis: Liberdade de expressão e crença; E: Direito de associação e organização; F: Estado de direito; G: Autonomia pessoal e direitos individuais; RP: Regimes políticos: DL: Democracia liberal; DE: Democracia eleitoral.* Não está classificado como democracia.
ACESSO À JUSTIÇA E A DEFENSORIA PÚBLICA NA AMÉRICA LATINA: DEMOCRATIZAÇÃO DE DIREITOS COMO DESENVOLVIMENTO
ACCESS TO JUSTICE AND THE PUBLIC DEFENDER'S OFFICE IN LATIN AMERICA: DEMOCRATIZATION OF RIGHTS AS DEVELOPMENT
Marcia Carla Pereira Ribeiro*
José Alberto Oliveira de Paula Machado**
RESUMO:Oartigo tem como objetivo apresentar um breve estudo de Direito Comparado sobre a dimensão do acesso à justiça assegurada pelos diferentes modelos de Defensoria Pública nos principais países da América Latina. Foi empregado o método dedutivo de abordagem com auxílio de uma pesquisa descritiva e bibliográfica na qual se comparou o alcance desses modelos de assistência jurídica. Ao final conclui-se que, em regra, as Defensorias Públicas nos países latinos ainda não exploram sua potencialidade como instrumento de desenvolvimento.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Defensoria Pública. Direito Comparado. Desenvolvimento.
ABSTRACT:The article aims to present a brief study of Comparative Law on the dimension of access to justice ensured by the different models of Public Defender in the main countries of Latin America. The deductive method of approach was used with the aid of descriptive and bibliographical research in which the scope of these models of legal assistance was compared. Finally, it is concluded that, as a rule, Public Defender's Offices in Latin countries have not yet exploited their potential as a development tool.
Keywords: Access to justice. Public Defender’s Office. Comparative Law. Development.
Recebido: 15.05.2017
Aprovado: 25.06.2017
1 INTRODUÇÃO
Aprioristicamente, importa apresentar as razões, ainda que breves, da proposta do presente artigo de comparar modelos de assistência jurídica gratuita. E, para tanto, o Direito Comparado é imprescindível ao método de comparação entre institutos jurídicos afins em ordens jurídicas diferentes.
O acesso à justiça deve ser tomado como valor inerente ao Estado Democrático de Direito, por se tratar de um direito humano essencial para a garantia de efetividade de toda e qualquer norma e, como política pública, para o desenvolvimento do Estado e para a emancipação do homem.
O estudo realiza uma análise comparativa de sistemáticas diversas de assistência jurídica gratuita atribuídas às Defensoria Públicas na América Latina como instrumento de acesso à justiça para a população economicamente vulnerável.
O estudo inicia-se com a averiguação normativa do acesso à justiça como modalidade dos direitos humanos nos tratados internacionais, retomando, outrossim, a temática consagrada na publicação da obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na década de 70, denominada Acesso à Justiça.
Logo em seguida, foca-se na importante correlação desse tema com o desenvolvimento, sob o prisma da obra de Amartya Sen. Tomando-se como referência o conceito substancial de liberdade, verifica-se que o acesso à justiça é um instrumento para a promoção da capacidade geral dos indivíduos e a criação de novas oportunidades individuais e coletivas. E, é nessa perspectiva das capacidades, Capability Approach, e não de critérios meramente econômicos, que se constrói a noção seniana de desenvolvimento, como estruturação de avaliação do bem-estar individual e da liberdade para que o bem-estar seja alcançado.
Nesse aspecto, exsurge o papel fundamental da discussão sobre os modelos jurídicos que asseguram o acesso à justiça gratuita, a fim de se avalizar que esse instrumental de criação de capacidades esteja à disposição de todos e não somente de privilegiados economicamente. O próprio conceito de desenvolvimento abarca a premissa de que a liberdade substancial deve ser construída para todos de forma indistinta.
Uma das apostas políticas dos países sul-americanos foi a adoção da Defensoria Pública, modelo salaried staff, como órgão do Estado a quem é conferida essa precípua atribuição de distribuir acesso à justiça para os necessitados.
O artigo investiga, por método de comparação, qual dessas apostas e construções institucionais melhor atende o direito humano de acesso à justiça e melhor incrementa uma armação para a evolução da democracia e da liberdade substancial.
O método empregado é o dedutivo de abordagem que permite partir de premissas gerais para se chegar a uma conclusão específica sobre os modelos aqui confrontados. Serve-se, ademais, do método dialético, com o objetivo de buscar possíveis sínteses para as divergências levantadas. Quanto ao procedimento, utiliza os métodos histórico, comparativo e sociológico, fazendo uso da interpretação sistemática. O tipo de pesquisa é o bibliográfico, a partir de livros e artigos científicos.
2 ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO HUMANO
A história do acesso à justiça na modernidade se confunde com a evolução do Estado, que já foi detido na mão de uma única pessoano Estado absoluto e que passou a um processo de reconhecimentos de direitos individuais e coletivos, até a consagração dos valores democráticos, especialmente o da cidadania (ALVES, 2006, p.76).
Isso porque o acesso à justiça é condição fundamental para o exercício da cidadania. Essa condição fundamental de ser cidadão, significa não só o pertencer a uma dada comunidade política, mas vai além: é, primeiro, um sinal de reconhecimento da humanidade em qualquer um (PIOVESAN, 2012, p.41).
Como expressão de todo e qualquer Estado Democrático, o direito ao acesso à Justiça é o reconhecimento da dignidade humana do indivíduo, na medida em que é o pressuposto basilar para a tutela de todos os demais direitos.
Hannah Arendt (1989, p.332) aclara que o “direito fundamental de cada indivíduo, antes de qualquer dos direitos enumerados em declarações, é o direito a ter direitos, isto é, o direito de pertencer a uma comunidade disposta e capaz de garantir-lhe qualquer direito”.
Produto do movimento histórico dessa luta pela cidadania, o acesso à justiça tornou-se um direito humano fundamental, reconhecido em diversos tratados internacionais.
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 prevê no art. 18º:
Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, quaisquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente (DECLARAÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM, 1948).
Igualmente prescreve o art.8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de dezembro do mesmo ano:
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948).
Esse compromisso dos Estados com o respeito aos direitos fundamentais, foiratificado pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, com dispositivo consolidando esse compromisso assumido pelos Estados:
Art. 2º. 3. Cada Estado Parte no presente Pacto compromete-se a :a.Garantir que todas as pessoas cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto forem violados disponham de recurso eficaz, mesmo no caso de a violação ter sido cometida por pessoas agindo no exercício das suas funções oficiais; b.Garantir que a competente autoridade judiciária, administrativa ou legislativa, ou qualquer outra autoridade competente, segundo a legislação do Estado, estatua sobre os direitos da pessoa que forma o recurso, e desenvolver as possibilidades de recurso jurisdicional (PACTO INTERNACIONAL DE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, 1966).
Não diferente foi o compromisso assumido pelos Estados no âmbito interamericano. Estabelece a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San Jose de 1969, em seu art. 8º, que trata das garantias judiciais:
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).
Esses compromissos atestam a ação das sociedades contemporâneas na tentativa de assegurar a relação existente entre justiça e cidadania, promovendo a liberdade e a igualdade perante a lei e na lei, já que toda e qualquer pessoa passaria a ter acesso aos Tribunais na busca de seus direitos.
Não bastaria a mera formalização de um direito em um ordenamento, seria necessário garantir também os meios de os assegurar. Um sistema jurídico e igualitário que pretenda garantir e não apenas formalizar os direitos de todos.
A iniciativa tem papel de destaque na obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na década de 70, denominada Acesso à Justiça, domada como marco doutrinário para a discussão da efetividade desse direito a reclamar direitos(CAPPELLETTI; GARTH, 1998).Assentam os autores que não basta simplesmente franquear o ingresso do indivíduo nas edificações que sediam a Jurisdição, mas sim conceder-lhe a consciência de seus direitos, mediante completa orientação jurídica que lhe possibilite até mesmo decidir entre utilizar ou não os instrumentos processuais que a legislação coloca à sua disposição. É a busca por tornar o sistema jurisdicional acessível à população, sobretudo de baixa renda, propiciando a resolução de seus litígios sob os auspícios do Estado e buscando resultados justos (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p.10).
O despertar para a efetividade desse acesso à Justiça e a busca por solução de seus problemas práticos fez surgir três enfoques.
No primeiro momento, denominado por Cappelletti e Garth (1998, p.12) de “primeira onda do acesso à justiça”, fez-se necessário lutar pela assistência judiciária gratuita. Tal proposição se fundamenta no custo envolvido para a proposição de uma ação judicial (taxas, honorários de perícia, pagamento de advogado), o que representa uma barreia aos necessitados na procura de efetivação de seus direitos, quer por ausência de condições iniciais de arcar com essa demanda, quer pela eventual desproporcionalidade entre o benefício auferido e as custas demandadas.
A “segunda onda de acesso à justiça”, identificada por Cappelletti e Garth (1998, p.18) foi a da proteção dos interesses metaindividuais, pela tutela dos direitos coletivos e difusos. Nessa linha, adotou-se instrumentos para garantir a defesa do meio-ambiente, dos consumidores, do patrimônio cultural, histórico e artístico, moralidade administrativa, entre outros.
Por fim, “a terceira onda de acesso à justiça” foi denominada pelos autores de um novo enfoque de acesso à justiça, cuja atenção está centrada no “conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas” (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p.25).
O presente artigo cinge sua abordagem à “primeira onda do acesso à justiça”, notadamente na solução confiada à Defensoria Pública, modelosalaried staff, de acedência pelos diferentes países da América Latina para contemplar alguma dimensão do acesso à justiça gratuita.
Contudo, antes de avançar no destaque, imperioso é alinhavar algumas proposições sobre a simbiose entre o direito de acesso à justiça e o desenvolvimento na especificidade socioeconômica dos países sul-americanos sob a ótica do pensamento de Amartya Sen.
3 ACESSO À JUSTIÇA E A DEMOCRATIZAÇÃO DOS DIREITOS COMO DESENVOLVIMENTO: UMA INTERLOCUÇÃO COM O PENSAMENTO DE AMARTYA SEN
Assim como o acesso à justiça, não se pode desconsiderar que o desenvolvimento também é um direito humano. E a ideia do direito ao desenvolvimento teve sua alavancagemcom a instalação das Nações Unidas, sobretudo por meio da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, em que as Nações Unidas firmaram no primeiro artigo que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político (DELGADO, 2001, p. 83).
Sobrevém que o direito ao acesso à justiça é instrumento precípuo de garantia dos demais direitos, principalmente do direito ao desenvolvimento. Não se pode denominar uma sociedade como desenvolvida se ela não garante o pleno acesso à justiça para seus cidadãos de forma indistinta.
Isso porque o acesso à justiça tem como consequência o aumento da liberdade substantiva, tema esse consagrado por Amartya Sem em sua obra “Desenvolvimento como Liberdade” (SEN, 2000). Ampliar o acesso à justiça, significa assegurar avanços na qualidade de vida da população, mesmo que isso não reflita, necessariamente, em um aumento do PIB ou da renda per capita desses sujeitos.
Por exemplo, serão beneficiados de forma direta, por meio do acesso à justiça, a busca de direitos trabalhistas, direitos dos consumidores, direitos de família, direito agrário e outras soluções de conflitos do dia-a-dia, como o direito de vizinhança. O benefício é, em última análise, ampliar a capacidade do indivíduo de construir seu próprio bem-estar. Faz-se digno citar o pensamento deAmartya Sen, Nobel de economia em 1998:
Mesmo que os mais utilizados critérios econômicos do progresso, refletidos em uma massa de estatísticas disponíveis, tendam a se concentrar especificamente no melhoramento de objetos inanimados de conveniência (por exemplo, no produto nacional bruto, PNB, e o produto interno bruto, PIB, que têm sido o foco de uma miríade de estudos econômicos do progresso), essa concentração poderia ser justificada — tanto quanto isso fosse possível — em última instância apenas através do que esses objetos produzem nas vidas humanas que eles podem direta ou indiretamente influenciar. Há um reconhecimento crescente favorável à utilização direta de indicadores da qualidade de vida, do bem-estar e das liberdades que as vidas humanas podem trazer consigo (2000, p. 86).
Observe-se que o autor apresenta uma abordagem distinta para o tema do desenvolvimento, relativamente ao pensamento mais usual. Isso ocorre, em grande medida, porque não se utiliza dos tradicionais indicadores de riqueza, como o PIB ou renda per capita, e sim, entende o desenvolvimento como um processo de ampliação das liberdades reais que as pessoas gozam.
Nesse ponto advém a noção de liberdade substantiva, que parte da prognose de os indivíduos serem capazes de atuar na conformação das forças socioeconômicas, a partir também de liberdades políticas, para reconhecer e garantir seus potencias (SEN, 2000, p. 137). Esse termo está associado ao conceito de cidadania. Assim, o sucesso de uma sociedade é avaliado, nesta visão, primordialmente pelas liberdades substantivas que os membros dessa sociedade detêm.
Se o objetivo do desenvolvimento se torna a liberdade consciente de tomada de decisão, justiça, cidadania e desenvolvimento passam, inclusive, a se confundir, pois desenvolvimento só ocorre se a sociedade estiver também assegurando a busca de justiça pela prática da cidadania. Ou melhor, o acesso à justiça e a democratização dos direitos tornam-se premissas básicas para o exercício da cidadania e o incremento do desenvolvimento
Anota-se que o desenvolvimento como liberdadepode ser interpretado como o desenvolvimento como expansão de capacitações, entendida a capacidade como a liberdade substantiva de fazer escolhas conscientes de estilos de vida (SEN, 2000, p. 140). É nesse ponto que as normas de proteção aos direitos humanos, especialmente o acesso à Justiça granjeia relevo como norte ideológico-político-jurídico de modificação de comportamentos.
Sob essa perspectiva, a problemática da desigualdade social ganha outro approach e fica mais evidente, quando transforma o foco da disparidade de renda para a disparidade na distribuição de liberdades e capacidades (SEN, 2000, p. 144). O tema do subdesenvolvimento passa a estar associado as (im)possibilidades de obtenção de renda e de sua conversão em capacidades e em qualidade de vida satisfatória para os indivíduos.
Quando o foco é a América Latina, esse debate torna-se mais delicado e desafiador pelo acentuado déficit social dessa região.
Portanto, as modificações estruturais que exercitam as potencialidades da cidadania são fundamentais para a superação do subdesenvolvimento. E o acesso à justiça parece ser o meio mais hábil para essa transformação social, já que é um instrumento à disposição do cidadão para sua emancipação e construção da sua própria liberdade pelos direitos, tanto na esfera privada quanto na esfera pública.
Porém, não seria suficiente a previsão abstrata de um número indeterminado de direitos sem que, concretamente, seja possível acessar e utilizar tais direitos. Por isso, o ponto nodal da efetividade desse acesso à justiça é a igualdade e a democratização de acesso, ou melhor, reporta-se à temática da primeira onda do acesso à justiça, dita alhures, qual seja, a luta por um modelo de assistência jurídica gratuita aos necessitados.
A ideia agora desenvolvida fica bastante clara em Amartya Sen, para quem “às vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica”(2000, p. 17). Artur Alves Pinho Vieira capta admiravelmente essa preocupação:
As barreiras encontradas por grande parte da população, em especial a mais pobre, no que diz respeito à efetivação de seus direitos, seja pela via judicial ou administrativa, são, sem dúvidas, um grande entrave ao processo de busca da liberdade, importando numa sensível redução do desenvolvimento, na perspectiva de Amartya Sen(2016, p. 47).
Por essa razão, as instituições jurídicas criadas para atribuir aos cidadãosseus direitos, como a Defensoria Pública, podem ser tomadasmais como instrumentos democráticos do desenvolvimento do que resultado desse processo.
4 PRIMEIRA ONDA E O MODELO “SALARIED STAFF”: DEFENSORIA PÚBLICA
A assistência jurídica para os necessitados é instrumento de destacada importância para que se possa alcançar a efetiva igualdade jurídica entre os homens, fundamento da democracia.
No que concerne à problemática da primeira onda, imperioso é destacar que o acesso à justiça não se confunde apenas com a acessibilidade formal aos serviços judiciários, mas, constitui direito de grande relevância que obriga o ente governamental a adotar medidas concretas que tornem efetiva a conscientização e, por conseguinte, a concretização dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos.
Com mais argúcia esclarece Cichocki Neto:
A expressão “acesso à justiça” engloba um conteúdo de largo espectro: parte da simples compreensão do ingresso do indivíduo em juízo, perpassa por aquela que enforca o processo como instrumento para a realização dos direitos individuais, e, por fim, aquela mais ampla, relacionada a uma das funções do próprio Estado a quem compete, não apenas garantir a eficiência do ordenamento jurídico; mas, outrossim, proporcionar a realização da justiça aos cidadãos (2001, p. 41).
O Poder Judiciário é apenas um dos meios que possibilita o reconhecimento e a efetivação de direitos. O verdadeiro objetivo está na acessibilidade judicial e extrajudicial à uma ordem jurídica justa, alcançável a todos, notadamente, aos mais necessitados, auxiliando assim ao propósito de estabelecimento de uma igualdade formal e material para toda a população.
E, essa acessibilidade para os menos afortunados, somente é possível por intermédio da criação de uma estrutura de assistência jurídica. Diferentes modelos têm sido adotados para esse desiderato, conforme assinala Cleber Francisco Alves que há:
1) os sistemas que funcionam com advogados autônomos, os quais atuam sem receber contraprestação pecuniária dos cofres públicos, a título pro bono, em regime assistencial-caritativo; 2) os sistemas que funcionam com advogados assalariados, que trabalham normalmente em regime de dedicação exclusiva, cuja remuneração provém direta ou indiretamente dos cofres públicos, também denominado de “Salaried Staff Model”; 3) os sistemas que funcionam com advogados autônomos, que atuam como profissionais liberais e que são remunerados na base do caso-a-caso pelos cofres públicos, também denominado de “Judicare”; e 4) os sistemas mistos ou híbridos que adotam diversas modalidades de combinações possíveis entre os modelos básicos acima mencionados (2006, p. 76).
Cada um desses modelos de assistência jurídica à população de baixa renda possui seus pontos positivos e pontos negativos, conforme uma análise de abrangência, de economia e de efetiva transformação social.
O primeiro modelo possui como entrave a quantidade de demandas existente para uma pequena parcela de voluntários e a dificuldade de fazer arranjos sistematizados e planejados para melhor garantir o acesso à ordem jurídica justa para a população carente. É um modelo para situações pontuais que precisa ainda contar com a disponibilidade de altruísmo alheio, sendo, portanto, inviável para repensar o acesso à justiça como um projeto de transformação social e direito de emancipação (ALVES, 2006, p. 91).
O segundo modelo, salariedstaff, tem como ponto positivo a possibilidade de fazer do acesso à justiça uma política pública sistematizada e abrangente de conscientização de direitos e de emancipação do cidadão de baixa renda. Logo, sua estrutura, a priori, permite alcançar mais resultados para uma efetiva transformação social do indivíduo e da coletividade, atendendo de forma mais concreta o pressuposto de liberdades substantivas, construção teórica de Amartya Sen.
Assim também manifestaCappelletti e Garth:
As vantagens dessa sistemática (o staff model) sobre o judicare são óbvias. Ela ataca outras barreiras ao acesso individual, além dos custos, particularmente os problemas derivados da desinformação jurídica pessoal dos pobres. Ademais, ela pode apoiar os interesses difusos ou de classes das pessoas pobres. Esses escritórios, que reúnem advogados numa equipe, podem assegurar-se as vantagens dos litigantes organizacionais, adquirindo conhecimento e experiência dos problemas típicos dos pobres. Advogados particulares, encarregados apenas de atender a indivíduos, geralmente não são capazes de assegurar essas vantagens. Em suma (...) esse modelo norte-americano: 1) vai em direção aos pobres para auxiliá-los a reivindicar seus direitos e 2) cria uma categoria de advogados eficientes para atuar pelos pobres, enquanto classe (1998, p. 40).
Contudo, possui a desvantagem de representar mais um custo para owelfarestate. E, ainda, pode haver uma incongruência entre o fato de o órgão instituído para esse desiderato ser financiado pelo governo, ao mesmo tempo em que pode se voltar contra várias das políticas estatais(CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 15).
A ideia do terceiro modelo chamado de sistema “judicare” é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se pudessem pagar um advogado. Porém esse método tem como característica volta-se para a defesa eminentemente individual do assistido, desconsiderando a importância do enfoque nos direitos coletivos. Além disso, não há a preocupação com a formação de uma consciência dos direitos cabíveis às pessoas. As pessoas que, em regra, mais sofrem violação de seus direitos, são também as mais prejudicadas pelo fato de sequer saber identificá-los. É um modelo que exclui os grupos de baixa renda mais vulneráveis.
Dessa incursão, depreende-se que a figura institucional da Defensoria Pública se enquadra no modelo salaried staff, o qual tem ampla adesão dos países sul-americanos, conforme será demonstrado.
É com o objetivo de construir um retrato defensorial nesse continente, que se passa a traçar breves comparações entre os principais países da América Latina. Conforme ressalta Carlos Ferreira de Almeida:
O estudo de direito comparado é uma ferramenta útil por várias razões: proporciona um melhor conhecimento do próprio sistema jurídico e de seus institutos, aprimora a interpretação das normas jurídicas, serve de referência para a construção de uma política legislativa melhor qualificada e potencializa a compreensão da cultura, dos valores e dos costumes de outros países (1998, p. 93).
Os dados são extraídos do “Diagnóstico de la Defensoría Pública en América” publicado em 2012 pela a Asociación Interamericana de Defensorías Públicas (AIDEF, 2012). Os países em estudo serão: Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, República Dominicana, Uruguay e Venezuela.
5 DEFENSORIAS PÚBLICAS NA AMÉRICA LATINA
Nesse tópico foram destacados quatro parâmetros para análise do estado atual na oferta de serviços por parte das Defensorias Públicas nos países contemplados pela pesquisa. Os critérios para avaliar a capacidade e a amplitude de alcance dessas diferentes instituições[54] na garantia do acesso à justiça, serão: 1) autonomia administrativa e financeira; 2) matérias de atuação; 3) atuação em direitos coletivos; 4) cobertura no território nacional.
5.1 Autonomia administrativa e financeira
A autonomia administrativa e financeira está relacionada à capacidade institucional de autogestão com patrimônio próprio, isto é, a auto-organização administrativa e financeira para cumprir sua missão, permitindo à instituição vincular-se apenas ao cumprimento da Constituição e das leis e desobrigando-ade cumprir ordens ou recomendações de outros órgãos ou Poderes (BARROSO, 2009, p. 177).
Extrai-se que a autonomia administrativa e financeira configura instrumento válido e fundamental para a consecução de um projeto institucional, mormente, para a garantia da liberdade de atuação dos membros, defensores públicos, impedindo a relativização da proteção dos direitos dos assistidos por ingerências e interesses governamentais externos, o que parece inevitável nas situações de dependência financeira.
Nota-se que as Defensorias Públicas da Bolívia, Brasil, Chile, El Salvador, Guatemala, República Dominicana e Venezuela gozam da autonomia administrativa e financeira, sendo que no caso do Brasil, El Salvador e Venezuela essa autonomia é prevista nas respectivasConstituições, o que robustece essa prerrogativa (AIDEF, 2012).
Já na Costa Rica, Honduras, Panamá e Uruguai as defensorias não possuem qualquer autonomia ou personalidade jurídica própria para gerir um patrimônio (AIDEF, 2012). Inclusive, na maioria desses países, a previsão institucional está na própria lei orgânica de organização do Poder Judiciário. Nesses casos, a Defensoria Pública não passa de um órgão do próprio Poder Judiciário, o que pode arrefecer sua atuação.
No México, a Defensoria Pública também não detém qualquer autonomia (AIDEF, 2012). Porém, é um órgão setorizado na Secretaria de Governo.
O propósito axiomático de examinar a autonomia administrativa e financeira é ventilar qual desses modelos possui maior potencial para a transformação social e alcance da noção desenvolvimento pretendido.
Logicamente, nos países em que essa autonomia é garantida, a instituição possui mais competência e aptidão para atingir o desiderato do acesso à justiça, não só porque esse serviço público passa a ter certa primazia política, mas pela possibilidade de prover esses órgãos de defesa da cidadania de melhorias nos aspectos de pessoal e de estrutura, para o seu bom funcionamento, conferindo-lhes a liberdade plena de atuação e de elaboração de seus planos administrativos e orçamentários estratégicos, condignos e compatíveis com um projeto mais eficaz.
5.2 Matérias de atuação
Nesse tópico faz-se uma comparação das atribuições conferidas para as Defensorias Públicas quanto à espécie de direitos para a qual se permite ao membro da instituição atuar. Em outras palavras, trata-se de checar a amplitude de acesso à justiça gratuita garantido aos cidadãos dos diferentes países.
Países no qual o órgão defensorial cinge sua atuação a pouco ramos, apequenam os direitos humanos e cravam um patamar de desigualdade de acesso à justiça. Pois, os que possuem melhores condições econômicas terão acesso a todos os direitos previstos no ordenamento jurídico, enquanto os demais terão pouca cobertura de direitos.
Bolívia, Chile, El Salvador, República Dominicana restringem a atuação do órgão para matérias penais e afetas, como execução penal e infância e juventude. Costa Rica vai um pouco além e inclui a atuação em curatela de direito de família (AIDEF, 2012).
Guatemala e México incluem o direito indígena e agrário, sendo que o México estende a atuação também para a área civil (AIDEF, 2012).
Honduras, Panamá, República Dominicana, Uruguai e Venezuela possuem atuação em um extenso rol de direitos, com algumas ressalvas, enquanto no Brasil, por previsão constitucional, a assistência jurídica gratuita é integral, incluindo todos os ramos de atuação (AIDEF, 2012).
Em suma, quanto maior a abrangência de direitos abarcadas pela atuação da Defensoria Pública maior é a potencial observância do direito humano ao acesso à justiça e de sua implicação no fomento de diferentes dimensões da liberdade substantiva.
5.3 Atuação em direitos coletivos
Nesse mote a apreensão ainda é com relação à amplitude das atribuições das Defensorias Públicas, mas com especial atento à capacidade de resguardo dos direitos transindividuais, problemática cada vez mais atual no debate jurídico e já cunhadacomoterceira onda por Cappelletti e Garth(1998, p. 31).
Cediço que “os direitos transindividuais se originaram de conflitos sociais instaurados no último século, obrigando o reconhecimento e a proteção de direitos como a educação, segurança, meio ambiente, saúde, dentre outros de natureza fluída, cuja titularidade compete a todo cidadão” (GOMES JUNIOR, 2008, p. 4).
E o que caracteriza os direitos transindividuais não é apenas o fato de serem compartilhados por vários titulares individuais reunidos pela mesma relação fática ou jurídica, mas também pela necessidade de substituir o acesso individual à justiça por um acesso coletivo, o que permitirá a solução de conflitos com mais eficiência, evitando assim a insegurança jurídica.
As Defensorias Públicas por atuarem, a priori, na tutela individual, possuem um radar natural que as autoriza a identificar muito mais rápido o dano coletivo e o seu reparo (MACEDO SILVA, 2013). Por conseguinte, modelos de Defensoria Pública que atuam na proteção de direitos coletivos lato sensu possuem maior capacidade de transformação social, tornando mais igual e eficiente o acesso à justiça.
Nesse item, apenas o Brasil, Honduras e República Dominicana atendem a expectativa de atuação nos direitos coletivos. Nos demais países, a competência das Defensorias Públicas limita-se à tutela individual e há motivo (AIDEF, 2012).
Nos países latinos criou-se a figura do Defensor del Pueblo[55]para a tutela transindividual. A DefensoríadelPueblo é uma espécie de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, ou Ombudsman e não se confunde com assistência jurídica ou defensa pública. O Defensor del Pueblo não integra uma carreira e sua nomeação é política para mandatos (MELO, 2012).
5.4 Cobertura no território nacional
Por fim, neste tópico a preocupação reside na identificação da extensão dos serviços das Defensorias Públicas em cada unidade nacional. Refere-se ao seu estágio de implantação quanto à sua disposição aos cidadãos para o atendimentodo maior número de localidades possíveis.
Em regra, todos países assinalaram que há atendimento em todo o território nacional, salvo Brasil, México e República Dominicana que informam insuficiência de número de membros para a demanda (AIDEF, 2012).
Nesse aspecto, pode-se observar que a dimensão territorial e populacional de cada unidade nacional interfere no alcanceda completude de acesso à justiça, já que o Brasil e o México são os países do diagnóstico com maior população e maior área de extensão.
Quanto ao Brasil, a Emenda Constitucional nº 80 de 2014 acrescentou uma previsão no art.98 do Ato das Disposições Transitórias no sentido de que no prazo de oito anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, devendo a lotação seguir as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.
CONCLUSÃO
O direito do acesso à justiça não é apenas uma garantia constitucional, é uma prerrogativa associada aos Direitos Humanos, dotada de grande importância quando se considera o desafio de transformação das estruturas sociais e políticas construídas na modernidade.
A locução acesso à justiça tem uma difícil definição em razão da ampla abrangência de seu significado, pois compreende todos os meios a que se destina a um fim, a saber: a reivindicação dos direitos dos cidadãos, orientação jurídica, educação de direitos e a solução dos litígios dos indivíduos, por meio de um sistema que deve proporcionar não só o acesso a todos aos resultados e soluções justas, mas, principalmente, a ampliação das capacitações.
Um dos desafios do acesso à justiça pode ser resumido na denominada primeira onda,expressão cunhada por Mauro Cappelletti e BriantGarthparafazer referênciaà necessidade de criação de estruturas de assistência jurídica para a população desfavorecida, sob penade violaçãoao princípio da igualdade, assim como de se operar em descumprimentoao direito humano de acesso à justiça.
E mais do que a distinção terminológica, o imperioso é que a assistência jurídica se torne efetiva e desempenhe a nobre função de humanizar o acesso à ordem jurídica, deixando o diminuto papel de mera assistência judiciária. Não se trata, aqui, da garantia meramente formal do direito de ação, mas sim, do acesso efetivo e pleno à Justiça, à ordem jurídica, da possibilidade do ser humano conviver em uma sociedade onde o direito é instrumento de exercício e acréscimo da liberdade substantiva. Em outras palavras, assistência jurídica entende-se como acesso à justiça em sua plenitude e não acesso ao Judiciário.
É por meio das Defensorias Públicas, salaried staff model, que a América Latina tem cumprindo sua política pública de garantir o acesso à Justiça das pessoas desprovidas de recursos financeiros para fazer frente às despesas com advogado e custas do processo. A criação de mecanismos para permitir que qualquer pessoa possa pleitear seus direitos, independentemente de seus recursos materiais, é um dos mais importantes e fundamentais instrumentos de afirmação dos direitos humanos e, consectariamente, do desenvolvimento no Estado Democrático de Direito.
A ideia de acesso à justiça inclusivo coaduna com a proposta de desenvolvimento de Amartya Sen na qual se vislumbra a ampliação das capacidades pessoais como o fim do processo de desenvolvimento, ao revés das abordagens tradicionais que avaliam e medem este processo com base nos meios ou instrumentos do desenvolvimento – a renda, a riqueza, a industrialização, a acumulação de capital. O foco da avaliação são as pessoas, consideradas sob o aspecto de suas liberdades na concepção de fim e meio para o desenvolvimento.
Para essa linha teórica, desenvolver uma comunidade, uma sociedade, um país, destarte, é ampliar a capacidade de seus membros de viverem do modo que, com razão, desejam e valorizam. Portanto, a avaliação de uma política de desenvolvimento deve procurar medir os efeitos dessa política sobre a extensão das capacidades dos indivíduos de forma democrática. E é por isso que esse deve ser o próprio propósito do acesso à justiça conferido pelas Defensorias Públicas na América Latina.
O estudo comparado teve como objetivo avaliar em que medida e alcance as Defensorias Públicas de cada país seriam capazes de atender as premissas de desenvolvimento como liberdade, a partir da amplitude garantida de acesso à justiça.
Para tanto, quatro elementos foram sopesados de cada modelo de Defensoria Pública, quais sejam: 1) autonomia administrativa e financeira; 2) matérias de atuação; 3) atuação em direitos coletivos; 4) cobertura no território nacional.
A conclusão é que os modelos encontrados, em sua grande maioria, ainda carecem de uma grande transformação para cumprir o desiderato pretendido. Observa-se que a maior parte das Defensorias Públicas não possui sequer autonomia administrativa para se auto organizarem para melhor cumprir seu papel.
Aliás, adverte-se que, segundo os dados comentados, na maior parte dos países pesquisados, esse modelo salaried staff foi uma opção mais propriamente de assistência jurídica para demandas criminais do que uma política pública de acesso à justiça como instrumento de ampliação de oportunidades e capacidades. Os âmbitos de atuação das defensorias tendem a um rol limitado de direitos e não prezam por uma assistência jurídica integral – pretensão adota no sistema brasileiro.
Tal fato é corroborado com a constatação que apenas no Brasil, Honduras e República Dominicana, a Defensoria Pública possui legitimidade para a cogente atuação em direitos coletivos.
E ainda, os sistemas comparados parecem, em geral, se esgotar no âmbito judicial. Os defensores públicos, como agentes de promoção da dignidade da pessoa, deveriam atuar extrajudicialmente, difundindo mecanismos alternativos de solução de controvérsias e, especialmente, participando diretamente junto às comunidades e aos movimentos sociais inclusive com a colaboração efetiva na educação e capacitação jurídica da população. Mas essa perspectiva não demonstra ser, a priori, os desígnios das Defensorias Públicas sul-americanas.
Esse diagnóstico é uma grande oportunidade de agregar dados e traçar análises dos países do continente Americano que adotam diferentes soluções para a garantia do direito de acesso à justiça. O intercâmbio de informações é essencial para se conhecer as distintas experiências e perfis desse órgão, que ainda demonstra ser muito insipiente e não conhecer seu verdadeiro potencial.
Em linhas gerais, o modelo brasileiro ainda que deficitário e sujeito a críticas, favorece mais a implementação de uma política mais diretiva às causas sociais dos conflitos e aquelas à margem de qualquer acesso ao conhecimento do direito, o que vai ao encontro do conceito mais alargado de acesso à justiça que permeia todo este estudo, o que inclui a função de orientação e educação em direitos, tornando essa capacitação uma fonte de emancipação e uma ação impulsora do desenvolvimento social.
É imperativo abalizar um modelo de assistência jurídica pleno, integrador, responsivo e inclusivo que opere com a técnica jurídica tradicional e também com ferramentas educativas e políticas que criam um novo poder democrático na mão dos mais pobres: a liberdade de construir sua própria transformação social.
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AS CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS DA CORRUPÇÃO NOS DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS NO BRASIL: AS PESSOAS MAIS POBRES COMO AS PRINCIPAIS VÍTIMAS
THE NEGATIVE CONSEQUENCES OF CORRUPTION ON FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS IN BRAZIL: THE POOREST PEOPLE AS THE MAIN VICTIMS
Rogério Gesta Leal*
Caroline Fockink Ritt**
RESUMO: O presente artigo traz a definição do que é considerado corrupção, e a dificuldade de sua conceituação. Baseando-se em dados da Transparência Internacional, em 2016, nosso país está dentre os mais corruptos do mundo. A FIESP realizou uma pesquisa demonstrando os direitos sociais e fundamentais que o Brasil deixa de realizar devido à ocorrência da corrupção. Concluímos que são justamente as pessoas mais pobres as maiores vítimas, que acabam não tendo direitos sociais fundamentais atendidos.
Palavras-chave: Corrupção. Direitos Sociais Fundamentais. Prejuízos
ABSTRACT: The present article brings the definition of what is considered corruption, and the difficulty of its conceptualization. Based on data from Transparency International in 2016, our country is among the most corrupt in the world. FIESP conducted a survey demonstrating the social and fundamental rights that Brazil fails to fulfill due to the occurrence of corruption. We conclude that it is precisely the poorest people who are the main victims, who end up not having fundamental social rights taken care of.
Keywords: Corruption. Fundamental Social Rights. Losses
Recebido: 13.05.2017
Aprovado: 11.06.2017
1 INTRODUÇÃO
No presente artigo, tentamos trazer algumas das definições do que é a corrupção, ressaltando a dificuldade de sua definição. Num segundo momento, trazemos índices publicizados pela Transparência Internacional, uma organização não governamental, que foi fundada em 1993 por um grupo de executivos do Banco Mundial e que desde 1995 estuda o problema utilizando uma série de índices, divulgando, anualmente, um quadro analítico, contendo um amplo estudo da corrupção em inúmeros países do mundo. Para isso, obtém informações junto a empresários, analistas, usuários de serviços públicos, como também à população em geral.
E com relação à sua ocorrência, vamos observar que o nosso país está entre os mais corruptos do mundo. Traremos um estudo da FIESP, onde demonstra todos os direitos sociais fundamentais que o Brasil deixa de realizar, devido aos custos de desvios de dinheiro público, causados pela corrupção, e que traz para o Brasil graves consequências sociais, principalmente com relação ao prejuízo na efetivação de direitos sociais fundamentais que estão garantidos pela Constituição Federal.
A corrupção também está ligada diretamente à má governança, causando distorções no planejamento e na execução das políticas públicas, tornando a sua execução mais custosa para o poder público
E concluímos que, diante dos desvios causados pelas práticas corruptivas, são as pessoas mais pobres as maiores vítimas, pois deixam de ter direitos sociais mínimos garantidos ou realizados pelo Estado.
Considerando-se que o trabalho é de natureza bibliográfica, o ‘método de abordagem’ a ser adotado no seu desenvolvimento será dedutivo. Estabelecer-se-á a demarcação teórica de categorias fundamentais à pesquisa, a saber: que a corrupção é um fenômeno social e institucional multidisciplinar, razão pela qual tem de ser tratada com amplo espectro investigativo.
Em termos de ‘técnica da pesquisa’, utilizar-se-á documentação indireta, com consulta em bibliografia de fontes primárias e secundárias, tais como: publicações avulsas, jornais, revistas especializadas na área da pesquisa, livros, periódicos de jurisprudência, etc., tanto nacionais como internacionais, especializados na matéria investigada.
2 CORRUPÇÃO: ALGUMAS CONCEITUAÇÕES INTRODUTÓRIAS E A DIFICULDADE DE SUA DEFINIÇÃO
A corrupção é um fenômeno social que está presente em toda a história da humanidade. Desde os tempos remotos há notícia de uso indevido do poder para a obtenção de vantagens pessoais. Portanto, não nos enganemos: a corrupção não é um fenómeno de hoje. Sêneca escreveu há muitos séculos que a corrupção é vício dos homens, não dos tempos (PÉREZ, 2014, p. 35).[56]
Antes de partir para o enfrentamento da corrupção, é necessário ter consciência da sua complexidade e das diferentes perspectivas a partir das quais se pode abordá-la.
O fenômeno da corrupção é tão antigo qanto o próprio homem. Existe desde o surgimento do poder. Mas, no último quarto do século XX, devido à sua generalização e aos altos índices registrados de sua ocorrência, que aconteceu uma preocupação maior com a ocorrência da corrupção, tanto na esfera pública, como na esfera privada. A corrupção está intimamente ligada ao poder, tanto ao poder político como ao poder econômico, pois existe uma relação íntima entre ambos[57] (PÉREZ, 2014. 4, p. 37-38).
Quando nos perguntamos: o que é corrupção?, ustamente uma das dificuldades desse estudo encontra-se em defini-la. Embora possa parecer uma questão semântica, como a corrupção é definida, na verdade acaba por determinar como ela é estudada e como será medida. Embora seja difícil chegar a acordo sobre uma definição precisa, há um consenso de que a corrupção se refere a atos em que o poder do cargo público é usado para ganhos pessoais de uma forma que viola as chamadas “regras do jogo” (JAIN, 2001. p. 73.).[58]
O fenômeno da corrupção possui uma dimensão legal, histórica e cultural que não pode ser negligenciada quando se pretende estudá-la. (BEZERRA, 1995, p. 12)
As causas da corrupção são sempre contextuais, enraizadas na política do país, nas tradições burocráticas, no desenvolvimento político e na história social. Ainda assim, a corrupção tende a florescer quando as instituições são fracas e as políticas governamentais geram rendas econômicas[59] (THE WORLD BANK GROUP. 1997).
É possível abordá-la como uma questão filosófica; abordá-la numa perspectiva econômica; ou como questão político-cultural, indagando, por exemplo, por que em determinados países a “grande corrupção” é punida com penas duras, incluindo a pena de morte, e, em outros, com penas brandas, quando chegam a ser usadas. Ou até é tratada como uma infração da norma penal, descartadas as considerações filosóficas, econômicas e político-culturais (SILA, 2008, p. 575-576).
O termo corrupção abrange uma ampla gama de ações humanas. Para compreender seu efeito sobre a economia ou sobre um sistema político, necessário relacionar o termo com tipos específicos de atividades ou operações que possam estar relacionadas a ela. Uns definem-na como o abuso de cargo público na administração pública, para fins privados, como, por exemplo, quando um funcionário aceita, solicita ou extorque através do suborno. Ela também existe quando os agentes privados oferecem ativamente subornos para controlar as políticas e os processos públicos, com objetivo de obter uma vantagem competitiva e lucro[60] (THE WORLD BANK GROUP. 1997).
Embora a corrupção seja um assunto tão antigo quanto a reflexão sobre o exercício do poder público, a verdade é que a própria definição da corrupção não deixa de ser problemática, quando a abordamos sob perspectiva de seu estudo científico, devido, justamente, à multiplicidade de significados que podem ser atribuídos ao termo (GÓMES, 2016, p. 163).
Atualmente encontramos várias abordagens legais referentes à corrupção, tanto nas esferas penal, civil e também na administrativa. Na França, pelo documento intitulado: “La corruption: définition et sanctions” da Lei-Finance, ela é conceituada como sendo uma má conduta, inclusive criminosa, onde uma pessoa, que é o corrupto, solicita, aceita ou aprova uma vantagem, ou “presente”. Oferece ou promete presentes ou outros benefícios de qualquer tipo, para que assim sejam realizados, atrasados ou até que se deixe de fazer um ato, que está ligado diretamente ao âmbito de suas funções (DROIT-FINANCES, 2016).[61]
A corrupção também é considerada a ação e o efeito de corromper, no sentido de depravar, de subornar alguém, de perverter e produzir danos. O conceito, segundo o dicionário da Real Academia Espanhola (RAE), é usado para definir o vício ou abuso de coisas não materiais. Corrupção, portanto, pode ser uma depravação moral ou simbólica[62] (PORTO; MERINO, 2014).
A apropriação de bens do Estado, por funcionários encarregados de sua gestão, também é considerada corrupção. A forma extrema acontece quando gestores de empresas e outros funcionários se apropriam, em grande escala e de forma espontânea, de bens do Estado. No outro extremo estão as pequenas apropriações, de itens como artigos de escritório, veículos e combustível. Os autores das pequenas apropriações são geralmente funcionários de nível mais baixo, e onde não existem sistemas de controle de ativos. Quando existem, esses controles são muito fracos, com pouca capacidade institucional de identificar e punir os infratores[63] (THE WORLD BANK GROUP. 1997).
Assim, a corrupção seria um mecanismo de apropriação ilegítima de rendas por parte de um grupo, ao custo da maioria da sociedade, por meio da reprodução de instituições políticas e econômicas que, em razão de atenderem essa apropriação de rendas, se denominam “extrativas” (GÓMES, 2016, p. 169-170).
A questão da corrupção é, pois, muito ampla e envolve, na verdade, qualquer locupletamento indevido decorrente da prática de ato ilegal ou antiético, que possa trazer benefícios para alguém ou facilitar alguma atividade, ainda que esta seja legítima para outrem. Em outro sentido, a corrupção é a prática de fazer abuso de poder, função ou meios de obter vantagem econômica por outro meio (PORTO; MERINO, 2014). [64]
Corrupção é também a prática de comportar-se de maneira indevida para obter algum benefício para si ou para outrem, ainda que sem conteúdo econômico. Dessa forma, nesse conceito amplo, podem ser considerados atos de corrupção o do empregado que assina livro de presença por outro ou o funcionário que pula a catraca controladora de entradas e saídas para assim burlar a vigilância de horário de expediente (GRECO FILHO, 2015, p. 16).
O tráfico de influência, suborno, extorsão e fraude são algumas das práticas corruptas que se refletem em ações, como dar dinheiro a um funcionário público para ganhar uma licitação ou pagar suborno para evitar uma prisão, por exemplo. A corrupção se liga a outros crimes, quando ocorre, com a prática da corrupção, a permissão de que se realize algo ilegal. Por exemplo: um policial está corrompido se ele receber dinheiro de um homem para deixá-lo roubar uma casa sem interferência da polícia. Nessa situação duas infrações estarão interligadas: a prática de corrupção e o roubo[65] (PORTO; MERINO, 2014).
A questão de definição do que são comportamentos corruptivos envolve aspectos muito amplos, pois se observa que ela se desenvolve e ocorre conforme práticas e componente ético de determinado grupo social, em determinado período histórico.
Observa Gesta Leal (2013, p. 82) que não há, na tradição do pensamento político ocidental, consenso sobre o que vem a ser a corrupção. Não há uma definição exata nesse sentido e também não se pode falar de uma Teoria Política da Corrupção. Existem, sim, diferentes abordagens sobre o tema, a partir de marcos teóricos e filosóficos específicos.
Sendo tão antiga, quanto a própria civilização, a corrupção é comprovada, atualmente, por dados estatísticos, que são publicizados por organismos internacionais. No presente estudo, daremos preferência, no enfoque de dados de publicização, à entidade germânica, não governamental e sem fins lucrativos, que é chamada de Transparência Internacional. Fundada em 1993 por um grupo de executivos do Banco Mundial, desde 1995 estuda o problema utilizando uma série de índices que buscam delinear os atores envolvidos e a intensidade da corrupção. Anualmente, divulga um quadro analítico, contendo um amplo estudo da corrupção em inúmeros países do mundo. Para isso, obtém informações junto a empresários, analistas, usuários de serviços públicos, como também à população em geral.
3 ÍNDICES ATUAIS DA OCORRÊNCIA DA CORRUPÇÃO NO MUNDO E NO BRASIL, CONFORME A ONG TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL
A Transparência Internacional, que é uma Organização não Governamental (ONG) internacional, começou a atuar em princípio dos anos 90. Atualmente é considerada entre as maiores, senão a maior, nesse setor, fazendo pesquisas junto a organismos empresariais para analisar a percepção a respeito dos níveis e graus de corrupção que existe nos países. Define a corrupção como sendo o uso indevido das atribuições públicas para obter benefícios privados. Definição considerada ampla e ambígua, capaz de abarcar desde as mais insignificantes até as maiores patologias imagináveis (OSÓRIO, 2013, p. 28).
Muitas são as críticas que a referida ONG recebe, por não tratar de dados oficiais de algum organismo público, nem mesmo dados que estão imunes a controvérsias e polêmicas. Mas, levando-se em conta a posição internacional da referida ONG, suas atuações, em mais de uma centena de países e sua reconhecida idoneidade para os fins a que se propõe, são oportunas, ao menos no ponto de vista sociológico, pois visa publicizar as informações trazidas por ela com relação à corrupção (OSÓRIO, 2013, p. 29).
Com relação às críticas que se fazem aos métodos utilizados por organismos como o Banco Mundial e mesmo a International Transparency (que é afilhada do Banco Mundial), argumenta por que com elas não concorda, mas, ao mesmo tempo, também reconhece que não se pode simplesmente ignorar por completo informações e dados que tais investigações trazem ao público, pois essas informações são valiosas para o enfrentamento complexo da matéria (LEAL, 2013, p. 94).
Os três principais estudos, realizados pela referida ONG: “índice de percepção da corrupção”, “barômetro global da corrupção” e “índice de pagadores de suborno”, possuem como objetivo o de expor, de forma sintética, aos dirigentes de cada um dos países pesquisados e à comunidade internacional, os diferentes graus de corrupção que degeneram suas estruturas organizacionais. Num segundo momento, estes estudos, quando os índices são publicizados, poderão atuar como um elemento que estimule políticas públicas, tendentes, justamente, a atenuar a corrupção[66] (GARCIA, 2013, p. 60-61).
A Transparência Internacional publicizou os índices da Percepção da Corrupção do ano de 2016. A pontuação média do referido índice, foi de 44 em 100 para as Américas. Observa-se que, quando fica abaixo de 50, tal indica que os governos estão falhando em combater a corrupção. Em muitas partes da região, a impunidade continua a ser um grande problema. Mesmo em países onde estão sendo combatidos casos de corrupção em grande escala, o risco continua, uma vez que é o resultado dos esforços de um pequeno grupo de indivíduos corajosos e não um plano de longo prazo. No ano de 2016, a Transparência Internacional considerou que, nas Américas, a Venezuela, possui uma pontuação de 17, que é o índice mais baixo da região. Ressaltou a ONG que, no ano passado, centenas de milhares de cidadãos protestaram contra o governo da Venezuela. No México, enquanto o governo tenta limpar a imagem do país através de uma série de reformas, os escândalos de corrupção continuam crescendo e o índice de aprovação do presidente está em seu nível mais baixo. Com uma perda de 5 pontos no índice deste ano, o México é o maior declinador da região [67] (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
Conforme a referida ONG, nenhum país se aproxima de uma pontuação perfeita no Índice de Percepção de Corrupção de 2016. Publiciza que mais de dois terços dos 176 países e territórios no índice do ano de 2016 caem abaixo do ponto médio da escala proposta, escala de 0 (altamente corrupto) para 100 (muito transparente). A pontuação média global é de 43, indicando a corrupção endêmica no setor público de um país[68] (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
Os resultados da Transparência Internacinal, com relação à Percepção da Corrupção de 2016, destacaram a conexão que existe entre a corrupção e a desigualdade. Uma acaba influenciando diretamente na outra, criando um círculo vicioso entre a corrupção, a distribuição desigual do poder na sociedade e a distribuição desigual da riqueza. Ressalta-se que, em muitos países, com altos índices de corrupção, as pessoas são privadas de suas necessidades consideradas mais básicas. São inúmeras pessoas que vão para a cama com fome todas as noites por causa da corrupção, enquanto os poderosos e corruptos desfrutaram esplêndido estilo de vida como consequência da impunidade[69] (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
O Brasil fechou o ano de 2016 ocupando o 79º lugar num ranking sobre a percepção da corrupção no mundo composto por 176 nações. Conforme a Transparência Internacional, o índice brasileiro foi de 40 pontos, dois a mais que o registrado no ano anterior, mas o país ainda ficou três posições abaixo do 76º lugar alcançado em 2015. A escala utilizada pela entidade varia de 0 (altamente corrupto) a 100 pontos (muito transparente) (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
No ranking atual, o Brasil aparece empatado com Bielorrússia, China e Índia. Dinamarca e Nova Zelândia lideram com 90 pontos cada, enquanto a Somália ocupa a última posição, com 10 pontos. A média global é 43 pontos, o que, segundo a ONG, revela uma espécie de “corrupção endêmica” no setor público de diversas nações (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
Ao mesmo tempo, a referida ONG ressalta que 2016 também foi um ano notável, pois grandes investigações de corrupção continuaram a ocorrer para além das fronteiras nacionais. Exemplificando com os casos da Odebrecht e da Petrobras e da FIFA, onde se assiste o aumento da comunicação e da cooperação entre os reguladores e aplicadores da lei, em toda a região e em partes da Europa e dos Estados Unidos. Diante dos índices, considera a ONG que o ano de 2016 teria marcado o início de uma mudança, ou seja, de uma aplicação mais ativa pelas autoridades, respondendo a essas demandas públicas, mas, ao mesmo tempo, há um longo caminho a percorrer com relação à corrupção[70] (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
Diante dos dados que foram publicizados pela Transparência Internacional, no ano de 2016, observa-se que o Brasil piorou com relação aos índices de práticas corruptivas. Estamos diante de dados que são considerados nada animadores. E a corrupção tem custos sociais muito altos, sendo, justamente, as pessoas pobres as maiores vítimas. Esse ponto que iremos abordar no item que segue.
4 EFEITOS NEGATIVOS DA CORRUPÇÃO COM RELAÇÃO AOS DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS NO BRASIL: AS PESSOAS MAIS POBRES COMO AS SUAS PRINCIPAIS VÍTIMAS
A corrupção tem altos custos, tanto na esfera mundial, como na nacional. Sua ocorrência custa muito caro, provocando o desvio de muitos recursos que poderiam ser devidamente aplicados em políticas públicas, para garantir os direitos sociais previstos na nossa Constituição Federal. Essa é, sem dúvida, uma das piores consequências dos desvios de recursos através de práticas corruptivas. E quando cometida no âmbito estatal, na esfera pública, provoca desvios de recursos que deveriam garantir direitos fundamentais sociais.
Ela traz também consequências com relação à deterioração dos bens públicos, que é provocada por uma administração corrupta. Quando a corrupção se instala na administração, as políticas e os serviços públicos deixam de ser geridos com objetivo de satisfazer o interesse geral. Acabam competindo com a satisfação dos interesses privados (individuais ou de grupo) de seus gestores que são corruptos. Essa caracterização atenta contra a economia do setor público e introduz, além disso, incentivos considerados perversos entre os agentes privados, particulares e até empresas, que, em sua relação com os poderes públicos, acabam introduzindo em suas decisões a variável da corrupção (GÓMES, 2016, p. 166).
Tem efeitos adversos sobre o investimento e sobre o crescimento econômico. Um pagamento de suborno para se obter uma licença de investimento, por exemplo, reduz claramente o incentivo para o investimento. Quando a corrupção se apresenta na forma política, distorce o processo de tomada de decisão relacionada com projetos de investimentos públicos e aumenta o número de projetos realizados em um país, ampliando a dimensão e a complexidade desses projetos. O resultado direto disso é o aumento do peso do investimento público no PIB. Causa uma queda na produtividade média do investimento e restrições orçamentais, provocando uma possível redução em outras categorias de gastos públicos, tais como operação e manutenção da educação e da saúde. Assim, diminui a possibilidade de crescimento do país (MALIK, 2012).[71]
Especificamente em relação à esfera estatal, a corrupção indica o uso ou a omissão, pelo agente público, do poder que a lei lhe outorgou em busca da obtenção de uma vantagem indevida para si ou para terceiros. Ela relega para o plano secundário os legítimos fins contemplados nas normas. O desvio de poder e enriquecimento ilícito são elementos característicos da corrupção que ocorre na esfera estatal (GARCIA, 2013, p. 49).
Ao nos deparar com relatos de práticas corruptivas, cometidas por agentes estatais, na Administração Pública, por exemplo, temos de ter presente que, junto a essas práticas, vamos ter como consequências que algum direito social fundamental não foi garantido para a população.
Quando a corrupção é generalizada, as práticas de suborno e a captação de porcentagens dos valores de contrato por parte de quem decide a sua adjudicação (ou sua formação política) passam a fazer parte da função de custos que determina o preço de um bem ou serviço que é demandado pela Administração. Dessa forma, aumentando-se os custos, como consequência, elevam-se, os gastos da Administração. Tal realidade determina uma maior necessidade de financiamento (contratação de dívida ou aumento dos impostos), impedindo a aquisição de novos bens, a prestação de outros serviços ou a acumulação do capital financeiro resultante de economias (GÓMES, 2016, p. 166-167).
Os bens e serviços contratados por administrações corruptas são geralmente prestados em condições de baixa qualidade. O adjudicatário, que tem consciência de que o fundamento de sua seleção como prestador está no comportamento distorcido do poder adjudicador (e dele mesmo, é claro), conta com poderosas razões para afrouxar o controle sobre a qualidade de bens ou serviços que lhe são fornecidos ou prestados, ou sobre as obras que serão executadas por sua conta (GÓMES, 2016, p. 167).
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, no final do ano de 2003, quando foi assinada a Convenção da ONU que se tornou o primeiro instrumento global de combate à corrupção, confirmou que a “praga” da corrupção provoca perdas econômicas da ordem de 1 trilhão de dólares anuais, segundo estimativa do Banco Mundial. E os danos são proporcionalmente maiores para os pobres (FURTADO, 2005).
As pessoas pobres são as que mais sofrem com a corrupção. Quando o acesso a bens e serviços públicos requer um suborno, os pobres são excluídos. E, por não terem influência política, os pobres podem até mesmo ser convidados a pagar mais do que as pessoas com maiores condições. Além disso, quando a corrupção resulta em serviços públicos de má qualidade, são os pobres que não têm recursos para buscar opções, além daquelas oferecidas pelo Estado, tais como o ensino privado, cuidados privados de saúde ou até geração de energia, que ficam muito prejudicados[72] (THE WORLD BANK GROUP. 1997).
A corrupção prejudica muito mais os povos pobres dos países que estão em desenvolvimento. Afeta suas vidas diárias de várias formas e tende a empobrecê-los ainda mais. Nega a eles a parte dos recursos econômicos que lhes é justa, ou de ajuda para salvar suas vidas. Ela coloca os serviços públicos que são básicos além do alcance daqueles que não podem pagar subornos. Ao desviar recursos, que já são escassos e que deveriam ser direcionados para o desenvolvimento do país, ela também torna difícil a satisfação de necessidades básicas, como a alimentação, a saúde e a educação. Cria discriminação entre os diferentes grupos da sociedade, trazendo desigualdade e injustiça, desencorajando o investimento e a ajuda externa e impedindo o crescimento. Portanto, a corrupção é um grande obstáculo para a estabilidade política e para o sucesso do desenvolvimento social e econômico de um país (NACIONES UNIDAS, p. 01, 2005).[73]
Ela é um fenômeno complexo que tem suas raízes nas instituições burocráticas e políticas. Seu efeito sobre o desenvolvimento varia de acordo com as condições de cada país onde ela ocorre. Prejudica o desenvolvimento, pois leva os governos a intervirem onde não precisa. Como consequência, traz prejuízos para a sua capacidade de adotar e aplicar políticas em áreas em que a intervenção do governo é muito necessária, como, por exemplo, na regulamentação ambiental, na saúde e na segurança (THE WORLD BANK GROUP. 1997).[74]
Considerada como sendo o maior obstáculo ao desenvolvimento econômico e social no mundo, a corrupção prejudica o desempenho econômico e as instituições democráticas, enfraquece o Estado de Direito, perturba a ordem social e destrói a confiança das pessoas no setor público, permitindo, dessa forma, o surgimento do crime organizado, do terrorismo e de outras ameaças à segurança humana[75] (NACIONES UNIDAS, 2005, p. 01).
Nenhum país, seja rico ou pobre, está imune à corrupção. Ela ocorre tanto em setores públicos como também em setores privados. É, no entanto, o setor público que mais sofre com ela[76] (NACIONES UNIDAS, 2005, p. 01).
E, no Brasil, essa realidade não é muito diferente, pois nos deparamos com altos índices de corrupção, e seus custos são muito elevados. Estamos diante de recursos que são desviados e que poderiam estar sendo aplicados em políticas públicas que iriam garantir efetivamente direitos sociais fundamentais, previstos em nossa Constituição Federal.
Conforme a Transparência Internacional, o Brasil é um dos países mais corruptos do mundo. Estima-se que até R$ 130 bilhões são desviados todos os anos com a corrupção. Isso corresponde a cerca de 2,3% do PIB nacional. É tanto dinheiro que, nesse montante, caberia 21,6 vezes o orçamento anual da cidade de Curitiba (estimado, para 2013, em R$ 6 bilhões), que é a oitava cidade mais populosa do país (CAMBI, 2014, p. 13).
O combate à corrupção é o segundo problema que mais mereceria a atenção dos brasileiros a partir de 2008, sendo superado apenas pelos problemas de segurança pública, de acordo com a pesquisa realizada pelo IBOPE em 2007. Conforme o estudo da organização não governamental - Transparência Brasil - em 2003, no setor privado, a corrupção é o segundo maior obstáculo ao desenvolvimento empresarial, sendo superada apenas pela elevada carga tributária (FIESP, 2010, p. 7).
De acordo com pesquisa realizada pela Federação das Indústrias de São Paulo – FIESP, a corrupção pode prejudicar seriamente o desempenho econômico de um país, na medida em que afeta as decisões de investimentos, limita o crescimento econômico, altera a composição dos gastos governamentais, causa distorções na concorrência, abala a legitimidade dos governos e a confiança no Estado. Embora o Brasil tenha reduzido a corrupção percebida entre 2008 e 2009, o país ainda apresenta um índice bastante elevado: de 180 países, o Brasil ocupou, em 2009, a 75ª colocação no ranking de corrupção percebida, elaborado pela Transparência Internacional (FIESP, 2010, p. 4).
Em 2016 o índice brasileiro foi de 40 pontos, dois a mais que o registrado no ano anterior, mas o país ainda ficou três posições abaixo do 76º lugar alcançado em 2015. A escala utilizada pela Transparência Internacional varia de 0 (altamente corrupto) a 100 pontos (muito transparente). No ranking atual, o Brasil aparece empatado com Bielorrússia, China e Índia (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
Com relação a alguns índices, tanto de cometimento, como de custos, com relação às práticas corruptivas, publicizadas por estudos tanto nacionais quanto internacionais, estamos diante de um quadro de realidade que não é considerado animador.
Conforme a pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP, é afirmado que o custo médio anual estimado da corrupção de 1,38% do PIB equivale a R$ 41,5 bilhões (em valores de 2008) e representa 60,2% dos investimentos públicos realizados em 2008 (excluindo os investimentos em estatais federais) e 7,4% dos investimentos totais. Este estudo conclui que o custo médio da corrupção no Brasil é estimado entre 1,38% a 2,3% do PIB, isto é, de R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões (em reais de 2008). Tem-se que 27% do valor que o setor público gasta com educação representa o montante total que se perde com a corrupção no Brasil. O custo da corrupção constitui uma parcela ainda maior do orçamento público da saúde: cerca de 40%. Em relação à segurança pública (primeiro item de preocupação dos brasileiros, segundo pesquisa do IBOPE em 2007), o custo médio anual da corrupção de R$ 41,5 bilhões ultrapassa o gasto de R$ 39,52 bilhões dos estados e União em segurança pública em 2008. É possível afirmar ainda que o custo médio da corrupção representa 2,3% do consumo das famílias (FIESP, 2010, p. 27-28).
O que o Brasil deixa de fazer como consequência das práticas corruptivas, diante de desvios de recursos com a corrupção? Com o dinheiro desviado pela corrupção, o Brasil poderia proporcionar um desenvolvimento que é considerado extraordinário.
A mesma pesquisa da FIESP exemplifica que: a) na Educação: o número de matriculados na rede pública de ensino fundamental subiria de 34,5 milhões para 51 milhões de alunos, o que representaria um aumento de 47%, uma vez que mais de 16 milhões de jovens e crianças seriam incluídos; b) na Saúde: o número de leitos para internação nos hospitais públicos que atendem o Sistema Único de Saúde poderia crescer 89%, permitindo que 327.012 leitos fossem construídos; c) na Habitação: 2.940.371 famílias poderiam ser atendidas, elevando as metas do PAC (de 3.960.000) em 74,3%; d) no Saneamento: o serviço poderia crescer 103,8% para acrescentar mais 23.347,547 casas com esgotos, o que diminuiria os riscos da saúde da população e a mortalidade infantil; e) na Infraestrutura: poderiam ser construídas mais de 13.230 Km de estradas de ferro, para o escoamento da produção, melhorando o sistema ferroviário em 525%, ou serem construídos 277 novos aeroportos, o que representaria um crescimento de 1383%, ou mais 172 novos portos, o que representaria um incremento de 1537% (FIESP, 2010, p. 29).
A corrupção, ao drenar recursos, atua como uma forma contrária para a realização desses direitos sociais. E o problema não ocorre somente com a corrupção enquanto desvio de recursos públicos. Sendo ela “prima-irmã” da má governança, quando não gera desvios de recursos públicos, causa distorções no planejamento e na execução das políticas públicas, como também torna a execução dos serviços mais custosa para o poder público, o que faz com que sempre ocorra um prejuízo material para o Estado (PIMENTEL FILHO, 2015, p. 97).
De acordo com o relatório da FIESP, o custo médio da corrupção no Brasil, em 2010, foi estimado entre 1,38% a 2,3% do PIB, isto é, de R$50,8 bilhões a R$ 84.5 bilhões. Num cenário realista, o custo da corrupção seria de R$ 50,8 bilhões, com o qual o Brasil poderia arcar com o custo anual de 24,5 milhões de alunos das séries iniciais do ensino fundamental, segundo os parâmetros do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), originalmente desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e que estabelece padrões mínimos de qualidade da Educação Básica por etapa, fase e modalidade (GOMES, 2013).
Altas taxas de corrupção têm consequências negativas na educação, havendo correlação, inclusive, com aumento do abandono escolar. Se é certo que a presença da corrupção deteriora a educação, tanto em termos quantitativos (quanto maior o desvio e prejuízo aos cofres públicos, menos escolas, menos professores, etc) como em qualitativos, a relação inversa geralmente imaginada de que quanto maior o nível educacional de um país menor a prática de corrupção também é defendido por muitos. É intuitivo que consideremos que uma sociedade que possui as habilidades de compreender e analisar o que se passa na arena política é um ambiente menos fértil para a corrupção, possivelmente pelo fato de que, as pessoas participam mais do processo político e exigem mais dos agentes públicos. Quando fica estabelecido esse nexo, constata-se que a corrupção nessa seara cria um círculo vicioso no qual: a existência de corrupção prejudica e educação e a falta de educação cria espaço propício para que surja a corrupção (PIMENTEL FILHO, 2015, p. 101-102).
Com os recursos desviados pelas práticas corruptivas, também seria possível equipar e prover o material para 129 mil escolas das séries iniciais do ensino fundamental com capacidade para 600 alunos, segundo o modelo CAQi. Poderiam também ser construídas 57,6 mil escolas para séries iniciais do ensino fundamental, segundo o modelo CAQi, ou então ser compradas 160 milhões de cestas básicas (Dieese). Seria possível, ainda, pagar 209,9 milhões de bolsas-família em seu valor máximo (Básico + 3 variáveis + 2 BVJ) ou construir 918 mil casas populares, segundo o programa Minha Casa Minha Vida II. Para alguns, a corrupção e a violência estão modificando a inscrição da bandeira brasileira para “Barbárie e Progresso” (GOMES, 2013).
Levantamento feito pelo ‘Instituto Avante Brasil’, com dados do Relatório de Corrupção da FIESP, baseados nos níveis de governança do Banco Mundial e da ONG Transparência Internacional, sobre a Percepção da Corrupção, mostra que, dentre suas principais consequências, há também a redução da eficiência do gasto público e o desestímulo ao investimento, que ocorre justamente no setor privado. A corrupção reduz a atratividade do investimento produtivo, gerando então consequências negativas sobre o nível do PIB per capita, a competitividade e o potencial de crescimento da economia no Brasil. Como consequência, quanto menor a corrupção que é percebida no país, maior a tendência de competividade. O relatório da FIESP, que é analisado pelo referido instituto, também mostrou que países com menor nível de corrupção percebida tendem a mostrar maiores índices de desenvolvimento humano (GOMES, 2013).
As denúncias de corrupção vêm de todas as regiões do país e de todos os setores - públicos e privados, feitas em parte pela imprensa, em parte por setores privados fiscalizadores.
Conforme demonstrado, atualmente a FIESP, por exemplo, em estudo já citado, fez inclusive uma projeção do que poderia ser realizado, em matéria de direitos sociais fundamentais, com os recursos que são desviados com práticas corruptivas, como por exemplo: com educação, saúde, infraestrutura, habitação e saneamento.
A corrupção, além de ser um fenômeno muito antigo, está presente em praticamente todas as sociedades, independentemente de sua organização política e social.
Quando a corrupção encontra-se dispersa em todo o corpo político, e mesmo tolerada pela comunidade, as pessoas mais necessitadas sofrem de forma mais direta com os efeitos disso, haja vista que as estruturas dos poderes instituídos se ocupam, por vezes, com os temas que lhes rendem mais vantagens, seja de grupos, seja de indivíduos, do que com os interesses públicos vitais existentes: hospitais públicos deixam de atender pacientes na forma devida, porque são desviados recursos da saúde para outras rubricas orçamentárias mais fáceis de serem manipuladas e desviadas como prática de suborno e defraudação; famílias em situação de pobreza e hipossuficiência material não podem se alimentar porque os recursos de programas sociais são desviados para setores corruptos do Estado e da Sociedade Civil; as escolas públicas não têm recursos orçamentários necessários à aquisição de material escolar, em face dos desvios de recursos para outros fins, ficando os alunos sem condições de formação minimamente adequadas (LEAL, 2013, p. 97-104).
Não há dúvidas de que a corrupção encontra-se diretamente conectada à violação dos Direitos Humanos e Fundamentais, notadamente quando os atos corruptivos são utilizados como formas de violação do sistema jurídico como um todo (o caso de suborno de servidores públicos para agilizarem procedimentos burocráticos), o que afeta, por si só, a ordem jurídica posta, além de provocar impactos localizados na rede de direitos e garantias vigente (eis que, neste exemplo, outros expedientes podem ser atrasados ou deixados de lado) (LEAL, 2013, p. 97-98).
Como consequência, a corrupção, especificamente aquela que ocorre na esfera pública, acarreta a diminuição na qualidade de vida da população, variando seus efeitos negativos de acordo com as peculiaridades de cada país. Considera-se inquestionável que a corrupção é a via mais rápida de acesso ao poder. No entanto, traz consigo o efeito negativo de promover a instabilidade política, pois as instituições passam a não mais estar alicerçadas em concepções ideológicas, mas, sim, nas “cifras” (no dinheiro) que as custearam. Isso configura um “ciclo vicioso” de efeitos que são muito negativos para a coletividade, aumentando ainda mais o abismo social e comprometendo, seriamente, o regime democrático (MIRANDA, 2014).
São inegáveis as consequências negativas que a corrupção traz para a tutela dos direitos fundamentais da pessoa humana e para a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito, eis que configura um dos fatores da crise da governabilidade, colocando em risco a democracia, na medida em que gera desconfiança nas instituições estatais (MIRANDA, 2014).
A Administração Pública exerce um papel fundamental para preservação do princípio da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. É justamente dela que depende a concretização de direitos sociais fundamentais, como, por exemplo: saúde, educação, alimentação, trabalho, habitação, lazer, segurança pública, enfim, direitos que são essenciais para a própria sobrevivência humana, com o mínimo de dignidade (MIRANDA, 2014).
Todos os indivíduos são dotados de Direitos Humanos, e todos os Estados estão obrigados em garantir que sua população usufrua destes Direitos. Por sua vez, cada Direito Humano tem a favor de si específicas obrigações por parte dos Estados e mesmo por parte dos indivíduos entre si; ocorre que, para as pessoas efetivamente usufruírem de seus Direitos Fundamentais, o Estado precisa cuidar para que haja condições favoráveis para tanto, assim é que se diz que os Estados precisam respeitar, proteger e fazer cumprir todos estes Direitos. (LEAL, 2013, p. 96)
A concretização desses direitos sociais fundamentais é incompatível com uma administração pública que seja desonesta e negligente. É fundamental, portanto, que todo agente público, desde o do mais alto escalão até o mais baixo, sempre atue com observância irrestrita aos princípios que regem a Boa Administração Pública, que estão previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988. Essa regra deve sempre ser observada pelo administrador público, que dela não pode se afastar, pois, como consequência, poderá sacrificar vários direitos fundamentais (MIRANDA, 2014).
Atualmente, um dos problemas mais graves enfrentados pela coletividade é justamente o de garantir uma administração que seja proba. Diariamente, a população brasileira testemunha vários escândalos de corrupção que envolvem agentes públicos e políticos de diversos escalões. Esses agem fazendo com que o Estado funcione a seu favor, ocorrendo uma total inversão de valores. Esses escândalos de corrupção pública aumentam ainda mais o abismo social, prejudicando direitos essenciais da população. Deixam o Brasil numa triste posição no cenário mundial: o de ser um País com um dos mais altos índices de desigualdade social, com diversas regiões entre aquelas com o menor índice de desenvolvimento humano do planeta (MIRANDA, 2014).
A corrupção, quando desvia recursos, atua como uma forma contrária para a realização dos direitos sociais fundamentais. O problema não é somente com a corrupção enquanto desvio de recursos públicos, pois, quando não gera desvios de recursos públicos, causa distorções no planejamento e na execução das políticas públicas, tornando, assim, a execução dos serviços mais custosa para o poder público, o que faz com que sempre ocorra um prejuízo material para o Estado.
CONCLUSÃO
No presente artigo, tentamos trazer algumas das definições de corrupção, ressaltando a dificuldade dessa definição. Num segundo momento, trazemos índices publicizados pela ‘Transparência Internacional’, com relação aos índices de sua ocorrência no mundo, e principalmente no Brasil. Nosso país está entre os mais corruptos do mundo, conforme abordamos.
As práticas corruptivas, na esfera estatal, trazem inúmeros prejuízos aos direitos fundamentais sociais, e, quando ocorre na Administração Pública, acaba significando o desvio de recursos, que poderiam ser devidamente aplicados em políticas públicas que visam atender às demandas sociais. Escolas deixam de ser construídas, ou o Estado passa a prestar muito mal o direito fundamental à educação, por falta de recursos. Da mesma forma, haverá menos possibilidades de assistência de saúde às pessoas, de investimento em saneamento básico, dentre outras consequências negativas.
A corrupção, também, está ligada diretamente à má governança, causando distorções no planejamento e na execução das políticas públicas. Torna, inclusive, a execução dos serviços mais custosa para o poder público, fazendo com que sempre ocorra um prejuízo material para o Estado.
Como vemos, a corrupção traz para o Brasil graves consequências sociais, principalmente com relação ao prejuízo na efetivação de direitos sociais fundamentais que estão garantidos pela Constituição Federal, como, por exemplo, direitos à saúde e à educação. Não existem dúvidas, diante de todos os dados publicizados, em relação ao fato de a corrupção acontecer em todos os lugares. Da mesma forma, não há dúvidas de que ela traz efeitos muito negativos para toda a sociedade. Sua prática não encontra amparo no sistema jurídico, e possui também uma ligação muito forte com várias espécies de crimes. Ela gera um custo social muito alto, conforme abordado, com reflexos diretos na garantia, por parte do Estado, de direitos sociais fundamentais.
Por fim, concluímos que, diante dos desvios de recursos públicos, causados pelas práticas corruptivas, são as pessoas mais pobres as maiores vítimas, pois elas deixam de ter direitos sociais mínimos garantidos e realizados pelo Estado.
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CULTURAL RIGHTS OF REFUGEES IN BRAZIL: IN SEARCH OF AN EFFECTIVE PROTECTION
DIREITOS CULTURAIS DOS REFUGIADOS NO BRASIL: EM BUSCA DE UMA PROTEÇÃO EFETIVA
Amanda Luiza da Silva Oliveira Pinto*
Bárbara Marianna de Mendonça A. Bertotti**
Miriam Olivia Knopik Ferraz***
RESUMO: Pretende-se verificar em que medida os direitos culturais dos refugiados no Brasil são respeitados. Assim, serão analisados: (i) o panorama geral de proteção dos refugiados, no que tange às normas de proteção, nacionais e internacionais; (ii) o direito à cultura como direito fundamental e humano, no Brasil e no mundo; e (iii) a integração cultural de migrantes refugiados, uma vez que o Brasil se tornou um país atrativo para os migrantes refugiados. O método utilizado será o lógico-dedutivo por meio de revisão bibliográfica.
Palavras-chave: Imigrantes. Refugiados. Cultura. Integração Cultural. Direitos Humanos.
ABSTRACT: It is intended to verify to what extent the refugees' cultural rights in Brazil are respected. Thus, the following will be analyzed: (i) the general outlook of refugees' protection, with regard to national and international standards of protection; (ii) the right to culture as a fundamental human right in Brazil and in the world; and (iii) the cultural integration of refugee immigrants, since Brazil has become an attractive country for refugee immigrants. The method used will be the logical-deductive through bibliographic review.
Keywords: Immigrants. Refugees. Culture. Cultural Integration. Human rights.
Recebido: 25.05.2017
Aprovado: 11.06.2017
1 INTRODUCTION
The refugee crisis has had large dimensions and widespread media coverage. Data from 2016 (UNHCR, 2016) show that Brazil has about 8,863 recognized refugees, from 79 different nationalities. Although it is not one of the largest recipients in the world, Brazil has recognized the importance of the theme with the approval of the Law on Migration (Law 1345/2017).
However, the reception of these people, expropriated from their homes and countries of origin, is not enough to guarantee them dignity and opportunity to rebuild their lives and families. In conditions of misery, whether because of the institutional failure of the State, or because of war, hunger and political persecution, few elements of social cohesion are brought with these foreigners, so that they can defend themselves against any violence practiced by the domestic citizen, such as prejudice and social and economic discrimination.
In Brazil, there are many governmental and nongovernmental agencies working to receive and welcome refugees, in accordance with the United Nations Refugees Statute and the Brazilian Law on Refugees, including the National Committee for Refugees (CONARE). Furthermore, the United Nations agency, UNHCR (United Nations High Commissioner for Refugees), which is responsible for identifying, selecting, and referring States to global refugees' groups and their categories, is headquartered in Brazil.
Therefore, it is imperative that both public officials and companies, in the first instance, recognize their rights and thus respect them. But not only that: the refugees themselves must know their rights, for many violations occur because of their ignorance.
In addition, the defense of their customs and culture is something that deserves a democratic space, for assimilation is not the solution in keeping with the dignity of those who seek shelter in a country, due to the unsustainable situation in their own countries.
Given that part of the State authorities tends to grant more favorable treatment to national citizens and to privilege people of the same national origin, causing cultural shocks, problems of adaptation or integration of expatriates, it becomes indispensable to protect these people, so that formal and material equality is achieved.
In this sense, the concept of development that permeates the Brazilian Constitution can be seen under an extrinsic and intrinsic bias. The first concerns the State’s plan, relating to the growth of economic production and the balance of the State's organizational and financial structuring. The second, of a subjective nature, concerns the implementation of material conditions of dignified existence, which allows each citizen the free development of his/her personality (FACHIN, 2010, p. 180 and 193).
From this, it becomes imperative to protect the cultural rights of refugees. This article will work, from a theoretical perspective, with this theme. The relevance of the issue is manifest in the face of new waves of refugees as a result of the anti-terrorist policy and the "war on terror", which began in 2001.
Therefore, relevant legislation, news and doctrines on the cultural issues regarding migrants in Brazil will be analyzed, including not only the international protection, but also the national one. In addition, it brings the international protection and internalized by Brazil about this right.
The purpose of this paper is to demonstrate the right to culture in Brazil when it comes to refugees, through the analysis of existing governmental structures, to outline future possibilities.
Thus, in the first moment, international and national protection for these migrants will be analyzed, followed by national and international protection of cultural rights. Finally, the public policies that are in force and necessary for the cultural integration of refugees and the steps for their implementation will be drawn up on the basis of existing initiatives and the proposition of broader policies.
2 OVERVIEW OF REFUGEES IN BRAZIL: OUTREACH AND PROTECTION
International protection[77] of refugees had their first manifestation in the “1951 Geneva Convention on the Status of Refugees” (STATUTE OF REFUGEES, 1951), and the 1967 Protocol, in New York (PROTOCOL RELATIVE TO REFUGEES, 1967). It is extracted from the 1951 Convention that a refugee is anyone who by virtue of a characteristic has founded fear of persecution, and who does not want or can not avail himself of the protection of his country of origin, or, in the cases of stateless persons, of the country of habitual residence. This characteristic is due to their race, religion, nationality, belonging to a social group or political opinion. In addition, the 1951 document adds two other criteria as essential for the refugee to have a recognized status: a chronological and historical nature and a geographical-spatial nature, criteria that were abolished by the 1967 protocol, thus increasing the protection of refugees.
It is observed that these parameters were not updated to the current reality in which we live, that is, one has the attachment to the five possibilities of search for refuge listed above and one does not observe what the current reality cries out: refugees leaving their countries of origin for the negation of economic, social and cultural rights. It is also added that it is a deficit of the current system not to recognize the “economic” refugee and the “environmental refugee” (ATANGANA-AMOUGOU, 2015).
From these premises, it is the methodology created by James Hathaway which has the ability, in the concrete case, to verify the existence of persecution. It is based on three human rights mandates, which have been enshrined internationally through the adoption and recognition of the International Charter of Citizens. This letter contains a number of rights that can not be violated: the right not to be subjected to torture and slavery; the Liberty of thought, conscience and religion; the guarantee of not being arbitrarily imprisoned; the right to privacy, the right to vote, the right of access to public jobs and the formation of labor associations. It also establishes rights associated with the State's financial conditions: such as the right to work, food and health. In the face of the violation of one or more rights listed, there is persecution. Thus, the author points out the existence of persecution when there is no systematic and lasting protection of the hard core of human rights, violation of essential rights, and when it comes to rights tied to the availability of resources, there will be violation when resources are available and are not realized nevertheless. (HATHAWAY, 1991).
Brazil does not have a positive record of receiving refugees. This fact is observed in the 1934 Constitution[78] which established in its text a system of quotas to restrict the entry of immigrants in Brazil and parallel to the Consolidation of Labor Laws (CLT), created in 1943, had as a determination that the minimum number of Brazilian employees should be of 2/3.[79]
This discrimination is not plausible in view of the current constitutional protection that covers both Brazilians and foreigners residing in the country with the same rights.[80]
Currently, there is in Brazil the granting of political asylum in article 4, item X, of the Brazilian Constitution, including as a basilar factor in the country governing its international relations. In addition, Brazil welcomed the 1984 Cartagena Declaration (CARTAGENA DECLARATION, 1984), which broadened the definition of refugee as defined by the 1951 Convention and the Additional Protocol of 1967. Subsequently, specific legislation was published for refugees, in 1997, Law no. 9,474 was enacted, defining mechanisms for the implementation of the Refugee Statute.
The aforementioned legislation has considerably broadened the concept of refugee in Brazil, covering the person who has founded fear of persecution due to race, religion, nationality, social group or political opinions and due to a serious and widespread violation of human rights. Thus, this definition reflects Brazil's position in defense of human rights and recognition of the refuge institute as a humanitarian measure (PAMPLONA; PIOVESAN, 2015, p. 47).
In 2017, the Migration Law (Law No. 13.445/2017) was enacted. Although it represents an advance and provides the isonomy and integration of migrants, emphasizing solidarity and non-prejudice, repudiating and preventing xenophobia, racism and any other forms of discrimination, it still falls short of securing all rights, as it has received 20 presidential vetoes.
The approved text establishes first that the Brazilian migratory policy will also be governed by the development of culture, in its art. 3º VII and later in item XIV, that will have as objective the strengthening of the cultural integration in Latin America, through the constitution of spaces of citizenship and free movement of people. It ensures in art. 4º the right to the culture of the immigrant, adds in art. 13, § 2º that the beneficiary of a visitor's visa may compete and receive prizes in artistic and cultural competitions; in addition, the granting of a temporary visa, as well as residence for the purpose of investment or of cultural relevance, is provided for in art. 14, h and art. 30, h, respectively. Finally, art. 77 brings the definition of the principles and guidelines of the public policies for the emigrants, and among them, the promotion of culture is included in subsection II.
In this way, it is denoted that the law brought a concern to cite the cultural element in its device. However, it is observed is that the device that has greater potential to extend the cultural aspects is the present in art. 77, culture as guideline and principle of the elaboration of public policies, which is still bound to the discretion of the executive. Therefore, it is observed of the present legislation that the cultural element was placed as an inspiring and very generic element, bringing little practical revolution for the cultural valorization of the immigrants.
The Brazilian reality needs a greater and more responsible support for the whole refugee issue, since Brazil has about 5,208 refugees from at least 80 different nationalities, most notably from: Colombia, Angola, the Democratic Republic of Congo and Syria. In total, the five largest nationalities are represented by Syrians (2,298), Angolans (1,420), Colombians (1,100), Congolese (968) and Palestinians (376) (CONARE, 2016).
Syrian refugees have grown considerably in number of applications and, in parallel, there has been a decline in the number of Colombians seeking refuge. The issue of Syrian refugees brings to light a reality that directly influences how Brazil will act on refugee matters, after all, there are many requests for economic issues and, in the face of each new humanitarian crisis, Brazil receives an ever increasing demand in particular from Syria and Lebanon (UNHCR, 2014). In 2016, the number of refugee concessions in Brazil fell by 28%[81]. Only 886 applications received by foreigners from 1,978 cases were deferred. In 2015, 1,231 concessions were granted in respect of 1,423 cases (REIS, 2017). Despite the fall, the refugee situation deserves special attention.
3 CULTURAL RIGHTS AND THEIR PROTECTION IN BRAZIL AND IN THE WORLD: AN OVERVIEW
Since it emerged in the thirteenth century, the concept of culture has undergone several changes and the tendency is for new meanings to be introduced, both in everyday life and in the academic sphere. However, the universal concept of the term emerged in eighteenth-century France as a cultivated state of mind, "associated with the ideas of progress, education and evolution"[82] from an individual perspective (PEDRA, 2013, p. 24-25).[83]
Irene Nohara and Ana Luiza Azevedo assert that "culture is a prerequisite for the existence of mankind"[84] and that its concept is broad and complex. Contrary to popular belief, it is not only the set of customs of a people, or their manifestations and popular expressions, but the mode of organization of a society, and it includes: (i) the way people are divided into social groups; (ii) the presence or absence of private property; (iii) forms of labor relations (cooperation, exploitation...); (iv) how the family is ordained and the relationship between parents and children; (v) the manner and ritual of the formation of the conjugal bond; (vi) forms of leisure; (vii) religions and their precepts - including sacred rituals and the manner in which the dead are treated; (viii) the presence or absence of writing; (ix) the form of power; (x) the tongue; (xi) objects and their peculiarities; (xii) artistic expressions - music, sculpture, painting, handicrafts, literature, folklore, etc.; (xiii) the way society treats older people and children; (xiv) the behaviors; (xv) eating habits; (xvi) sports, etc. (NOHARA, AZEVEDO, 2016, p. 202-203).[85]
For Francisco Humberto Cunha Filho, the definition of culture in the Brazilian legal system (CUNHA FILHO, 2004)[86] must derive from the provisions of article 216 of the Constitution, caput and subsections I to V, without prejudice to other legal provisions.[87]
It is known that cultural policies, in their contemporary sense, have taken a significant place in the international agenda of the 1970s, especially with the instigation of UNESCO.[88] However, with the neoliberal wave that emerged in the 1980s, they went into stagnation.
In Brazil, after the long years of military dictatorship, the Ministry of Culture was created in 1985, the result of the country's redemocratization process. One year later, the "Sarney Law", the first Brazilian tax incentive law for culture, is created and breaks with the existing modes in this area. After that, several organs are created to work in this field: the Secretariat for Support to Cultural Production (1986); the National Foundation for the Performing Arts (1987); the Brazilian Cinema Foundation (1987); the National Pro-Reading Foundation, bringing together the National Library and the National Book Institute (1987) and the Palmares Foundation (1988), under pressure from the black movement in the centenary of the abolition of slavery (RUBIM, 2011, p.16).[89]
The advent of the Federal Constitution of 1988 brought, in Section II, Chapter III, the functions of the government in the field of Culture. In its article 215, it imposes obligations on the State and shows the objectives that must be achieved,[90] notably to guarantee to all the full exercise of cultural rights and access to the sources of national culture, supporting and encouraging the valorisation and diffusion of cultural manifestations.
In addition, cultural rights were also set forth in art. 5 of the Brazilian Constitution of 1988, as follows: item IX, which deals with freedom of artistic expression; subsections XXVII and XXVIII, dealing with copyright and related rights; and section LXXIII, which deals with the right to the protection of cultural heritage.
Three years after the publication of the Brazilian Federal Constitution of 1988, the then president of the Republic Fernando Collor de Mello sanctioned Law no. 8,313 of 1991, known as the Federal Law of Incentive to Culture or "Rouanet Law" in honor of the then Secretary of Culture Sérgio Paulo Rouanet .[91] This law is regulated by Decree no. 5,761 of 2006 and promoted through the National Program of Support to Culture (Pronac), which is the basis for all current incentive policies in Brazil[92] (DOMINGUES; SOUZA, 2011, p. 133).
The current law acts through five main lines (Article 3): encouraging artistic and cultural training; promotion of cultural and artistic production; preservation and diffusion of the artistic, cultural and historical patrimony; stimulating knowledge of cultural assets and values; and support for other cultural and artistic activities defined by the Ministry of Culture (CUNHA FILHO, 2004, p. 147).
The cultural promotion established may benefit individuals, legal entities governed by public law and under private law, whether or not they are for profit. For each hypothesis there are specific rules.
Culture is also protected internationally[93], so that deal with the theme: the Universal Declaration of Human Rights (1948);the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights (1966);the International Covenant on Civil and Political Rights (1966);the Universal Copyright Convention (1952);the Convention on the Protection of Cultural Property in the Event of Armed Conflict (1954);the Declaration of Principles of International Cultural Cooperation (1966);the Convention on the Protection of World Cultural and Natural Heritage (1972);the Recommendation on the Participation of Peoples in Cultural Life (1976);the Artist Status Recommendation (1980);the Mexico Declaration on Cultural Policies (1982);the Recommendation on the Safeguarding of Traditional and Popular Culture (1989);the Report of the World Commission on Culture and Development (Our Creative Diversity-1996);the Universal Declaration on Cultural Diversity (2001), and the Convention on the Protection and Promotion of the Diversity of Cultural Expressions (2005) (MACHADO, 2011, p. 106).[94]
In spite of this protection, inevitably the public sphere practices acts of contempt and disregard for cultural singularities. "This is because acts of vertical communication (presuppositions in any and every relation of authority, especially between the State and the citizens) end up creating a situation of embarrassment, through the domination of collectivities that results in their demotion and oppression" (ROMAN, 2014).
In this path, it is observed that culture is a fundamental human right[95] and has immediate applicability[96] and, as mentioned, should be guaranteed to everyone, including foreign refugees. The Brazilian Constitution itself states in its art.4, sole paragraph, that the Federative Republic of Brazil will seek the economic, political, social, and cultural integration of the peoples of Latin America, aiming at the formation of a Latin American community, thus promoting cultural integration between nations.
In addition, a country that aims to develop must include in its public policies the promotion of culture. Such concern is therefore essential, so that the various facets of the right to culture, such as the right to participate in cultural life and the right to identity, are promoted (NOHARA; AZEVEDO, 2016, p. 200).
4 CULTURAL INTEGRATIONREQUIRED
As seen, culture in Brazil is a complex theme. The search for the integration of refugee immigrants is large, however, insufficient when analyzed in the face of the proportion of these peoples arriving here.
Brazil is a country that has a wide ethnic diversity, however, discrimination and all forms of prejudice is a reality that is not absent today, although there are many organs and public policies defending the exact opposite:
Discrimination on the basis of their status as migrant or being a non-national is often overt, but other discriminations interact with and change migrants’ experiences including on the basis of their actual or assumed gender, age, sexual orientation, gender identity or expression, religion, ethnicity, nationality, class, and/or disability. (GAATW, 2017).
In most cases, this repulsion on the other is between peoples of nations with little or no ethnic and cultural connection, but sometimes it may occur among nations whose peoples have much in common, as in the case of Brazil and Angola.
In this case, the Brazilian people have constructed the erroneous view that the black or mulatto represents ignorance and criminality, believing that they are solely responsible for such characteristics and reality. This prejudice, generally analyzed under the aspect of the country in question, affects not only Brazilians but also refugees, distancing them from the possibility of practicing their culture, their beliefs and religion, for fear of being rejected by society.
Prejudice is one of several reasons that discourage refugees from practicing their own culture outside their country of origin. The new Migration Law[97], as previously mentioned, brings the right to culture in a generic way and mainly as a principle inspiration, as cited in art. 77 of that law, which places the promotion of culture as a “principle and guideline” for public policies for refugees. Thus, in the new legislation, there are no major advances in the cultural problems that affect refugees the most: the possibility of expressing and valuing their culture, and the cultural integration itself.
It is important the cultural inclusion of the refugee in Brazilian culture. Including learning the Portuguese language, the teaching method, the traditional festivals, the family way of life, among other factors. But the cultivation of their own culture is extremely important - being able to remember their origin, their creeds and habits makes the refugees feel even more at home, even so far from it.
Faced with this problem, it is extremely important to take into account that such refugees are not out of their country by their own choice, to get where they are means that they face social, political, cultural and even family problems, leaving no other choice but to seek shelter out of his homeland.
In this way, the refugee does not want and cannot be forced to have to adapt to a new culture - to be acculturated, in any place. To him, the right and the opportunity to keep his modus vivendi must be ensured and if you want to acquire new culture characteristics of being inserted when needed to adapt. This acculturation has impacts on the refugee's mental health, with public policies and social practices with a psychological scope to assist them (BUDDINGTON, 2002, p. 447-464), such as group conversations with psychologists and other activities that will be cited below.
Thus, cultural inclusion must be "reverse", as an exchange of cultures, in order to reduce the culture shock that refugees suffer upon entering Brazil, encouraging them to cultivate their own culture and not necessarily converting to Brazilian tradition. Incentives to Brazilian culture should include traditions of refugee countries, making it truly an integration of these peoples in Brazil, respecting their way of life, their beliefs, their morals.
As explained, Brazil already predisposes various incentives to integration. The example of this is the participation of a representative of a nongovernmental organization that is dedicated to refugee assistance and protection activities in the country, in this case Caritas Archdiocese of Rio de Janeiro and São Paulo, which is of fundamental importance, for it is the institution that provides social assistance to refugees in Brazil.
In addition, the Normative Resolution of “CONARE” no. 14, of December 27, 2011, article 5, item V, provides that civil society organizations implementing the Program are responsible for promoting social integration, cultural, citizenship and incentive to autonomy of the individual or family resettled. Article 4 of that resolution, in section III, provides that UNHCR is to contribute financially to the project of local integration of resettled refugees, through the availability of resources. Still, in its art. 7, provides that other legal and physical persons, on a voluntary basis, may be empowered to participate in the initiatives of this program, by donating financial resources or assets, providing specific services or joining various campaigns, according to specific terms signed with the entity the structure of the Program.
The sources of resources for implementing the incentive to culture can be both state-owned and privately-owned. Taking these bodies into account, it is pertinent to analyze some cases of events in which a greater inclusion of refugee culture would be possible.
A first example of practical actions could be the inclusion of the Portuguese language in complementary hours (voluntary) in classes taught by academic students of the course of Philology of public and private universities. In these classes, a refugee could be added as an “assistant teacher”, to teach, along with the Portuguese class, his language to those who have an interest in learning, having talk wheels, cultural games and even different methods teaching brought by refugees[98].
Another way would be in the community integration of social services (SESC, SESI - legal entities under private law).Within each of these programs there is a range of cultural incentives from artistic performances, concerts and shows with the own artistic and cultural development, with courses, workshops and debates, in addition to providing libraries with access to updated collections.[99]
There would then be the possibility of integrating into these events and publicizing to society a space for refugees who have an interest in bringing their culture in some way or by presenting songs at concerts, speaking at workshops about the cuisine of their country of origin, literature, poetry, its religion, its difficulties, about cultural difference and its positive and negative points, in short. Such an attitude would make the refugees contribute to Brazilian society not only with his work, but also with cultural diversity and learning[100].
Going further, there are also major national events, such as a Rock in Rio, which could propose a festival of music from immigrant countries (“Music Immigration”). In this way, a course and film festival of immigrant films could also be provided by the schools of arts, with a survey of productions from all countries of origin (Syria, Lebanon, Jerusalem, Africa, Pakistan), showing cultural realities of origin.
These are some of the alternatives that could be added to Brazil's humanitarian system, which is already vast, but could improve these aspects of respect for the native culture of the refugees, without forcing an acculturation.
It is verified, therefore, that Brazil has a correct human posture. In fact, it cannot be said that there are no incentives for the insertion of the refugee in Brazil.The reflection made in this article brings only another point of view of inclusion, with emphasis on preserving the culture of the country of origin of the refugee here in Brazil, in order to ease the pain and suffering.
On the other hand, despite the special incentives and the competent bodies (UNHCR, 2016), it can be said that there is a failure to publicize public policies on this issue, which are the policies carried out by the public power both directly and indirectly (Through authorized agents), with the aim of improving the quality of life of the population in question, through works and assistance.
In Brazil, there is a refugee settlement policy, in accordance with the above resolution, which resulted from the creation of Law 9,474 of 97, through CONARE, to provide inclusion basic rights (access to health, education, labor market) of refugees in Brazilian social assistance programs, such as Bolsa Familia, however, without publicity, their results are restricted and are not expanded.
Therefore, the union of public policies and private incentives are necessary so that the concern for the well-being of the refugee is assured, including with regard to the maintenance of its culture in the countries that have hosted it.
CONCLUSION
Before the brief study recorded in this article, it is concluded that this country has ample legislation for the due legal and humanistic protection of the refugees, however, in many ways it proves insufficient.
Although Brazil shows itself to be a country of great receptivity to immigrants, statistics and reality show that at various times they are marginalized and forced to experience exclusion.
Likewise, as discussed in chapter 3, culture is also widely regulated both in Brazil, as a fundamental right of the citizen, and in international contexts, which emphasize its importance for decent human development.
Despite the extensive regulations, the refugee, in his host country, does not have all the rights respected. With emphasis on his right to culture, the current legislation is loaded with generic terms and prescriptions that effectively do not force the state and society to any attitude of cultural integration and respect culture in isolation.
Upon arriving here, the refugee is forced to be “acculturated” (BUDDINGTON, 2002), leaving most of his traditions aside to live in the work environment, school, family and shelter.
Cultural integration policies, as well as existing non-governmental programs to ensure the maintenance of refugee culture, have no echo, being isolated and restricted to a few refugees who happen to be in the right place at the right time, excluding those who have been further away from the city center, because of work, or even exploitation.
In this sense, it is urgent to discuss this issue, including in the school context. It is necessary to fight for the broad cultural integration of the refugee, taking into account that the migratory movement is increasing and will be increasingly present in Brazilian daily life.
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DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS:UM NOVO OLHAR SOBRE ESPAÇO RURAL BRASILEIRO
DEMOCRACY AND HUMAN RIGHTS:A NEW LOOK ON BRAZILIAN RURAL AREA
Iranice Gonçalves Muniz*
RESUMO:Os conflitos agrários, a luta pela democratização da terra e a luta pela preservação e cuidado com a biodiversidade também se realizam no espaço rural geralmente em disputa, com visões econômicas, sociais, culturais e ambientais diversas. Assim, o presente trabalho, conduzido sob a forma metodológica de pesquisa exploratória de natureza descritiva, tem como objetivo principal situar o discurso ambiental à experiências vividas, na prática, em espaços rurais destinados a reforma agrária, como também busca demonstrar a importância da regulamentação jurídica, por parte do poder público sobre o meio ambiente.
Palavras-chave: Espaço Rural. Desenvolvimento Humano. Agroecologia. Sustentabilidade. Conflitos Agrários.
ABSTRAT: The agrarian conflicts, the struggle for agrarian reform and the fight for the preservation and care of biodiversity also take place in rural areas often in dispute with economic, social, cultural and diverse environmental views. Thus, this study, conducted under the methodological form of exploratory descriptive, aims to place the environmental discourse to lived experiences in practice, in rural areas for land reform, but also seeks to demonstrate the importance of legal regulation by the public authorities on the environment.
Keywords: Rural Areas. Human development. Agroecology. Sustainability. Agrarian Conflicts.
Recebido: 14.05.2016
Aprovado: 11.06.2017
1 INTRODUÇÃO
O objeto do presente trabalho recai sobre os assentamentos da reforma agrária que utilizam-se da agroecologia como modelo de produção sustentável e a participação de famílias camponesas em projetos de extensão da Universidade Federal da Paraíba. Assim, o presente trabalho, conduzido sob a forma metodológica de pesquisa exploratória de natureza descritiva, tem como objetivo geral situar o discurso ambiental à experiências vividas, na prática, em espaços rurais destinados a reforma agrária; como objetivos específicos, fazer um levantamento dos dispositivos constitucionais que tratam do meio ambiente, mostrar a importância de um planejamento para o espaço rural, ressaltar a importância dos movimentos sociais em prol da reforma agrária e da regulamentação jurídica, por parte do poder público sobre o meio ambiente. Tratar-se-á das experiências camponesas, que tentam viabilizar condições para a justiça social e ambiental no Brasil, principalmente, no estado da Paraíba. Para tratar do tema proposto partir-se-á das seguintes indagações: como os camponeses enfrentam os desafios de viver e sobreviver no espaço rural brasileiro? Como produzir alimentos sem destruir os ecossistemas.
A Constituição Federal de 1988 proclama como princípios da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais no título I, “dos princípios fundamentais”. Ademais, o art.170 dispõe que a ordem econômica tem como finalidade a justiça social, a dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades regionais.
Não se pode pensar em um projeto de desenvolvimento econômico e social no meio rural brasileiro se não houver uma visão integrada sobre o rural e a articulação dele com um projeto de desenvolvimento nacional. Para tanto é necessário: (i) socializar o conhecimento acumulado dos camponeses e outros habitantes do meio rural; (ii) difundir a pesquisa sobre atual situação do campo, principalmente os assentados da reforma agrária que utilizam práticas agroecológicas, na tentativa de romper com o modelo atual de produção de alimentos em escala.
O Trabalho está dividido em cinco tópicos: Esta introdução; Experiências vividas nos assentamentos da reforma agrária; Meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro; Reforma agrária como linhas para futuro e no final concluem-se que a pesquisa permitiu identificar proposições e orientações baseadas nos princípios da educação, em especial da educação ambiental visando a democracia no espaço rural e o exercício da cidadania ambiental.
2 EXPERIÊNCIAS VIVIDAS NOS ASSENTAMENTOS DA REFORMA AGRÁRIA
O espaço rural é o território que geralmente reflete as disputas e tensões entre os diferentes projetos de ocupação, preservação e uso da terra. O espaço rural é o espaço dos indígenas, dos quilombolas, dos pescadores, dos ribeirinhos, das comunidades tradicionais e dos camponeses, que cada vez mais tentam organizar-se, e atuar na defesa de seus interesses. O espaço rural, de certa forma, é o espaço de resistência ao projeto de agronegócio e resistência ao poder do latifúndio.
Assim os conflitos agrários, a luta pela reforma agrária e a luta pela preservação e cuidado com a biodiversidade também se realizam nesse espaço rural geralmente em disputa, com visões econômicas, sociais, culturais, políticas e ambientais diversas.
É no espaço rural que se encontram os principais ecossistemas, como a floresta amazônica, o cerrado, o pantanal, os manguezais, as bacias hidrográficas, as lagoas, os rios dentre outros.
A luta pela preservação e manutenção desses ecossistemas naturais tem, constantemente mobilizado os movimentos sociais e ecológicos na tentativa de articular os interesses econômicos com justiça socioambiental e, estabelecer uma visão crítica sobre os projetos de crescimento econômico que utilizam-se da exploração máxima dos recursos naturais.
O bioma “Mata Atlântica”, por exemplo, fica condenado à extinção por falta de uma política agrária e ambiental que viabilize a sua preservação. E, o espaço rural segue sendo utilizado de maneira irresponsável por parte de determinados grupos que possuem o título de propriedade da terra sem se preocupar com a função social que a mesma está chamada a cumprir nos termos constitucionais vigentes.
A Constituição brasileira de 1988 estabelece que todostêm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.
Os processos ecológicos essenciais, são processos vitais a manutenção da cadeia alimentar; os ciclos das águas, do carbono, do oxigênio, do hidrogênio; a produção humana de alimentos, de energia, de materiais orgânicos e inorgânicos, por exemplo.
É no espaço rural brasileiro que, atualmente, tem emergido propostas alternativas de desenvolvimento, isso se verifica na agricultura familiar e na produção agroecológica, através das quais muitos dos camponeses buscam reverter os impactos decorrentes das monoculturas do café, da soja, do eucalipto, da cana-de-açúcar, e da produção de alimentos com utilização de agrotóxicos.
Ante os atuais projetos econômicos de “desenvolvimento”, o meio ambiente segue sendo agredido por um modelo de produção que pouco evoluiu em face das necessidades da natureza, evidenciadas, pelos camponeses e pelos movimentos sociais e ambientais.
A participação de grupos da sociedade civil como fiscais das empresas públicas e privadas que utilizam-se do solo para empreendimentos voltados exclusivamente para o crescimento econômico, é necessária, pois o ser humano depende muito das coisas vivas e não-vivas que estão presentes no solo, nas matas, nos rios, no ar e nos mares. Os seres humanos assim como os animais, têm que se alimentarem de vegetais ou de outros animais; necessitam de água, dos minerais. Todos esses bens - importantes para o desenvolvimento humano e econômico - tão conhecidos como recursos naturais nos é disponibilizados pela própria terra, e devem ser democratizados para garantir direitos humanos fundamentais, como por exemplo, alimentação, saúde, moradia e educação dos que vivem e sobrevivem no e do espaço rural.
Nesse contexto, em 2001, a partir da organização dos camponeses assentados da reforma agrária, no Estado da Paraíba, com apoio de Organizações não Governamentais (ONGs), surgiu a iniciativa de trabalhar a produção agrícola tomando como paradigma a agroecologia, para tanto os camponeses necessitavam de uma associação para compartilharem essa ideia, daí o surgimento da Ecovárzea (Associação dos Agricultores e Agricultoras da Várzea Paraibana) e da Ecosul (Associação dos Agricultores e Agricultoras do Litoral Sul Paraibano). Desde então, os associados iniciaram suas atividades na agroecologia, não só para a produção de alimentos sem agrotóxicos, mas também na construção de novas bandeiras de luta em favor do meio ambiente.
Os integrantes dessas associações buscam parcerias com órgãos públicos e ONGs proporcionando a troca de saberes entre todos os envolvidos nessa iniciativa, ou seja, técnicos agrícola, professores universitários, pesquisadores, estudantes universitários, camponeses(as) e algumas entidades públicas.
Na parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), por exemplo, esses camponeses participaram do projeto de extensão “Juventude Rural e Empoderamento: formação de agentes ambientais e troca de saberes no campo da agroecologia” que capacitaram vários adolescentes entre 11 à 17 anos nos assentamentos rurais, com o claro propósito de formação desses adolescentes em agentes ambientais. O projeto foi pautado sobre uma metodologia de inclusão sócio/ambiental. Assim, os professores e pesquisadores procuram incluir o máximo possível as famílias camponesas, protagonistas do novo modelo de ocupação do espaço rural.
A faixa etária de 11 a 17, foi considerada importante para o projeto de extensão da UFPB, porque eram adolescentes que ainda estavam nas escolas do ensino fundamental, e as atividades passaram a ser complementação da formação não só escolar mas também sócio/ambiental. Hoje, vários filhos(as) de assentados da reforma agrária são alunos, nos cursos de agroecologia, educação no campo e geografia, na Universidade Federal da Paraíba.
Não há dúvida que são nas novas gerações depositadas as esperanças de transformação desse espaço rural brasileiro, onde as novas formas de ocupação favoreçam a todos, onde a pessoa humana, o desenvolvimento sócio/econômico e a sustentabilidade do meio ambiente convivam em harmonia. Segundo Leff:
A luta política pelo conhecimento é um debate não só por demarcar as ciências do campo das formações ideológicas, mas por dissolver essas representações imaginárias da ciência como um processo neutro no qual o conhecimento se dissolve como resultado de uma lógica interna conduzida pela ação metodológica de sujeitos conscientes frente a realidade objetiva. (LEFF, 2001, p. 33)
Para o autor, as políticas ambientais devem sempre considerar a necessidade de um planejamento de ações como parte essencial para a solução dos problemas ambientais. A gestão ambiental local deve partir do saber dos grupos sociais, onde se fundem a consciência de seu meio, o saber sobre as formas e técnicas de manejo sustentável de seus recursos, com suas formas simbólicas e o sentido de suas práticas sociais, onde integram os vários processos no intercambio de saberes. (LEFF, 2001).
A ocupação dos espaços, tanto rural como urbano, deve ser planejada ou administrada adequadamente, por exemplo, deve haver: o controle de tratamentos dos esgotos e dos depósitos e reciclagem do lixo (principalmente do lixo tóxico); a fiscalização da produção e a distribuição dos alimentos; consulta à população sobre a construção de usinas nucleares, sobreas irrigações em grande escala, sobre as transposições dos rios, dentre outros serviços. Devem haver o controlee fiscalização pelo poder público de forma que não prejudique o desenvolvimento sócio/ambiental tampouco a capacidade da terra de produzir recursos renováveis vitais para atender as necessidades básicas da coletividade. (FLORIANI, 2000)
As estatísticas mundiais, segundo Santos (2011) mostram que as desigualdades na distribuição de riquezas estão a reforçar-se e que, apesar da intensificação dos fluxos mundiais de trabalho, da extensão do mercado etc. as oportunidades para melhorar os padrões de vida são cada vez mais inacessíveis à maioria da população mundial.
Assim, quanto maior for o planejamento ou quanto mais elementos forem considerados no controle da produção, menor será a agressão não só ao meio ambiente como também à saúde dos indivíduos (MAGOSSI; BONACELLA: 2007). A degradação ambiental segundo Leff (2001) emerge do crescimento e da globalização da economia. Assim, a educação ambiental deveria ser um mecanismo estratégico na busca pelo desenvolvimento sustentável.
Atualmente, há nos assentamentos rurais da reforma agrária, uma agenda de atividades dos envolvidos nas associações e feiras agroecológicas. Tenta-se, por meio das atividades desses grupos, integrar o maior número possível de famílias camponesas na produção de alimentos sem agrotóxicos e no cuidado com a terra e a água. Sabe-se que o grande desafio que se apresenta à humanidade hoje é a necessidade de integração do indivíduo/natureza. É necessário que cada um (dos indivíduos) se sinta como uma das muitas partes de um grande sistema vivo chamado biosfera (terra), dotado de responsabilidade com todas as demais vidas no planeta.
Este parece ser, para os que ocupam o espaço rural, especialmente para os envolvidos na produção agroecológica, um desejo e uma necessidade para enfrentar os desafios do futuro, garantindo uma melhor qualidade de vida a partir da produção de alimentos sem agrotóxicos e preservando os ecossistemas.
A reforma agrária, por exemplo, se apresenta como uma opção para o desenvolvimento nacional desde que seja realizada com planejamento e políticas agrícolas, não basta apenas desapropriar propriedades que não cumprem a função social, necessita de políticas públicas adequadas aos camponeses: é pensar no campesinato dentro de uma nova realidade, que a era da tecnologia lhes favorece, ou seja, obtenção de tecnologias e o financiamento para que possam investir na produção agroecológica e que essa produção sejam viável. Afinal, para os assentados da reforma agrária, a propriedade também é um bem de produção.
A Constituição brasileira de 1988 exige que a propriedade rural cumpra a sua função social, mediante o atendimento, simultâneo, de quatro requisitos, apresentados no Título VII, da ordem econômica e financeira, no art.186 que estabelece: (i) aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis; (ii) preservação do meio ambiente; (iii) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e (iv) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Essas finalidades econômicas, sociais e ambientais da propriedade rural poderão representar uma alteração relevante no panorama do direito agrário/ambiental brasileiro, sempre que se interprete segundo a lógica da dignidade da pessoa humana, do exercício da cidadania, do desenvolvimento, do bem-estar, da igualdade e da justiça assumidos como princípios e valores constitucionais do Estado Democrático instituído com a promulgação da atual Constituição, em 5 de outubro de 1988.
A qualidade de vida como objetivo do desenvolvimento sustentável rompe os parâmetros homogêneos de bem-estar e abre a possibilidade de novos indicadores do desenvolvimento humanos que articulam os custos de crescimento com os valores culturais e os potenciais da natureza. (LEFF, 2010, p. 325)
As conexões entre os direitos econômicos, sociais e ambientais criam a possibilidade de uma aproximação mais efetiva entre o movimento pela reforma agrária no Brasil e o movimento ambientalista nacional e internacional.
Em se tratando da experiência analisada, o quase desaparecimento da Mata Atlântica, assim como dos animais silvestres, foi uma das razões que justificaram a reflexão sobre a agroecologia como uma forma de mudança de paradigma no que se refere ao uso da terra e a preservação ambiental como um direito de todos e de cada um. É o que pretendem as associações Ecovárzeae Ecosul[101]com a produção agroecológica.
Para Leff (2013), o processo de modernização desloca as economias tradicionais de subsistência, impondo processo de desagregação de terras e saberes, gerando desigualdades sociais pelas condições equitativas de distribuição e acesso aos recursos naturais. Assim, é necessário que o Estado introduza reformas democráticas visando incorporar normas socioambientais ao processo econômico atual, e, vise a criação de novas técnicas para controlar o modelo gerado pela lógica do capitalismo.
Na atual conjuntura, é importante mudar o paradigma cultural e investir em educação no campo de modo a erradicar o deslocamento dos camponeses para a periferia dos centros urbanos. A construção de uma nova lógica de geração de renda camponesa depende de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento socioambiental. Partindo desta perspectiva, é possível pensar o espaço rural como um ambiente de articulação de processos de diferentes formas de saberes, capaz de gerar um potencial de desenvolvimento sustentável, e não só como um potencial de crescimento econômico pautado no agronegócio, nas monoculturas e na produção em escalas que, embora seja capaz de colocar o Estado brasileiro no bloco países mais ricos do mundo, produz uma desigualdade socioeconômica bastante elevada (FERNANDES, 2008)
Convém sublinhar que, atualmente, muitos camponeses em assentamentos da reforma agrária começam a nutrir o interesse pela história de seus antepassadosambientais. Para muitos, mudar o paradigma na produção agrícola significa produzir sem agrotóxico; replantar a mata atlântica, como cajueiro, angico, arueira, araribá, carnaúba, jenipapo, pau-ferro, pau-brasil, jequitibá rosa, ipê roxo e amarelo etc; produzir as próprias mudas da mata atlântica porque várias dessas árvores estão em situação de quase em extinção. Preservar o saber tradicional, conscientizar as novas gerações para os problemas ambientais é algo que, inexoravelmente, vai beneficiar a todos individual e coletivamente.
As gerações anteriores desmataram. A esperança é de que as gerações presentes e futuras possam recuperar a mata que dar sombra, cria alimento para os humanos, para passarinhos, abelhas, borboletas e demais componentes da fauna brasileira, e faz surgir as cacimbas, os riachos, as lagoas, os rios que quase desapareceram do espaço rural.
Ademais, cuidar da natureza significa observar os preceitos constitucionais sobre a função social da propriedade da terra e sobre o meio ambiente como um direito de todos e bem comum da humanidade.
3 MEIO AMBIENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O texto constitucional de 1988 possibilitou a intervenção do Estado nas questões ambientais e agrárias. O texto, faz referência ao meio ambiente em vários artigos com a seguinte redação: artigo 5º, LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao meio ambiente; artigo 20 - são bens da União: II - as terras devolutas indispensáveis à preservação ambiental, definidas em lei; artigo 23 - é competência comum da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios: VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, e VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; artigo 24 - compete à união, aos estados e ao distrito federal legislar concorrentemente sobre: VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; artigo 129 - são funções institucionais do ministério público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; artigo 170 - a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; artigo 174 - como agente normativo e regulador da atividade econômica, oEstado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 3º - o Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros; artigo 186 - a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; artigo 200 - ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho; artigo 220 - a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 3º compete à lei federal: II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente; artigo 231 - são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º. são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Mais precisamente, a Constituição de 1988 trata o tema do meio ambiente no Título VIII – Da Ordem Social - e confere destaque ao princípio da preservação e da utilização do instrumento do licenciamento ambiental quando estabelece em seu artigo 225, inciso IV, a obrigatoriedade da realização do estudo de impacto ambiental para as atividades potencialmente causadoras de impactos ambientais.
O artigo 225 da Constituição Federal determina que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Diversas leis, decretos e portarias foram editados para a regulamentação do uso dos recursos naturais e preservação do meio ambiente dentre outros em agosto de 1981, foi criada a Lei nº 6.938, recepcionada pela Constituição de 1988, que estabelece aPolítica Nacional de Meio Ambiente, cujo objetivo é a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, visando assegurar ao Estado brasileiro, condições mínimas de desenvolvimento socioeconômico, com interesses na segurança nacional e na proteção da dignidade da vida humana. Em janeiro de 1997, foi promulgada a Lei 9.433, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que regulamenta o inciso XIX do artigo 21 da Constituição de 1988, e altera o artigo 1º da Lei 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990 de 28 de dezembro de 1989.
A Lei nº 9.605 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre os crimes ambientais – Lei do Meio Ambiente – e a Lei nº 9.985 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) são instrumentos normativos que de certa forma fortaleceram o ordenamento jurídico brasileiro em matéria ambiental.
Contudo, mesmo diante de um arcabouço legislativo para a proteção ao meio ambiente, a atividade econômica, voltada para o crescimento econômico, incentiva uma subjetividade centrada nos interesses pessoais, na medida que os grandes empresários insistem em propagar o individualismo e a competição como instrumentos para o crescimento econômico a todo custo.
Apesar do Código Florestal de 2012, determinar que a obrigatoriedade de manutenção de áreas de reserva legal aplica-se tanto às propriedades privadas quanto às propriedades públicas, muitas empresas instaladas no espaço rural desobedecem a normativa, e seguem poluindo e degradando o meio ambiente.
A importância da aplicação do Código florestal, para preservação de ecossistemas naturais no interior de cada propriedade rural, parte da necessidade de proteção da fauna e da flora. A busca de uma conservação dos recursos naturais obedece à preocupação de garantir o desenvolvimento sócio/ambiental.
Segundo Muniz (2009), o II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) surgiu como condição para que se impulsione o crescimento econômico com a redistribuição de renda e a construção de uma sociedade moderna e soberana. Dito plano apresentou cinco diretrizes estratégicas, sendo estas: (i) a democratização do acesso à terra; (ii) o desenvolvimento rural; (iii) a universalização dos direitos essenciais; (iv) desenvolvimento territorial, e (v) a política de segurança alimentar.
Embora a reforma agrária não esteja na pauta das prioridades do Estado brasileiro, o Plano Nacional de Reforma Agrária deve integrar um programa e planejamento do governo como um projeto para a democratização do espaço rural. Para Muniz (2009), o Plano representa uma visão ampliada da reforma agrária que possibilita uma mudança na estrutura agrária brasileira, descentralizando a estrutura da propriedade rural e intervindo na estrutura produtiva por meio da garantia do crédito, do seguro agrícola, da assistência técnica, de políticas de comercialização e da garantia do direito de propriedade como um direito fundamental de todos baseado no desenvolvimento socioeconômico sustentável, respeitando os valores, os princípios e as regras determinadas pelo Estado brasileiro, ou seja, levando o ordenamento jurídico a sério (DWORKIN, 1977).
Qualquer plano de reforma agrária real deve prevê a adequação do modelo de reforma agrária às características de cada região. Os setores da população diretamente beneficiados pela reforma agrária são os camponeses, um povo com potencial para novos assentamentos humanos.
Todavia, atualmente, os camponeses assentados necessitam de infraestrutura e apoio para produzir; um imenso setor da agricultura familiar ainda não se integrou aos instrumentos do plano Safra, por exemplo. Os camponeses cuja situação instabilidade dificulta, quando não constitui uma situação intransponível para obter acesso às políticas públicas e política agrícolas que poderiam beneficiá-los.
Para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente saudável e uma reforma agrária real incumbe ao poder público: preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do Estado e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; definir, em todas as unidades da Federação (união, estados, distrito federal e municípios), espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei; promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; proteger a fauna e a flora.
Para Muniz (2009) a intervenção do poder público é fundamental no caso das demandas que envolvem o interesse social e, em especial, a função social da propriedade, pois revela que os cidadãos são obrigados a recorrer aos meios judiciários. Essa intervenção resulta numa dimensão jurídica do político, pois os assentamentos da reforma agrária se transformam em direito de propriedade, e tal propriedade deve cumprir a função social, para que esse direito seja garantido. A agroecológica e o cuidado com o meio ambiente, nos assentamentos rurais, são atos políticos que se transformam em novas demandas pelo respeito ao meio ambiente.
A Constituição brasileira de 1988, em seu texto, está diretamente conectada com a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, quando estabelece em seu artigo 8º, que os Estados devem tomar, a nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem assegurar, igualdade de oportunidade para todos em seu acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa da renda.
Assim, as lutas individuais de interesses privados que tentam sobrepor os interesses coletivos pautados no estímulo ao consumo não seria a base do desenvolvimento sócio/ambiental sustentável. É necessário romper com a concentração da propriedade da terra - que tem como objetivo apenas o lucro financeiro -, e investir nos cuidados com a terra - que garanta a distribuição equitativa da sua riqueza (RAWLS, 1971). O desequilíbrio causado, principalmente no espaço rural pela degradação, quer nas margens dos rios, quer nas encostas, vales e mananciais, são em alguns casos irreversíveis e proporcionam danos tanto para a natureza como para as comunidades que vivem centradas nesse ambiente.
O desenvolvimento nacional preconizado na Constituição de 1988, como princípio fundamental, passa pela observância das práticas econômicas utilizadas que respeite a cultura e as diferenças de cada espaço e de cada região brasileira. A vida flui em qualquer grupo social. Mas entre os que ocupam o espaço rural, em particular os camponeses, esta fluidez se revela de forma mais instigante pela postura simples e sábia como se apresentam à sociedade contemporânea.
A construção de uma racionalidade ambiental implica a realização e concreção de uma utopia [...] a racionalidade ambiental emerge de outros princípios, debatendo-se e avançando no real da racionalidade capitalista que plasma a realidade econômica, política e tecnológica dominante. O processo que vai desta emergência até a consolidação de uma racionalidade alternativa, é um processo de transição caracterizado pela oposição de perspectivas e interesses envolvidos em ambas racionalidades, mas também por suas estratégias de transformação, suas táticas de negociação e seus espaços de complementaridade. (LEFF, 2002, p. 134)
Os reflorestamentos das nascentes dos rios e as margens dos açudes, pelos integrantes do projeto de extensão “Juventude Rural e Empoderamento: formação de agentes ambientais e troca de saberes no campo da agroecologia”, da Universidade Federal da Paraíba, parece atender as orientações constitucionais. A educação, frente aos processos históricos de exclusão e iniquidade (DIAS, 2003), além de ser um direito fundamental a Constituição de 1988 em seu artigo 225, inciso VI, estabelece que é necessário - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.
As políticas públicas socioambientais, o planejamento, o controle ambiental com vistas ao desenvolvimento sustentável são variáveis imprescindíveis para à preservação tanto dos ecossistemas naturais quanto da cultura camponesa tendo em vista a sua importância para o desenvolvimento sustentável. Essa foi uma das discussões travadas de modo intenso pelas famílias camponesas que utilizam a agroecologia como forma de romper com a cultura do agronegócio.
As experiências camponesas nos assentamentos rurais da reforma agrária servem de alerta e de inspiração para a busca de entendimento mais profundo sobre a temática desenvolvimento socioambiental, diante da compreensão de que a realidade empírica tem demonstrado que o uso inadequado da terra tende a se intensificar, demandando grande quantidade de recursos naturais que, via de regra, são explorados economicamente à revelia da legislação ambiental, citada anteriormente, e da Constituição de 1988, trazendo, por consequência uma série de conflitos sociais, promovendo a injustiça socioambiental na utilização de tais recursos.
Trata-se, portanto, de um olhar para o futuro por parte dos camponeses e pesquisadores do assunto que envolve questões sobre as políticas públicas socioambientais, desenvolvimento humano e agroecologia como paradigma da sustentabilidade.
4 REFORMA AGRÁRIA COMO LINHA PARA FUTURO
O desejo de maior produção fez com que o sistema capitalista investisse em forças distintas da humana, tendo aderido ao desenvolvimento industrial, através da aquisição de máquinas a partir do século XVIII (HEILBRONER, 1996). Para tanto, agiu sobre os meios físicos, ocasionando transformações impactantes, principalmente, no espaço rural, consequentemente, ao meio ambiente.
No Brasil, a concentração da propriedade rural associada ao meio de produção capitalista não favoreceu aos camponeses que vivem e sobrevivem da terra; e os ecossistemas naturais ficaram cada vez mais precários. Assim, a continuação do debate sobre a reforma agrária e agroecologia, o comprometimento de diferentes participantes e a disputa pelo controle das iniciativas políticas resultam também no estabelecimento de redes entre vários movimentos sociais, políticos e ambientais que, mesmo mantendo o seu próprio perfil de exigências, chegam a acordos comuns, o que lhes permitem não ter uma única ideia e a buscar outros apoios e alianças.
Para Muniz (2009) a reforma agrária não se resume a desapropriar terras improdutivas. Ela exige um conjunto de ações e medidas por parte do poder público, a desapropriação da terra por si só não garante uma reforma de qualidade. Trata-se, portanto, de algumas etapas a serem observadas: (i) acesso à terra: é neste momento em que há o maior acúmulo de experiência por parte dos envolvidos, a propriedade deve ter um tamanho compatível com as necessidades das famílias, as formas de uso coletivo da terra devem ser respeitadas, tal como fazem os indígenas e outras formas de uso comum da terra; (ii) acesso à água: a terra sem água é terra improdutiva. O poder público deve garantir o acesso à água e/ou desenvolver formas alternativas de captação de água para a agricultura familiar; (iii) organização da produção: esta organização é coletiva e social, e inclui tecnologias e práticas tradicionais; (iv) escoamento da produção: a comercialização da produção é uma das grandes dificuldades para os camponeses, as feiras livres, onde existem, acabam sendo a única experiência de muitas famílias. O poder público deve estimular formas coletivas de comercialização, como a criação e manutenção de cooperativas, e apoiar a comercialização direta – do produtor ao consumidor –, fazendo a conexão entre o espaço rural e os centros urbanos.
Ressalta-se que o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo defende que os camponeses devem ser os protagonistas desse processo de reforma agrária. Os habitantes de cada lugar devem definir que tipo de reforma agrária deve ser implementada na sua região. Para as entidades que compõem o Fórum, não é possível implementar um único modelo para a imensa diversidade regional e cultural brasileira. Sobre a participação dos movimentos sociais Leff ressalta que:
Esta demanda de democracia e participação da sociedade obriga a rever os paradigmas econômicos, mas também as análises clássicas do Estado e as próprias concepções da democracia no sentido das demandas emergentes de sustentabilidade, solidariedade, participação e auto-gestão dos processos produtivos e políticos. (LEFF, 2002, p. 134)
A qualidade de vida nos assentamentos rurais está diretamente conectada com a qualidade do ambiente, e a satisfação das necessidades básicas dos camponeses, com a incorporação de um conjunto de normas ambientais para alcançar o equilíbrio do potencial produtivo dos ecossistemas que garantem a sobrevivência dos que vivem no espaço rural.
CONCLUSÃO
Para pensar um novo espaço rural brasileiro, defendem os movimentos sociais que - deve-se começar pela reforma agrária. O incentivo aos pequenos produtores, principalmente da agricultura familiar e da agroecologia, é muito importante para que funcione a produção local e o fornecimento da produção para todo o país. Para que isso aconteça vai depender de propostas mais ousadas por parte do Estado brasileiro para a garantia da cidadania no campo e o respeito à natureza. A extensão da cidadania à natureza, segundo Santos, significa “uma transformação radical da ética política da responsabilidade liberal, assente na reciprocidade entre direitos e deveres”. Por isso é necessário que se leve em consideração os saberes tradicionais articulados com as novas tecnologias sem prejuízo ao meio ambiente e seus ecossistemas, que essa pauta seja reivindicada.
A inserção da juventude rural, filhos e filhas de assentados da reforma agrária, no projeto de extensão Juventude Rural e Empoderamento: formação de agentes ambientais e troca de saberes no campo da agroecologia, em espaços que favoreceram a conscientização sobre meio ambiente, facilitou a pesquisa sobre a agroecologia e reflorestamento nos assentamentos rurais da reforma agrária na Paraíba.
Destaca-se que, a experiência dos projetos de extensão, através das oficinas (teóricas e práticas) realizadas nos assentamentos rurais foi toda baseada nos princípios de cidadania ambiental para todos como tarefa contemporânea; e, a educação ambiental para crianças e adolescentes dos assentamentos rurais da reforma agrária como instrumento para um novo olhar sobre espaço rural.
Assim, a pesquisa permitiu identificar proposições e orientações baseadas nos princípios da educação, em especial da educação ambiental visando a democracia no espaço rural e o exercício da cidadania ambiental dos camponeses ao usarem a agroecologia como novo paradigma de desenvolvimento e sustentabilidade.
REFERÊNCIAS
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DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Massachusetts: Harvard University Press,1977.
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FLORIANI, Dimas. Diálogos interdisciplinares para uma agenda socioambiental: breve inventário de debate sobre ciência, sociedade e natureza. In: Desenvolvimento e Meio Ambiente, nº 1, Paraná: UFPR: jan/jun, 2000, p. 21-39.
HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
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O ACCOUNTABILITY, A TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E O DIREITO HUMANO AO DESENVOLVIMENTO
ACCOUNTABILITY, PUBLIC TRANSPARENCY AND THE HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT
José Eduardo Costa Devides *
Daniel Barile da Silveira**
RESUMO: Os direitos humanos representam todos os direitos inerentes à existência humana digna, sendo, um deles, o desenvolvimento. Salienta-se que este direito não possui apenas vertente econômica, pois engloba outros fatores como cultura, política, meio ambiente etc. Assim, este trabalho analisou o direito humano ao desenvolvimento e concluiu que o accountability e a transparência pública são meios que visam à promoção do seu fim. Para isto, a pesquisa foi desenvolvida com base no método indutivo a partir de investigações de cunho qualitativo.
Palavras-chave: Desenvolvimento. Accountability. Direitos Humanos. Transparência Pública.
ABSTRACT: Human rights represent all the rights inherent in a dignified human existence, one of which is development. It should be noted that this right has not only an economic aspect, since it encompasses other factors such as culture, politics, environment, etc. Thus, this paper analyzed the human right to development and concluded that accountability and public transparency are means to achieve its goal. For this, the research was developed based on the inductive method based on qualitative investigations.
Keywords: Development. Accountability. Human rights. Public Transparency.
Recebido: 15. 05.2017
Aprovado: 11.06.2017
1 INTRODUÇÃO
A partir do período pós Segunda Guerra Mundial, países ocidentais preocupados com a recuperação das suas economias (que foram destruídas em razão da guerra) passaram a se preocupar com o direito humano ao desenvolvimento dos Estados. Tal direito não implica especificamente o crescimento econômico de um Estado, mas o seu desenvolvimento sob todos os aspectos, seja econômico, cultural, social, espiritual, ambiental, entre outros. A justificativa do presente trabalho pauta-se na análise das gerações dos direitos humanos à luz do direito ao desenvolvimento, para que todas as suas vertentes (econômicas, culturais, ambientais etc.) sejam efetivadas.
Ademais, o objetivo deste trabalho é o de informar sobre um importante mecanismo de direito público que fornece ao Estado meios para atingir seu desenvolvimento pleno.
Salienta-se que esta pesquisa foi elaborada em três capítulos. O primeiro trata dos direitos humanos e as gerações de direitos. O segundo refere-se ao desenvolvimento como direito humano. O último capítulo apresenta o accountability e a transparência pública como meios para se atingir o desenvolvimento.
Assim, a presente pesquisa foi desenvolvida à luz do método indutivo e a partir de investigações de cunho qualitativo, no intuito de elucidar o tema em questão.
2 OS DIREITOS HUMANOS E AS GERAÇÕES DE DIREITOS
O estudo dos direitos humanos compreende uma análise conjunta dos direitos fundamentais, em razão destes estarem compreendidos naqueles.
Os direitos humanos representam todos aqueles direitos inerentes à existência humana digna (como a vida, a saúde, a liberdade, a educação, entre outros), e que estão previstos em tratados internacionais. Já os direitos fundamentais também guardam o mesmo escopo, todavia, possuem abrangência constitucional[102]:
Em que pese sejam ambos os termos ('direitos humanos' e 'direitos fundamentais') comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo 'direitos fundamentais' se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão 'direitos humanos' guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).(SARLET, 2006, p. 36)
Assim, para que se possa compreender o estudo atinente aos direitos humanos, necessário é que seja realizada uma análise acerca da geração dos direitos fundamentais.
Os direitos de primeira geração representaram os de conquistas individuais, notadamente em relação aos direitos civis e políticos, tendo sido a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, a sua principal fonte. O que se buscava nessa geração de direitos era a repreensão do abuso do poder estatal, bem como a preservação da pessoa do indivíduo. De acordo com Ferraro e Peixinho:
Os direitos reclamados são identificados com a proteção da esfera de integridade física e moral do ser humano, com o objetivo de serem resguardadas as liberdades individuais de ir e vir, pensamento, expressão, reunião e associação, sempre para se privilegiar a perspectiva individual, mesmo quando o exercício do direito de associação ou reunião se estenda a coletividades de pessoas. Nessa dimensão, não se privilegiam os direitos de grupos distinguidos, mas de indivíduos que se reúnem em decorrência do exercício da liberdade individual. Na qualidade de cidadão, os direitos são cívicos, de votar e ser votado, de participar dos destinos do Estado, seja escolhendo os governantes, seja mesmo se candidatando a cargos eletivos. (FERRARO; PEIXINHO, 2012)
Assim, as finalidades desta geração eram, essencialmente, a busca pela liberdade individual e a não intervenção estatal.
Já os direitos de segunda geração referiam-se aos direitos sociais, culturais e econômicos. Tais direitos enalteciam o princípio da igualdade entre os homens e relacionavam-se à passagem do Estado liberal, de cunho individualista, para o Estado social, focado na proteção dos hipossuficientes e na busca da igualdade material (TOLFO, 2016).
Salienta-se que o início do século XX foi o período histórico que ficou marcado pelas preocupações sociais, tendo em vista o conteúdo trazido nas primeiras Constituições do mundo (Constituição mexicana de 1917, Constituição de Weimar de 1919 e a Constituição soviética de 1918). E para que as necessidades da comunidade fossem alcançadas, era necessária uma ação positiva do Estado com relação aos direitos sociais, econômicos e culturais.
Essa geração possui uma essência instrumental,
[...] porque se exige mais do que na categoria da primeira dimensão, que o Estado cuide para que – efetivamente – estejam à disposição as condições materiais para a concreta fruição desses direitos. Nessa categoria dimensional os direitos sociais se alargam e alçam a proteção de coletividades. Nesse sentido, o direito à associação em sindicatos permite que se vivencie o direito genuinamente exercido em função de indivíduos considerados coletivamente. (FERRARO; PEIXINHO, 2012)
Dessa forma, os fins colimados nesta geração eram a igualdade entre os homens e a busca por uma postura positiva do Estado na efetivação dos direitos previstos nas Constituições.
Ademais, têm-se os direitos de terceira geração, que representaram os direitos difusos da sociedade, tendo em vista a indivisibilidade dos bens que são tutelados[103]. “São direitos representativos dessa categoria a fraternidade, a paz, o meio ambiente, o respeito ao patrimônio histórico e cultural, e, ainda, a nova ordem econômica mundial” (FERRARO; PEIXINHO, 2012). O direito ao consumidor e ao desenvolvimento também são temas relacionados à terceira geração. Sobre o assunto, complementa
Os direitos fundamentais de terceira dimensão, conhecidos por expressarem valores atinentes à solidariedade e à fraternidade, são construídos em torno da titularidade coletiva ou difusa de um certo elenco de direitos, fruto de reivindicações e destinados à proteção de grupos humanos, povos, nações, coletividades regionais ou étnicas. Enfim, destinam-se ao gênero humano, em sentido amplo. Originalmente formatados no âmbito internacional, seriam aqueles direitos decorrentes da percepção da divisão do mundo entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, nascendo na segunda metade do século XX, a partir de reflexões sobre temas como desenvolvimento, meio ambiente e paz, entre outros. Entretanto, solidificou-se o entendimento segundo o qual tratam-se de direitos dessa dimensão os relativos (i) ao desenvolvimento, (ii) à autodeterminação dos povos, (iii) à paz, (iv) ao meio ambiente e à qualidade de vida, (v) à conservação e utilização do patrimônio comum da humanidade – histórico e cultural, e (vi) à comunicação (grifo do autor). (OLIVEIRA, 2009)
A globalização relaciona-se diretamente com os direitos desta geração, tendo em vista que
[...] ao internacionalizar os problemas internos dos Estados, permite que todos experimentem similares questões e tenham a necessidade de, em solidariedade global, lutar e proteger para resolvê-las, daí o sensível apelo aos diversos documentos internacionais de compromisso comum das nações signatárias. (MARQUES, 2007, p. 111)
A comunicação eletrônica, sem dúvidas, foi um meio que ajudou (e ajuda) a otimizar esta globalização. Segundo Giddens, “a comunicação eletrônica instantânea não é apenas um meio pelo qual notícias ou informações são transmitidas mais rapidamente. Sua existência altera a própria estrutura de nossas vidas, quer sejamos ricos ou pobres” (GIDDENS, 2007, p. 22). Logo, questões como guerras e miséria podem ser compartilhadas com o mundo todo em segundos, bastando apenas um click, o que aguça a indispensabilidade da união solidária prevista na terceira geração.
E é a partir da Segunda Guerra Mundial que o desenvolvimento, direito humano de terceira geração, ganha atenção por parte dos Estados e das organizações internacionais a fim de estabelecer uma sociedade mais justa, democrática e pacífica (FERNANDES; KINOSHITA, 2016).
3 O DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO HUMANO
Conforme citado no capítulo anterior, o tema desenvolvimento ganhou grande destaque no período pós Segunda Guerra Mundial, em que havia um sentimento universal em prol da concretização da solidariedade.
Mesmo não havendo previsão expressa do direito ao desenvolvimento na Constituição Federal de 1988 (CF/88), entende-se que este direito é um direito fundamental decorrente, por força do § 2o do art. 5o da Constituinte.
Todavia, pode-se depreender que o direito ao desenvolvimento encontra-se enraizado no inciso I, do art. 3o, da CF/88, que traz especificamente um dos direitos de terceira geração ao disciplinar que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Importante salientar que o termo desenvolvimento não se reduz apenas ao viés econômico, mas abrange outros aspectos como o social, o cultural, o político, o científico o tecnológico e até mesmo o espiritual do ser humano, “objetivando a plena realização dos homens e das mulheres que se traduzem em desenvolvimentos nacionais e culminam com o desenvolvimento global e planetário” (FERNANDES; KINOSHITA, 2016).
Aduz Ignacy Sachs que:
Em sua forma pluridimensional, o desenvolvimento, entendido ao mesmo tempo como um projeto (uma norma) e o caminho histórico em direção a ele, aplica-se à totalidade das nações. De forma alguma limita-se apenas ao caso dos países sucessivamente chamados de atrasados, subdesenvolvidos, menos desenvolvidos, em vias de desenvolvimento (SACHS, 1998, p. 151).
Verifica-se que o desenvolvimento visa à realização da dignidade da pessoa humana, e não de maneira coincidente estende-se a vários aspectos, como os de naturezas política, social, cultural, ambiental, dentre outras. Para Martinelli,
[...] se o Estado dá efetividade ao direito ao desenvolvimento por meio de políticas públicas de modo que a dignidade humana dos administrados seja respeitada, tem-se como consequência o engrandecimento do ser humano e a sua inclusão no meio social, conferindo-lhe então mais oportunidades e mais autodeterminação, de modo que, este mesmo administrado não poderá então alegar uma pretensa “hipossuficiência culpante” ou, vulnerabilidade, no momento de sua conduta delitiva, pois a sua autodeterminação terá sido preenchida pelo agir estatal. (MARTINELLI, 2013)
Com relação à expressão “direito ao desenvolvimento”, esta foi utilizada de maneira consistente apenas no ano de 1967, na encíclica Populorum Progressio, de Paulo VI. Segundo esta encíclica, o Estado deveria tomar providências necessárias à promoção do progresso dos povos, por meio de ações dirigidas ao “desenvolvimento integral do homem e para o desenvolvimento solidário da humanidade” (IGREJA CATÓLICA, 1967).
Posteriormente, no ano de 1986, o desenvolvimento foi consagrado como um direito humano na Resolução nº 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, a denominada Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento, disciplinando que:
a) o desenvolvimento engloba um processo econômico, social, cultural e político, que objetiva o bem-estar de toda a população;
b) a pessoa humana é o sujeito central do processo de desenvolvimento e que essa política de desenvolvimento deveria fazer do homem o seu principal beneficiário;
c) o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável (art. 1º, § 1º);
d) os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, aprimorando o bem-estar social, devendo participar de forma ativa, livre e significativa (art. 2º, § 3º);
e) o direito ao desenvolvimento deve respeitar os princípios do direito internacional, de acordo com o que prevê a Carta das Nações Unidas (art. 3º, § 2º);
f) os Estados têm o dever de cooperar uns com os outros para assegurar o desenvolvimento (art. 3º, § 3º), assim como tomar medidas (individual e coletivamente) para formular as políticas internacionais ao desenvolvimento (art. 4º);
g) os Estados deverão tomar fortes medidas para eliminar as violações dos direitos humanos dos povos, tais como o racismo e a discriminação racial, o colonialismo, a dominação estrangeira, ameaças contra a soberania nacional, ameaça de guerra, entre outros (art. 5º);
h) todos os direitos humanos e liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes (art. 6º, § 2º);
i) os Estados devem empenhar-se na promoção da paz e da segurança internacional, devendo haver o desarmamento geral e completo do efetivo controle internacional (art. 7º);
j) os Estados devem proporcionar a igualdade de oportunidade para todos no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa da renda, bem como tomar medidas que assegurem que as mulheres tenham um papel ativo no processo de desenvolvimento (art. 8º, § 1º);
k) os Estados deverão garantir o pleno exercício e o fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento, incluindo a formulação, a adoção e a implementação de políticas, medidas legislativas e outras, em níveis nacional e internacional (art. 10º).
Observa-se que a referida Resolução disciplinou que ao Estado é incumbida a missão de garantir o desenvolvimento através da formulação de políticas públicas, medidas legislativas, dentre outras formas. Mas, de que forma um país pode desenvolver-se por intermédio da participação ativa do Estado?
O capítulo seguinte do presente trabalho abordará um instrumento que é utilizado pelo Estado e é capaz de garantir o direito ao desenvolvimento: o accountability.
4 O ACCOUNTABILITY COMO MEIO PARA SE ATINGIR O DESENVOLVIMENTO
Um dos principais instrumentos utilizados pelo Estado que visa à concretização do direito ao desenvolvimento é o accountability, na medida em que possibilita a prestação de contas por parte do administrador e o pune caso viole a legislação. Este instrumento demonstra que o dinheiro público, a princípio, foi utilizado para as necessidades básicas da população (como saúde, educação, assistência social, segurança pública, dentre ouras).
O accountability possui caráter bidimensional, sendo denominados de answerability, que é a obrigação dos detentores de mandatos públicos informarem, explicarem e responderem pelos seus atos, e enforcement, que representa a punição imposta pelas agências no caso de aqueles detentores violarem os deveres públicos (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1349).
O Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (Clad) alertou, em 2006,
[...] que a realização do valor político da accountability depende de dois fatores: um deles é o desenvolvimento da capacidade dos cidadãos de agir na definição das metas coletivas de sua sociedade, já que uma população indiferente à política inviabiliza tal processo; o outro é a construção de mecanismos institucionais que garantam o controle público das ações dos governantes ao longo de todo o seu mandato.
[...]
Convém destacar ainda que o Clad (2006) identifica cinco formas de avaliação da administração pública, nas quais fica evidenciado, mais uma vez, o caráter multidimensional da accountability: a) pelos controles clássicos; b) pelo controle parlamentar; c) pela introdução lógica dos resultados; d) pela competição administrada; e e) pelo controle social (grifo nosso). (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1353)
Assim, a ideia de “controle de poder” encontra-se insculpida no termo accountability, objetivando: a) a responsabilização pessoal dos agentes públicos pelos atos praticados e; b) a espontânea prestação de contas por estes.
Com relação ao primeiro aspecto, tem-se a Lei de Improbidade Administrativa como a grande responsável em sancionar os agentes públicos que enriqueçam ilicitamente, que causem prejuízo ao erário, ou que atentem contra os princípios da administração pública[104].
Com relação ao segundo aspecto (prestação de contas pelos agentes públicos), o ordenamento jurídico possui vasta legislação sobre o tema referente à transparência pública, como se verá no tópico seguinte.
4.1 A Transparência Pública
A transparência no serviço público é um princípio que deve ser colocado em prática pelo Poder Público para propiciar à população o direito de se cientificar (e participar) de todos os atos e procedimentos que aquele venha a realizar, e para evitar, principalmente, que políticos corruptos façam mau uso do dinheiro público.
Pode-se afirmar que a transparência pública é sustentada por dois institutos jurídicos, quais sejam: a cidadania e o direito à informação. A cidadania é o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais que se encontram positivados na legislação. Já o direito à informação representa o (fácil) acesso a informações públicas que são de interesse da população. Gilmar Ferreira Mendes complementa o raciocínio ao afirmar que “[...] o princípio democrático opera em mão dupla. O acesso às informações governamentais que proporciona o princípio da transparência fortalece a democracia; do mesmo modo, o fortalecimento desta estimula um maior acesso àquelas informações” (MENDES, 2009, p. 353). Assim, devem existir mecanismos que divulguem tais informações relevantes à sociedade para que esta possa organizar-se e participar das questões públicas. E é esse fim que a transparência pública deve buscar.
Ainda que a transparência no serviço público não se encontre expressamente elencada no rol do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, ela deve ser considerada como um direito fundamental do cidadão, tendo em vista que ela se traduz no binômio cidadania/direito à informação, que são direitos fundamentais.
Ademais, tendo em vista que o povo elege seus representantes para que estes possam desempenhar suas funções em prol da coletividade, é justo que os agentes políticos prestem conta dos valores e bens públicos utilizados para o atendimento deste fim. Logo, a transparência mostra-se como um dever do agente político para com o cidadão que o elegeu para fazer suas vezes frente a questões de interesse coletivo, seja em âmbito nacional ou internacional.
Salienta-se que a transparência administrativa possui como grande expoente o princípio da publicidade, insculpido no caput do art. 37 da CF/88, na qual informa que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”. (grifo nosso)
Segundo Pedro Lenza, “o princípio da publicidade é ínsito ao Estado democrático de direito e está intimamente ligado à perspectiva de transparência, dever da Administração Pública, direito da sociedade” (LENZA, 2011, p. 1.163). Não se pode ocultar aos administrados os assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida (MELLO, 2009, p. 258).
A publicidade dos atos administrativos encontra respaldo no direito fundamental à informação, inserido no art. 5º, XXXIII, da Constituinte, garantindo a todos o direito de receber dos órgãos públicos (e entidades) informações de interesse particular ou coletivo, excetuando-se a garantia de sigilo daquelas que sejam imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado. Assim, qualquer restrição ou limitação aos direitos fundamentais deve possuir autorização expressa na própria Constituição Federal de 1988.
Aliás, a Constituinte ainda prevê o habeas data como a ação autônoma de impugnação apta a remediar determinada situação em que o cidadão tenha o seu pedido de acesso à informação negado. Todavia, por tratar-se de um instituto voltado ao interesse público, a transparência também poderá ser tutelada através do mandado de segurança e da ação popular, nos termos do art. 5º, incisos LXIX e LXXIII da CF/88
No tocante à regulação infraconstitucional da transparência nos serviços públicos, importante salientar que existe uma gama de leis que tratam sobre o assunto. Dentre elas, destacam-se:
a) A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000): esta lei estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e possui uma seção que trata especificamente sobre o tema, intitulada “da transparência da gestão fiscal”, possuindo a seguinte redação os artigos 48 e seguintes:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante:
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos;
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público;
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a:
I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado;
II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.
Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.
Sobre os artigos acima transcritos, importante frisar sobre a imprescindibilidade da utilização dos meios eletrônicos de acesso público, como a internet, para a divulgação dos principais atos e procedimentos administrativos que envolvam valores monetários (como o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal).
Outrossim, o incentivo à participação popular nas audiências públicas também é um mecanismo que o Poder Público deve efetivar para garantir legitimidade dos documentos que serão elaborados, bem como para obter a chancela da sociedade.
Ainda com relação aos artigos supratranscritos, também é necessário que haja a publicação nos meios eletrônicos, de forma pormenorizada, de todos os atos que gerem despesas (como o bem a ser adquirido e o seu preço, o nome do fornecedor e o número do processo que deu início à aquisição) e receitas (como o recebimento de valores de determinada unidade gestora) à Administração Pública.
Por derradeiro, a LC nº 101/2000 dispõe sobre a obrigatoriedade das contas do Chefe do Poder Executivo encontrarem-se (de forma física) disponíveis no Poder Legislativo para consulta e apreciação dos cidadãos.
b) A Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação): importante mencionar que a lei tratou de disciplinar de forma clara que a publicidade das contas públicas é a regra, e o sigilo a exceção.
Quanto à publicidade das informações de interesse geral, o art. 8º prevê que elas independem de requerimentos por parte das pessoas físicas (ou jurídicas), sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). Caso não seja possível o acesso imediato da informação que se deseja, o órgão ou entidade pública terá o prazo de 20 (vinte) dias, prorrogáveis por mais 10 (dez), mediante justificativa expressa, para transmiti-la ao requerente (art. 11).
No tocante à solicitação de informações de caráter pessoal (de algum agente público, empregado terceirizado, representante de fornecedor, por exemplo), aduz o art. 31 que esta deverá respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bem como as liberdades e as garantias individuais. O que se espera da transparência pública é a publicidade fidedigna de informações que se relacionem ao erário, sem que esta publicidade (seja através de meios físicos ou eletrônicos) seja desarrazoada ao ponto de expor a vida pessoal de certo indivíduo que atue direta ou indiretamente na Administração Pública.
Com relação a temas que envolvam a segurança da sociedade ou do Estado, a LAI define que é plenamente possível a classificação das informações. Noutras palavras, classificar, aqui, significa que a informação poderá ser negada ou restringida. Os incisos do art. 23 enumeram as possibilidades de classificação, nos casos em que a informação possa colocar em risco a saúde da população (III); prejudique ou cause risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico; ou comprometa atividades de inteligência (VIII).
Outrossim, a lei ainda frisa que o acesso à informação deverá se dar através de procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão (art. 5º), assim como a obrigatoriedade de ser gratuito o fornecimento da informação, com exceção dos casos em que haja a necessidade de se reproduzir documentos (como no caso da cópia reprográfica), de acordo com o estipulado no art. 12.
Por último, importante enaltecer o conteúdo trazido pelo artigo 21, que afirma sobre a impossibilidade de se negar acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais. Da mesma forma, o parágrafo único do mesmo artigo acoberta os direitos humanos, pois informa que não podem ser restringidas ao acesso às informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem em sua violação por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas;
c) Lei nº 10.257/2011: descreve sobre a gestão democrática e a audiência do Poder Público Municipal como mecanismos de participação da população nas questões públicas. A iniciativa popular de projeto de lei de desenvolvimento urbano, a audiência e a consulta pública, a publicidade e o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações no processo de elaboração do plano diretor também são ferramentas hábeis a garantir a neutralidade dos serviços públicos.
Destaca-se, ainda, o conteúdo do art. 44 que ressalta sobre a necessidade da realização de debates, audiências e consultas públicas antes de a Câmara Municipal aprovar as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e orçamento anual, tudo em razão do dever de transparência;
d) Lei 8.666/93: o art. 7º da LAI (Lei de Acesso à Informação) dispõe, no inciso VI, que o acesso à informação compreende, entre outros, o direito de obter “informações pertinentes à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos”.
Ainda que a Lei 8.666/93 não tivesse mencionado expressamente sobre a obrigatoriedade de se garantir o acesso a informações sobre o seu procedimento, necessário é que se façam algumas ponderações sobre esta lei para que se conclua que o dever de publicidade encontra-se presente implicitamente no seu conteúdo.
A publicação de editais nos sítios eletrônicos e de seus avisos nos órgãos oficiais, por exemplo, é um direito que o cidadão tem de se cientificar sobre o que o Poder Público está contratando e o por quanto ele irá contratar. Além disso, não só a publicação de editais, mas outros atos necessários para o deslinde da licitação devem ser publicados nos sítios eletrônicos do órgão/entidade, em obediência ao princípio da transparência dos serviços públicos (como a homologação, extratos de contratos, ou eventuais impugnações e recursos que possam existir contra o procedimento licitatório).
Da mesma forma, deverá haver a publicação do resumo do instrumento contratual (ou dos seus aditamentos) na imprensa oficial, para que a população se cientifique sobre as principais obrigações que foram acordadas entre o fornecedor e a administração pública, nos termos do que determina o art. 61 da Lei de Licitações.
Salienta-se que a consulta física ao processo de licitação (seja em qualquer fase do seu procedimento) pelo cidadão é igualmente uma das formas de se garantir a publicidade dos atos e procedimentos da Administração Pública.
Outra característica da lei licitatória que marca a transparência é a obrigatoriedade de instauração de audiência pública (para a eventual participação de quaisquer interessados) quando o valor estimado de uma licitação superar o valor de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais).
A imposição de uma audiência pública antecedente a um processo de licitação, nada mais é do que um desdobramento da soberania popular, tendo em vista que os administradores que ali se encontram são os representantes escolhidos pelo povo.
Ademais, a obrigatoriedade de se manter o local das sessões de licitação com acesso irrestrito a qualquer interessado, também é uma das formas de se atestar que o princípio da transparência é aplicável à Lei 8.666/93.
Dessa forma, o accountability propicia a consagração do direito humano ao desenvolvimento, tendo em vista que as sanções impostas ao mau administrador e a transparência pública direcionam as ações do agente público, obrigando-o a agir de acordo com a legislação e, consequentemente, garantindo a realização de investimentos financeiros capazes de possibilitar o desenvolvimento nacional em todas as suas vertentes.
CONCLUSÕES
Durante o desenvolvimento da presente pesquisa pode-se concluir que:
1) os direitos humanos representam todos aqueles direitos inerentes à existência humana digna (como a vida, a saúde, a liberdade, a educação, entre outros), previstos em tratados internacionais. Já os direitos fundamentais também guardam o mesmo escopo, todavia, possuem abrangência constitucional;
2) os direitos de primeira geração representam os de conquistas individuais, notadamente em relação aos direitos civis e políticos;
3) os direitos de segunda geração referem-se aos direitos sociais, culturais e econômicos e exigem uma aproximação do Estado para a realização desses direitos;
4) os direitos de terceira geração representam os direitos difusos da sociedade, como a paz, o meio ambiente equilibrado e a solidariedade;
5) o direito ao desenvolvimento encontra-se enraizado no inciso I, do art. 3o, da CF/88, pois trata do tema atinente à solidariedade;
6) o desenvolvimento visa a realização da dignidade da pessoa humana, e não de maneira coincidente se estende a vários aspectos, como os de natureza política, social, cultural, ambiental, dentre outros;
7) no ano de 1986, o desenvolvimento foi consagrado como um direito humano na Resolução nº 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, a denominada Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento, a qual trouxe os principais aspectos referentes ao tema (como a cooperação mútua entre os Estados, a indivisibilidade dos direitos humanos e a pessoa humana como o sujeito central do processo de desenvolvimento);
8) um dos principais instrumentos utilizados pelo Estado que visa à concretização do direito ao desenvolvimento é o accountability, na medida em que possibilita a prestação de contas por parte do administrador e o pune caso viole a legislação, o que demonstra que o dinheiro público, a princípio, foi utilizado para as necessidades básicas da população (como a saúde, a educação, a assistência social, a segurança pública, dentre outras);
9) a Lei de Improbidade Administrativa e o Código Penal são as ferramentas legais responsáveis por sancionar os agentes públicos investigados por corrupção;
10) A transparência pública, por intermédio da legislação vigente (notadamente em relação à Lei 8.666/93, Lei 101/2000, Lei 12.527/2011 e Lei 12.527/2011) obriga a prestação de contas por parte do administrador, contribuindo para que este não desvirtue a sua função pública, o que efetiva a concretização do desenvolvimento do Estado.
REFERÊNCIAS
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(AUTO)REGULAÇÃO DO MERCADO, DIREITO CONCORRENCIAL E ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: É POSSÍVEL UMA CONCORRÊNCIA PERFEITA?
MARKET SELF-REGULATION, COMPETITION LAW AND ECONOMIC ANALYSIS OF LAW: IS A PERFECT COMPETITION POSSIBLE?
Mariana Oliveira de Melo Cavalcanti[105]*
Adrualdo de Lima Catão[106]**
RESUMO:Partindo da estreita relação entre mercado, direito e economia, o artigo se propõe a utilizar a Análise Econômica do Direito a fim de avaliar os fundamentos das normas antitruste em cotejo com a natureza da concorrência. Entendendo o mercado como processo dinâmico, questiona as bases teóricas do Direito Concorrencial e enfoca as consequências nocivas da intervenção estatal na tutela concorrencial, minando a autorregulação como força endógena e produzindo distorções por meio da criação de um ambiente artificial de negócios.
Palavras-chave:Direito Concorrencial. Análise Econômica do Direito. Regulação do Mercado. Direito e Economia. Concorrência Perfeita.
ABSTRACT:On the assumption of the close relationship between market, law and economics, the article uses theEconomic Analysis of Lawin order to assess the fundamentals of antitrust rules in comparison with the nature of competition. Understanding the market as a dynamic process, it questions the theoretical bases of the Competition Law, highlighting the harmful consequences of state intervention in its tutelage, undermining self-regulation as an endogenous force and producing distortions through the creation of an artificial business environment.
Keywords: Competition Law. Economic Analysis of Law. Market Regulation. Law and Economics. Perfect Competition.
Recebido: 15.05.2017
Aprovado: 21.06.2017
1 À GUISA DE INTRODUÇÃO – A ESTREITA RELAÇÃO ENTRE MERCADO, DIREITO E ECONOMIA.
Compreendido como um locus no qual agentes econômicos procedem à troca voluntária de bens e serviços, o surgimento do mercado se dá de forma prévia à estruturação do Estado moderno ou de um corpo jusnormativoformalmente organizado. Assim como o Direito, o mercado pressupõe a existência de relações intersubjetivas, marcadas pelo reconhecimento de um direito de propriedade capaz de atribuir, aos indivíduos, condições e possibilidades para a livre disposição destes bens e serviços.
Neste sentido, Beckert (2009, p. 248) pontua:
Os mercados são arenas de interação social. Eles fornecem uma estrutura social e uma ordem institucional para a troca voluntária de direitos sobre bens e serviços, que permitem aos atores avaliar, comprar e vender esses direitos[107].
Dessa maneira, a função precípua do Direito em relação ao mercado se dá por meio de uma clara definição e salvaguarda do direito de propriedade, o qual é subjacente ao processo de trocas voluntárias[108] e garante uma melhor alocação dos recursos escassos. Do mesmo modo, o fenômeno jurídico pode ser compreendido a partir de suas consequências e, sobretudo, da natureza muitas vezes indutora de comportamentos, própria de sua linguagem prescritiva, estruturada a partir de modais deônticos (“P” permitido, “V” proibido/vedado, “O” obrigatório), pelo que se torna viável uma maior proximidade com os métodos e ferramentas da Economia.
Por ser a ciência que tem por objeto a análise de como as pessoas e a sociedade decidem empregar recursos escassos para produzir, distribuir e consumir bens variados, a Economia transcende o próprio mercado, sendo aplicável, inclusive, ao estudo do comportamento humano (behavioraleconomics), albergando fatores sociais, emocionais e cognitivos para explicar o processo decisório de indivíduos e instituições, com resultados relevantes em áreas como a escolha pública (a chamada publicchoice, que hoje figura como um ramo da teoria econômica).
Neste contexto, a Análise Econômica do Direito (também denominada Law andEconomics) é uma corrente que propõe uma visão multidisciplinar do Direito, associando-o, especialmente, à Economia, disciplina da qual incorpora ferramentas para a criação de uma metodologia própria, destinada a se debruçar sobre o direito enfatizando as consequências geradas pelas normas, seja em seu processo de formulação, no plano legislativo, ou de concretização, no plano da decisão judicial. Ivo Gico Jr. (TIMM, 2012, p.01) a conceitua como:
[...] o campo do conhecimento humano que tem por objetivo empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências.
A Economia, portanto, deixa de atuar tão somente como prognose – i.e, referencial de previsibilidade do comportamento das pessoas e instituições quanto à obtenção e alocação de recursos escassos –, e passa a ser utilizada como ferramenta idônea a identificar resultados não necessariamente mercadológicos decorrentes da norma jurídica, explicitando sua aptidão para, por exemplo, ao moldar as relações intersubjetivas, distorcer, corrigir (?) ou orientar o mercado, também considerado como uma esfera de interação social.
Nesta ótica, descabe uma visão meramente analítica do Direito, uma vez que, para além da análise sintática associada à estrutura deôntica da norma, bem como a hermenêutica jurídica comumente atrelada ao conteúdo semântico, o imperativo pragmático demanda o estudo normativo em cotejo com a realidade e o contexto social, pelo que valoriza a validação empírica e rechaça o essencialismo.
Demonstrando a insuficiência de uma abordagem meramente lógico-analítica ao Direito, Maccormick (2006, p.30-31)aponta:
No atual contexto, porém, estamos interessados não na demonstração de verdades lógicas, mas em sua aplicação, ou seja, a aplicação de formas de argumentação logicamente válidas em contextos legais. Do fato de ser válida a argumentação decorre que, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão deverá ser verdadeira; mas a própria lógica não tem como determinar ou garantir a veracidade das premissas. Se elas são ou não verdadeiras é (ou pelo menos pode ser) uma questão empírica.
Dando ênfase às consequências – inter partes e sistêmicas –, a Análise Econômica do Direito pode subsidiar a tomada de decisões tanto no processo legislativo quanto na solução de processos subjetivos, sem prejuízo das técnicas hermenêuticas tradicionais ou de outros enfoques pertinentes à compreensão do Direito.
De fato, a interdisciplinaridade na análise do direito lhe acrescenta não só em conteúdo, mas, também, em método, não se podendo afirmar que exista uma incompatibilidade entre o método de análise jurídica e econômica. Apesar disto, em que pese estarem associadas, Direito e Economia, como ciências autônomas, nem sempre dialogam e mantêm tradições acadêmicas muitas vezes divergentes, a exemplo do eficientismo econômico e da (de)ontologia jurídica. Nesta seara, considerando o Poder Judiciário como instituição, é pertinente destacar North (2006, p.17):
[...] as instituições são formadas para reduzir incertezas por meio da estruturação das interações humanas, o que não significa implicitamente que os resultados serão eficientes, no sentido dado a esse termo pelos economistas.
Assim, se por um lado a ciência jurídica não pode se perder completamente do estudo dogmático das leis postas, tomando-as como ponto de partida, uma incursão zetética sobre a utilidade delas também se faz relevante, mormente em tempos de profusão legislativa e enunciação de incontáveis “princípios”.
Neste sentido, mesmo o modelo adotado pelo constituinte para tratar a ordem econômica, na qual se insere a tutela do antitruste, assim como sua interpretação pela legislação inferior, tribunais e órgãos administrativos de defesa da concorrência podem ser questionados no tipo de análise proposto. Outrossim, é próprio da abordagem zetética não se limitar a explanar ou mimetizar a sistemática vigente, mas, sobretudo, questioná-la.
Cotejando tal proposta com a metodologia da Análise Econômica do Direito, constatamos quea busca pela eficiência comumente se coloca como corolário da análise das consequências, sobretudo em um contexto normativo, que transcende a visão positiva (descritiva do que “é”) para propor o que deveria ser.
No âmbito do Direito Concorrencial ou Antitruste, objeto do presente estudo, busca-se tradicionalmente tutelar a liberdade de comércio, a proteção ao consumidor e a livre inciativa na tentativa de aproximar o mercado de um modelo de equilíbrio e concorrência perfeita, embora se reconheça tais noções como meramente ideais – uma abstração lógica impossível de se perfazer em sua totalidade em condições reais.
Questionando estes pressupostos neoclássicos, e compreendendo o mercado como processo, debruçar-nos-emos sobre os fundamentos das normas antitruste à luz da Análise Econômica do Direito e os postulados da Escola Austríaca de Economia[109], a fim de lançarmos luz sobre os caminhos e possibilidades da “eficiência” postulada pelo Estado na regulação de mercados e na tutela concorrencial, refletida no ideal da “concorrência perfeita”.
2 A POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA E SUAS BASES TEÓRICAS
A Constituição Federal reserva o Título VII à ordem econômica e financeira e nele traça seus contornos, remontando ao valor social do trabalho e da livre iniciativa,fundamentos da Repúblicajá previstos no art. 1º, IV. Assim dispõe o constituinte no art. 170:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995).
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
O constituinte adotou um modelo “intermediário” no trato da matéria, o qual, em tese, buscaria conciliar a liberdade de iniciativa com interesses sociais subjacentes, como a defesa do consumidor.Deste modo, privilegiou o desempenho da atividade econômica pela iniciativa privada enquanto, por outro lado, incumbiu ao Estado a atividade de planejamento, fiscalização e regulação desta. É o que se depreende, sobretudo, da leitura do art. 173 da Constituição:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei[110].
Tratando especificamente do direito antitruste, a Constituição prossegue, em seu art. 173, §4º, disciplinando que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Por sua própria redação, nota-se que a referida norma constitucional tem eficácia limitada (SILVA, 1998, p.81-82)[111], demandando uma regulamentação que lhe confira plena normatividade ulterior.
Assim, com vistas a concretizar a prescrição insculpida no art. 173, §4º e o princípio exarado no art. 170 da Constituição, associando-o às demais normas informadoras da ordem econômica, a livre concorrência foi disciplinada no Brasil sob a égide do novo sistema constitucional a partir da lei nº 8.158/91, documento normativo que alterou a lei nº 4.137/62 (a primeira a de fato tratar das normas antitruste, criando o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
A partir de então, duas alterações substanciais ocorreram na legislação pátria, sendo a primeira por meio da lei nº 8.884/94, que transformou o CADE em autarquia, reestruturou as competências das autoridades de defesa de concorrência e inovou a disciplina dos atos de concentração e condutas anticompetitivas.
A última alteração relevante se deu com a edição da lei nº 12.529/11, que modificou a estrutura organizacional do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, acrescentou o controle prévio dos atos de concentração e alterou procedimentos administrativos de investigação e repressão a condutas anticompetitivas, mudando não só os parâmetros mínimo e máximo das multas, mas também suas bases de cálculo.
Assim, tem-se que, no atual regramento infraconstitucional, seguindo os ditames do art. 1º da Lei nº 12.529/2011, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência objetiva “a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”, mesclando valores orientados por ideologias diversas, na trilha do ecletismo constitucional. A tal respeito, anota Camargo (2001, p.82):
Vários elementos dos modelos ideológicos puros anteriormente expostos aparecem nos textos constitucionais, muitas vezes se entrechocando, de tal sorte que o jurista ortodoxo se perplexifica com a aparente contradição entre as disposições. E os dispositivos que conformam a ordem econômica não fogem à regra. Daí por que a ideologia adotada na ordem jurídica não tem compromisso com determinado modelo ideológico puro, pois que elementos de cada um destes se fazem presentes devidamente harmonizados é que a compõem.
Resta saber, contudo, como se dá tal harmonização na práxis concorrencial brasileira. Reconhecendo as dificuldades de conceituação no âmbito doutrinário, Massimo Motta e Lucia Helena Salgado definem política de concorrência como “o conjunto de políticas e leis que asseguram que a concorrência no mercado não seja restringida de maneira a reduzir o bem-estar econômico” (MOTTA; SALGADO, 2015, p.29).
Contudo, desde o início não encontraremos uma acepção unívoca para tal definição, uma vez que, conforme os próprios autores mencionados reconhecem, o sentido de “bem-estar” está longe de ser pacífico, oscilando principalmente entre o “bem-estar econômico”, que enfoca o excedente total (soma do excedente do consumidor e o excedente o produtor), e o “bem-estar do consumidor”, que privilegia o excedente do consumidor, sendo este a medida agregada do excedente de todos os consumidores[112] (MOTTA; SALGADO, 2015, p.18).
Para além de definições, é evidente que a própria atividade de tutelar da concorrência pressupõe a existência de um parâmetro comparativo pelo qual seja possível confrontar um estado atual a um estado desejado, recorrendo à intervenção estatal para pretensamente corrigir o mercado e aproximá-lo a noção ideal de concorrência perfeita. Em sendo assim, o Direito Concorrencial finca suas bases não só na assunção de sua existência, mas na busca por um estado de equilíbrio de mercado.
Tal situação se daria em um cenário onde nenhum competidor é suficientemente capaz de determinar o preço de um produto, possuindo ingerência, tão somente, quanto à quantidade do produto ou serviço que colocará à oferta, dado que a formação do preço será resultado da interação de indivíduos no mercado.
No entanto, é justa e inerente ao livre mercado a existência de monopólio decorrente da maior competência da empresa ao, por exemplo, ter ganhos em eficiência por meio de investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) ou, ainda, desenvolver inovações. Neste sentido já se colocava Schumpeter e sua teoria da “destruição criativa” também aplicável ao antitruste, em que defendia a maximização do bem-estar pela sucessão temporária de monopólios, garantindo ao empreendedor lucro suficiente para se compensar do alto risco de fracasso inerente às inovações[113].O autor vê este movimento como natural, salientando (SCHUMPETER, 1997, p.132):
Apenas uma coisa nos interessa aqui: o resultado final deve ser uma nova posição de equilíbrio, na qual, com os novos dados, reine novamente a lei do custo, de modo que os preços dos produtos agora sejam de novo iguais aos salários e rendas dos serviços do trabalho e da terra que estão incorporados nos teares [o produto com o qual dá o exemplo], mais os salários e rendas dos serviços do trabalho e da terra que ainda devem colaborar com os teares para que o produto possa vir a existir. O incentivo a produzir mais e mais produtos não cessará antes que se alcance essa condição, nem antes que o preço caia como resultado do crescimento da oferta. Consequentemente, o excedente do empresário em questão e de seus seguidores imediatos desaparece. Não em seguida, é verdade, mas, em regra, apenas após um período maior ou menor de diminuição progressiva.
Assim, de per se, o monopólio não é indesejável, o que de início suscita questionamentos a respeito do controle prévio ou preventivo da concorrência, limitando os atos de concentração. (fusões, aquisições, incorporações, aquisição de controle) e cooperação econômica (como as joint ventures)[114].Traçadas tais considerações, resta avançar para analisar o modelo brasileiro diante da natureza da concorrência, proporcionando um encontro dialógico entre Direito e Economia.
3 AS NORMAS ANTITRUSTE E A NATUREZA DA CONCORRÊNCIA.
Sendo um verdadeiro elemento de caracterização do mercado, a competição implica, ao agente econômico, não só a consideração sobre suas próprias decisões (no que tange, por exemplo, à fixação do preço), mas a preocupação quanto às prováveis decisões de outros atores que possam entrar em competição. Afirma Beckert (2009, p. 248):
Os mercados contêm não apenas o elemento de troca, mas são caracterizados pela concorrência, o que significa que a existência de um mercado pressupõe pelo menos três atores: um, de um lado do mercado, confrontado pelo menos outros dois atores do outro lado cujas ofertas podem ser comparadas. "Pode-se dizer que existe mercado onde quer que haja competição, mesmo que apenas unilateral, para oportunidades de troca entre uma pluralidade de potenciais partes" (WEBER, 1985, Vol. 1, p. 635). Os atores de ambos os lados da interface do mercado têm interesses parcialmente semelhantes e em parte conflitantes: embora ambos tenham interesse no intercâmbio de um bem, têm interesses conflitantes em relação ao preço e outras especificações do contrato, a partir do qual uma "luta de preços" emerge e resulta - se o intercâmbio está para acontecer - em um compromisso entre os parceiros de troca[115].
Em que pese a aparente obviedade da constatação de que a competição é uma característica inerente ao livre mercado, o modelo de “mercado em concorrência perfeita” considerado na doutrina concorrencial, inspirado na tradição econômica neoclássica, deflaciona o papel do empreendedor e o fato de que o mercado é um processo, e não um dado estático.
Seguindo a tradicional doutrina do Direito Concorrencial, Nusdeo (2005, p.267) elenca as características de um mercado em concorrência perfeita, um modelo idealizado que retrata, em tese, as condições ideais de mercado:
[...] o regime de concorrência perfeita exige para se considerar caracterizado um grande número de requisitos, dos quais são essenciais os seguintes: a) grande número de compradores e de vendedores em interação recíproca; b) nenhum deles suficientemente importante a ponto de exercer qualquer influência nas condições de compra ou de venda do produto em questão (atomização de mercado); c) homogeneidade do produto das operações; d) plena mobilidade dos agentes operadores e de seus fatores, isto é a facilidade de acesso ao mercado e de retirada dele por parte de qualquer interessado; e) pleno acesso dos operadores a todas as informações relevantes; f) ausências de economia de escala; g) ausência de economias externas (externalidades).
Fundadas em tais premissas, a doutrina e legislação concorrencial passaram a conceituar práticas como “atos de concentração” e “monopólio”, considerando um dado “mercado relevante”. Contudo, tal visão desconsidera a própria competição como força endógena do mercado, atuando em constante movimento para a formação de preços e outras condições de entrega do produto ou serviço ao consumidor. Mais do que isto: ignora não ser a natureza do mercado um dado fixo e revelado, mas um processo em constante mutação, no qual os agentes cometem e corrigem erros de alocação de forma gradual.
Reisman (1998, p. 07) trata deste ponto em cotejo com uma crítica à teoria do equilíbrio parcial marshalliana, sobretudo no que se refere ao conceito de “firma representativa” ou “firma típica”. Sustenta o autor:
Ao propor a doutrina do equilíbrio parcial, Marshall introduziu o conceito perverso da "empresa representativa" - uma alegada empresa média, cuja multiplicidade supostamente constituiria uma indústria. Esse conceito destruiu a capacidade da teoria econômica de reconhecer até mesmo a possibilidade de competição. Isso porque, se todas as empresas de uma indústria fossem, na verdade, perfeitamente iguais, nenhuma base poderia existir para qualquer delas ganhar na concorrência, ou, portanto, para tentar competir em primeiro lugar. Não surpreendentemente, a aceitação do conceito de empresa representativa conduziu algumas décadas mais tarde à conclusão (considerada na época como uma descoberta revolucionária) que não existia nenhuma razão para uma empresa de porte considerável jamais cortar seu preço, exceto em condições em que pagaria uma única firma monoponista para fazê-lo. Isso se daria porque seus concorrentes, todos supostamente tão eficientes quanto, iriam imediatamente corresponder ao seu corte. Assim, teria pouco ou nada a ganhar cortando - certamente não o negócio de seus concorrentes. A solução para esse alagado estado de coisas é supostamente uma política antitruste radical, que fragmentaria todas as grandes empresas, ou então a nacionalização de tais empresas e/ou o controle do governo sobre seus preços - e outras políticas que forçariam as empresas na mesma indústria a produzir produtos idênticos e indistinguíveis. Desde a década de 1930, esta doutrina e sua elaboração constituíram a substância do conteúdo teórico da maioria dos livros de "microeconomia"”[116].
Também enfrentando a matéria em seu artigo Platonic Competition (Competição Platônica), Reinsman questiona a teoria da “concorrência pura e perfeita” como elemento central da teoria econômica contemporânea e da regulação antitruste. Segundo ele:
O que a doutrina da "pura e perfeita concorrência" procura é a abolição da concorrência entre os produtores. Seu "ideal" é um estado em que nenhum produtor é capaz de tirar qualquer negócio de outro produtor. [...] Este "conceito" divorciado da realidade, este "ideal de perfeição" platônico, retirado da inexistência para servir de "padrão" para julgar a existência, é uma das principais razões pelas quais empresários foram aprisionados ou impedidos de se expandir, e porque o progresso econômico foi retardado e a melhoria do bem-estar material do homem significativamente reduzida[117].
Em verdade, o foco e a busca por um “equilíbrio” de mercado – seja geral ou parcial – é pretensão teórica incapaz de valorar o elemento motor da economia: o comportamento do indivíduo e, sobretudo, do empreendedor. Na consecução do lucro, estes últimos fomentam a competição oferecendo oportunidades mais atraentes de negócio, identificando, criando e explorando oportunidades geradas pela desigualdade entre oferta e demanda. Nessa linha, registra KIZNER (2012, p. 34):
Uma ciência econômica que enfatize o equilíbrio tende, portanto, a desprezar o papel do empresário. Seu papel passa a ser identificado com os movimentos de uma posição de equilíbrio para outra, com as “inovações” e com as mudanças dinâmicas, mas não com a dinâmica do próprio processo equilibrador. Em lugar de tratar do empresário, a teoria dominante do preço tratou da empresa, enfatizando marcadamente seus aspectos de maximização de lucros. [...] A ênfase na empresa (que, na nossa opinião, deve ser vista como uma combinação de empresário e proprietário de recursos) levou também ao fracasso em reconhecer a importância da pura propriedade de recursos para assegurar posições de monopólio na produção. O monopólio passou a ser associado à empresa e, daí, infelizmente, ao empresário. Ao mesmo tempo, a ênfase no equilíbrio tolheu qualquer apreciação possível da noção de competição que, como vimos, é a característica mais notável do processo de mercado.
Kizner prossegue criticando a demasiada ênfase em um “estado de coisas determinado” (i.e., o equilíbrio) e remetendo expressamente a uma das características tidas como desejáveis pela doutrina concorrencial: “atomização do mercado”. Para o economista, “não importa o que os leigos queiram dizer com a expressão “competição”: o teórico do equilíbrio passou a usá-la para conotar um mercado no qual cada participante é fraco demais para efetuar qualquer mudança nos preços” (KIZNER, 2012, p. 34).
De fato, tais características do modelo de “concorrência perfeita” repercutem em uma curva de procura horizontal, perfeitamente elástica (elasticidade procura-preço), inexistindo incentivos para que a empresa pratique um preço diferente do preço de mercado. Daí porque se diz que, nesta situação, o empresário seria um pricetaker (“tomador de preço”), com atuação incapaz de impactar o mercado de forma relevante. Neste sentido, em “concorrência perfeita”, o empresário estabeleceria o preço do bem ou serviço em identidade com o seu custo marginal, ou seja, praticando preço igual ao custo de produção de uma unidade adicional. Sobre este ponto, observa BARBIERI (2013, p. 134):
Isso nos leva a uma das principais características da ideologia intervencionista: a recusa de examinar teorias sobre o funcionamento do estado, recusa essa disfarçada de pragmatismo. [...] Entre os economistas, por exemplo, as teorias deixaram de funcionar como guias para a comparação institucional e assumiram o papel de “ferramentas” de intervenção pública, cuja aplicabilidade dependeria das circunstâncias particulares. Na microeconomia, seguindo o espírito da Economia do Controle de Lerner, a análise da igualdade entre preço e custo marginal como característica definidora de alocações de equilíbrio eficientes serve da mesma forma como guia para avaliar, em cada caso, a necessidade de controle por parte do estado, novamente desconsiderando qualquer referência a elementos institucionais que possam levar a questionamentos sobre a lógica da atuação estatal que pretende corrigir as falhas do mercado.
A análise da elasticidade-preço da demanda, atrelada à visão neoclássica de equilíbrio de mercado, não só deflaciona os reflexos das intervenções estatais, como também desconsidera que a variável do preço não pode ser determinada em termos absolutos, mas sofre influência de outros elementos considerados pelo indivíduo na sua escolha de compra.
É este o enfoque desenvolvido pela Escola Austríaca de Economia a partir da teoria do valor subjetivo, desvinculando a formação de preços da mera soma de custos de produção ou trabalho agregado (características intrínsecas) e passando a enfatizar a percepção subjetiva dos contratantes, sensível a outros aspectos como marca, reputação, moda e publicidade.No escólio de Menger (2007, p. 146):
A medida do valor é de natureza inteiramente subjetiva e, por esta razão, um bem pode ter grande valor para um indivíduo economizador, pouco valor para outro e nenhum valor para um terceiro, dependendo das diferenças em suas necessidades e quantidades disponíveis. O que uma pessoa desdenha ou valoriza ligeiramente é apreciado por outro, e o que uma pessoa abandona é freqüentemente escolhido por outro. Enquanto um indivíduo economizador estima igualmente uma determinada quantidade de um bem e uma quantidade maior de outro bem, observamos freqüentemente avaliações justamente opostas com outro indivíduo economizador[118].
Assim, considerando a dinamicidade do mercado e a influência da percepção subjetiva do consumidor, são frágeis as bases da teoria concorrencial ao designar conceitos como “preços supra competitivos” e “equilíbrio de mercado”, tendo em vista não se tratarem de dados estáticos, objetivos ou suscetíveis de controle pelo Estado.
4 OS CAMINHOS DA (AUTO)REGULAÇÃO DO MERCADO E DA CONCORRÊNCIA À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: ALCANÇAR A EFICIÊNCIA É POSSÍVEL?
À luz dos postulados teóricos explicitados, é possível questionar as aptidões da intervenção estatal para “corrigir falhas do mercado”, mormente no que tange à tutela da concorrência. Em verdade, as medidas interventivas de que pode se valer o Estado – que vão desde a regulação até a exploração direta de atividade econômica, nos termos dos arts. 173 e 174 da Constituição –, quando implementadas, podem provocar distorções ainda maiores, criando um ambiente artificial de negócios com consequências nocivas, a exemplo do risco de captura das agências e o aumento dos custos de transação.
No primeiro fenômeno, a entidade reguladora passa a servir como meio para assegurar o interesse particular dos players (agentes) do segmento regulado, servindo a propósitos opostos àqueles pelos quais, em tese, foi criada; já no segundo, aumentam-se “custos definidos como aqueles a que estão sujeitas todas as operações de um sistema econômico” (NORTH, 2006, p.10). Para o autor, estes surgem “devido ao custo de se mensurar as múltiplas dimensões valorizadas incluídas na transação (geralmente os custos da informação) e devido ainda aos custos da execução contratual”, completando que “a informação não é só cara como também incompleta, e o cumprimento de contratos não é só caro como imperfeito” (NORTH, 2006, p.34).
Tais intervenções tendem a aumentar as barreiras de entrada em um setor e acentuar sobremaneira a dita “imperfeição” da concorrência. Custos iniciais, investimentos irrecuperáveis (sunk costs), altos custos de transação, presença de externalidades, tarifas e tributos são, em sua maior parte, determinados pelo próprio Estado, provocando perdas de eficiência nos mercados – o chamado deadweight loss ou perda de peso morto.
No caso da incidência de um tributo sobre a atividade, por exemplo, perde-se um valor não transferido para os consumidores, produtores ou mesmo para o Estado, tendo em vista o consumo de tais recursos em decorrência da burocracia oriunda do próprio processo de cobrança e recolhimento. Além disso, ainda existe a diminuição na quantidade demandada e, consequentemente, ofertada, pelo incremento no preço praticado para oferecer determinado produto ou serviço, dada a elasticidade da oferta e demanda em relação ao preço.
As barreiras regulatórias e a própria proteção antitruste, portanto, podemir em sentido contrário à livre concorrência, pois, para além das questões já colocadas, a própria prática de lobby é característica não do sistema de livres trocas, mas da própria estrutura de Estado. Tratando deste ponto, salienta Ramos (2015, p. 198-199):
[...] as empresas reguladas conseguem convencer facilmente o regulador a aprovar barreiras regulatórias porque seus interesses, que são muito mais específicos e organizados, tendem a prevalecer sempre sobre os interesses dos consumidores, que são normalmente difusos e, consequentemente, possuem dificuldade em obter uma mobilização organizada em seu favor. E, no Brasil, há ainda um agravante: quem poderia agir em defesa desses interesses difusos, como o Ministério Público e as associações consumeristas, normalmente o fazem pedindo mais intervenção, e não mais liberdade econômica. Assim, o “mercado político” da regulação acaba sendo dominado pelas empresas reguladas, que pautam sua atuação em prol da regulação sempre com o objetivo de restringir ou impedir a concorrência nos setores regulados.
Desse modo, considerando o direito posto sob uma análise econômica, que confere maior ênfase às consequências geradas pela norma jurídica, é inegável a necessidade de se questionar e ir além dos postulados teóricos da doutrina do Direito Concorrencial para se vislumbrar o efeito prático nas relações sociais e de mercado.
Neste contexto, embora, para Forgioni (2005, p.61), “a concorrência seja o ‘antídoto natural’ que regula o mercado sem a necessidade de uma intervenção estatal, conduzindo o país ao bem-estar social”, tem-se que o Direito Concorrencial, concebido como uma intervenção direcionada, em tese, à proteção da liberdade de comércio, teve seu desenvolvimento histórico e teórico aliado à atividade interventiva do Estado na economia (cf. RAMOS, 2015, Cap. 2).
Em que pesea premissa da referida autora seja verdadeira, a conclusão de que “a gênese do direito antitruste está exatamente nesta preocupação institucional com a concorrência” (FORGIONI, 2005, p.61) pode não se demonstrar correta, pela pretensão de suplantar o mecanismo de autorregulação do mercado (estímulo endógeno) por meio da regulação estatal, estímulo exógeno despido do mesmo dinamismo. Se as “falhas de mercado” realmente existem, sobejam razões para acreditar ainda mais nas falhas do governo.
Na trilha de Hayek (1948, p. 105), “a tendência no debate atual é ser intolerante com as imperfeições da competição e silenciar sobre a proibição de competir[119]”. Em verdade, o modelo ideal buscado pela doutrina concorrencial visa, em última instância, a abolir o elemento mais essencial do livre mercado – afinal, a “concorrência perfeita” é, tão somente, a ausência de concorrência.
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JUSTIÇA RESTAURATIVA: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA NO BRASIL
RESTORATIVE JUSTICE: CONSTRUCTION OF A NEW PARADIGM OF JUSTICE IN BRAZIL
Mazukyevicz Ramon Santos do N. Silva*
Rômulo Rhemo Palitot Braga**
Tâmisa Rúbia Santos do N. Silva***
RESUMO: Compreendendo que as concepções de crime e de justiça influenciam diretamente a maneira como lidamos com as questões penais, passamos a analisar tais conceitos na perspectiva do paradigma Retributivo - historicamente afirmado como modelo punitivo ocidental – e a estudar um novo paradigma de justiça – a Justiça Restaurativa – que busca promover no processo de solução do conflito a participação efetiva dos sujeitos envolvidos na violação criminal.
Palavras-chave: Crime. Justiça Retributiva. Punição. Justiça Restaurativa. Reparação.
ABSTRACT: Realizing that the crime of conceptions and justice directly influence how we deal with criminal matters, we analyze these concepts in the context of the paradigm retributive - historically affirmed as Western punitive model - and to study a new paradigm of justice - Restorative Justice - which seeks to promote in the conflict resolution process the effective participation of those involved in criminal violation.
Keywords: Crime. Retributive justice. Punishment. Restorative justice. Repair.
Recebido: 06.04.2017
Aprovado: 13.06.2017
1 INTRODUÇÃO
A preocupação quanto à forma de responder aos comportamentos humanos nocivos ao ordenamento jurídico de uma sociedade é notório e se faz presente desde os tempos mais remotos.
Diante dessa premissa, surgem questionamentos acerca do que induz os indivíduos a transgredirem as normas impostas pela comunidade e, em consequência, de que maneira se legitimam as sanções aplicadas como forma de repressão aos comportamentos sociais desviantes.
Com a evolução do pensamento criminológico ao longo da história, é possível verificar a adoção do modelo punitivo Retributivo no Brasil, o qual se perpetua até os dias atuais. Tal modelo fundamenta-se na ideia de que o crime se configura como a infração de uma norma penal imposta a todos pelo Estado e que este, legitimado pelo contrato social, tem o poder-dever de punir o transgressor. Ao fazê-lo, o Estado devolve o mal causado pelo indivíduo ofensor, em razão da prática do crime e coíbe a prática da mesma conduta pelos demais membros da sociedade.
Entretanto, à medida que o modelo Retributivo adotado, juntamente com seus métodos punitivos, tais como a prisão, não mais consegue combater a problemática do crime de maneira satisfatória - tendo em vista o crescente índice da violência e da insegurança pública que assola o nosso país -, a busca por alternativas de justiça que se proponham a lidar com a situação de maneira diferenciada torna-se primordial.
Nesse horizonte, o presente estudo busca analisar o modelo de Justiça Restaurativa, que na conjuntura atual vem se mostrando talvez a proposta mais eficiente de justiça. Sua premissa é considerar o crime não como uma infração à norma penal, mas sim como o responsável pelo rompimento das relações interpessoais, compreendendo-se, assim, que a justiça deve atentar-se à reparação da lesão sofrida e à reconstrução das relações. Nesse sentido, a Justiça Restaurativa, ao desmitificar o fenômeno do crime, afasta a ideia de que o principal ofendido com o seu cometimento é o Estado e afirma o papel prioritário da vítima, cabendo a esta e ao ofensor buscarem a melhor forma de solucionar o conflito. Todo o processo é pautado, portanto, na promoção do diálogo entre as partes diretamente envolvidas pelo fenômeno do crime.
Destarte, inobstante as práticas Restaurativas venham sendo inseridas, gradualmente, no processo criminal brasileiro, sua expressividade ainda é relativa, tendo em vista que são instauradas dentro de um contexto Retributivo, sendo imprescindível à sua aplicação eficiente a quebra de barreiras culturais que influenciam nossa concepção de justiça e de crime.
2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO MODELO RETRIBUTIVO DE JUSTIÇA
O modelo Retributivo de justiça, adotado pelo Brasil e por grande parte dos países capitalistas, configura-se, em linhas gerais, por agregar à pena o caráter de retribuição e de prevenção. Assim, destina-se a punir o indivíduo que afronta as normas impostas ao grupo social e, paralelamente, intenta coibir a prática de outros delitos pelos demais membros daquela comunidade.
Entretanto, a punição com essa dupla função é fruto da evolução histórica do pensamento criminológico, sendo necessário à compreensão do atual modelo punitivo promover a reflexão acerca das concepções do crime, que ao longo da história ensejaram diferentes respostas à problemática.
2.1 Do Organicismo medieval à implantação do cárcere como forma de punição
Empreendendo uma análise histórica acerca das diversas concepções do crime e de punição, verifica-se que nas sociedades mítico-rituais primitivas, cuja organização social baseava-se na concepção organicista, na qual o indivíduo era percebido como parte de um todo, a punição estava intrinsecamente relacionada com a restruturação da “paz social e do equilíbrio”.
Nessas comunidades, as crenças religiosas exerciam papel expressivo sobre a vida das pessoas e, principalmente, sobre a maneira como compreendiam os fenômenos naturais que as cercavam. Por conseguinte, as normas impostas aos seus membros eram fortemente influenciadas pelo misticismo e intentavam estabelecer um elo entre os comportamentos humanos e os acontecimentos de ordem natural. As práticas criminosas, por sua vez, eram compreendidas como uma quebra dessa harmonia social, que deveria ser restabelecida, pois, do contrário, ensejaria a ira e o castigo das divindades sobre todos.
Para reconquistar o equilíbrio e afastar os conflitos que os assolavam, a principal forma de punição adotada era o sacrifício do agente transgressor, pois a partir dele era possível expurgar os pecados do grupo, que se encontravam concentrados, simbolicamente, no transgressor (ZOLO, 2002). Tal modelo punitivo permaneceu estruturado durante todo o período medieval.
Entretanto, a partir do Renascimento, iniciado no século XIV, o indivíduo passou a ser reconhecido enquanto sujeito de direitos e deveres, um ser livre, autônomo e, sobretudo, moralmente responsável pelos seus atos. Nesse contexto, o Estado, buscando afirmar-se e realizar a manutenção do seu poder, passa a responsabilizar as pessoas submetidas à sua égide pelos comportamentos que imprimam desarmonia no grupo social, legitimando assim o poder estatal no próprio Contrato Social. Justificava-se, então, a punição, em razão do fato de que ao transgredir as normas a todos imposta, o criminoso deixaria de ser considerado cidadão, um igual, e passaria a ser um inimigo (ROUSSEAU apud RABENHORST, 2002). A punição era uma retribuição justa ao mal causado, fosse ou não ela proveitosa.
Com as transformações econômicas e sociais desencadeadas a partir da Revolução Industrial, ao final do século XVIII, a demanda excessiva por mão de obra não mais se fazia necessária, sendo imprescindível a criação de novos mecanismos de controle que abarcassem o excedente improdutivo e assegurasse a manutenção do poder das elites produtivas. Nesse sentido, a concepção do paradigma da ordem cósmica, bem como as filosofias penais que pregavam o mero caráter Retributivo da pena foram sendo superadas, favorecendo o desenvolvimento do paradigma utilitarista da defesa social. (ZOLO, 2002, p. 25).
Paralelamente, os ideais iluministas, as teorias da escola positivista, puramente racionalistas, e os ideais liberais propagados por movimentos como a Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, também passaram a influenciar a concepção de punição, de modo a defender a suavização das penas, pois não era concebível em uma sociedade em pleno desenvolvimento econômico e político, a aplicação de sanções que desrespeitassem a condição humana das pessoas. A pena ganhou, então, uma dupla função: se por um lado, esta se destinava a retribuir o mal causado pelo indivíduo em razão dos comportamentos delituosos, de outro teria a função de coibir tal prática pelos demais membros da comunidade, através da disseminação do temor ao poder punitivo do Estado (ZOLO, 2002). Para que o indivíduo fosse aceito novamente no grupo, era necessária sua ressocialização, ou seja, sua reeducação dentro dos parâmetros ideológicos da sociedade.
Diante desse contexto, não mais se legitimava a imposição de penas que imprimissem castigos físicos e fomentassem os espetáculos públicos, pois afastavam a racionalidade em sua aplicação, surgindo a necessidade daquelas que isolassem o criminoso, enquanto se encontrasse em “processo de recuperação”.
Nesse sistema, a partir de então, a prisão, surgida como forma de encarceramento na Inglaterra em meados do século XVI, tornara-se a principal forma de punição no mundo ocidental, por constituir-se o instrumento estratégico dos mecanismos de poder, tendo em vista que criou o limite do intolerável na delinquência e afirmou os valores da sociedade capitalista (SILVA, 2013).
Com o desenvolvimento econômico e o crescimento do comércio impulsionados pelas transformações da sociedade industrial, os grandes centros urbanos na Europa, especialmente em Londres, passaram a representar o principal polo de atração das massas camponesas - em geral, trabalhadores expulsos das terras, quando da dissolução dos laços feudais, e transformados em mendigos e vagabundos. Com a evasão rurícola e a superlotação da cidade, a pobreza e a marginalidade passaram a propiciar o aumento da criminalidade e os meios de punição adotados até então, passaram a ser ineficientes. Nesse contexto, surgem as primeiras formas de encarceramento como meio de segregação e punição.
Quando das suas primeiras expressões, através da transformação do Castelo de Bridewell em prisão, por volta de 1553, e da disseminação das “Casas de Correção” por toda Europa, a prisão teve por objetivo dar destinação ao contingente de pessoas marginalizadas que se aglomeravam no centro Londrino em busca de trabalho e não obtinham êxito, passando a mendigar e a praticar pequenos furtos de alimentos para garantir a sua sobrevivência (MELOSSI; PAVARINI, 2006). Essas prisões, portanto, destinaram-se a dar uma ocupação laborativa ao contingente improdutivo da sociedade, tendo em vista a ineficiência dos meios de punição frente ao crescente índice da criminalidade e a necessidade de ampliação da mão de obra oferecida durante aquele período. Outrossim, intentavam desencorajar a mendicância dos demais e incentivar o sustento próprio a partir do trabalho.
Somente ao final do século XVIII, é que a prisão vai adquirindo suas feições atuais de punição e segregação do transgressor, que necessitava de correção para ser reinserido no convívio social.
O panorama de evolução dos modelos prisionais no Brasil não destoou do que ocorrera na Europa. Importada para o Brasil no período do Império, por volta do século XIX, a prisão como forma de punição destinou-se, inicialmente, à segregação da parcela negra da população, composta por escravos do período Colonial e libertos, bem como à punição dos “vadios” e dos militares que provocassem desordens nas ruas da cidade. O sistema carcerário funcionava, portanto, como forma de controle exercido pela classe proprietária sobre as pessoas de sua propriedade (NUNES, 2009).
Posteriormente, em meados do século XIX, as práticas prisionais repressivas foram sendo redirecionadas às classes sociais inferiores e não-escravas e, a partir de 1850, as instituições de encarceramento no Brasil foram ganhando nova forma, através da criação da Casa de Correção do Rio de Janeiro - cuja construção foi iniciada em 1834 e concluída apenas em 1850 -, destinada à execução de pena de prisão com trabalho e com o estabelecimento de uma Casa de Detenção em 1856 que, por sua vez, destinava-se à reclusão dos presos enviados pelas autoridades policiais, judiciais e administrativas (ALMEIDA, 2014).
A evolução do pensamento criminológico foi essencial à criação das bases para a implantação do sistema prisional como forma de punição, as quais permanecem vigentes até os dias atuais.
2.2 Acepções do modelo retributivo de justiça: a construção do crime enquanto desvio social do indivíduo e o pensamento criminológico da década de 70
O modelo de punição que ensejou a transformação da maneira de perceber o transgressor, ultrapassando o caráter meramente restaurador da paz social e instalando a perspectiva de retribuição, também possibilitou o desenvolvimento do instrumento punitivo até hoje mais utilizado pelos países ocidentais, a prisão. Este modelo configura-se como o modelo Retributivo de Justiça. Fruto da evolução histórica e da construção do crime enquanto desvio do indivíduo dentro do ordenamento jurídico, tal modelo tem como premissa a aplicação de uma “vingança do Estado”; a pena ao transgressor, em decorrência do mal por ele causado e; através dos seus conceitos, influenciou - e influencia -, de forma contundente, a maneira como compreendemos o crime e os elementos que o compõem, a exemplo da vítima e do criminoso.
Durante vários séculos, o pensamento criminológico, baseado na percepção etiológica da criminalidade, compreendeu o crime como algo característico de determinados indivíduos e de seus comportamentos, baseado na ideia de que era possível a existência do mal-estar, presente em cada ser, de forma patológica, desde o momento da sua concepção. Além disso, o citado pensamento, em momento anterior, considerou o crime como responsabilidade única das ações de cada pessoa enquanto ser independente.
A partir do século XX, inicia-se uma desconstrução do pensamento etiológico, com o surgimento, nos anos 60, das teorias do labelling approach, definidas, nas palavras de Andrade apud Arnaldo Xavier (1997, p. 205) da seguinte maneira:
[...] o desvio - e a criminalidade - não é uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica pré-constituída à reação (ou controle) social, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social; isto é, de processos formais e informais de definição e seleção.
Entendia-se, portanto, que a criminalidade constituir-se-ia a partir de um sistema de atribuição de caráter legal ao crime, definindo quais condutas deveriam ser entendidas como criminosas e, a partir de então, escolhendo determinados sujeitos para atribuir-lhes o rótulo de criminosos. Era, portanto, o crime percebido como inerente de uma reação social e a criminalidade, uma construção seletiva e desigual, frutos, então, do processo de criminalização (XAVIER, 2008).
Todavia, com a evolução do pensamento criminológico, as novas teorias que perpetravam a seara de estudo do crime, a partir da década de 70, desdobraram-se no surgimento da criminologia crítica, cuja intenção seria considerar que é imprescindível analisar o crime diante de um contexto social, econômico, político e cultural, de modo que possamos encará-lo, primeiramente, como uma expressão do conflito social próprio do sistema capitalista. Segundo essa corrente, a forma de punir de cada sociedade sofre variações de acordo com o modo de produção por ela adotado, tendo em vista que tal fator influenciará nos bens jurídicos, cuja proteção será considerada indispensável para a manutenção do sistema e que, por conseguinte, ensejará a construção das normas penais (SILVA, 2013).
Destarte, a criminalidade não deve ser considerada como um fenômeno isolado, característico da natureza de determinados indivíduos e de seus comportamentos nocivos às normas penais, mas sim “a partir da seleção dos bens protegidos penalmente, dos comportamentos ofensivos relativos a esses bens, e dos indivíduos estigmatizados” (XAVIER, 2008, p. 10).
Com efeito, a partir das concepções implantadas por essas novas teorias, passou-se a compreender todo o fenômeno do crime de maneira diferenciada, suscitando a indagação quanto ao modelo de Justiça adotado na grande parte dos países ocidentais e promovendo a reflexão acerca de novas formas para a solução dos conflitos.
3 DESCREDIBILIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES OFICIAIS DE CONTROLE E A PROBLEMÁTICA DO CRIME NO BRASIL
O crescimento massivo dos índices da criminalidade no Brasil nos últimos trinta anos, têm demonstrado inequivocamente a ineficiência dos meios punitivos adotados, provocando, dentre outras situações, a descredibilização das instituições de controle perante o senso comum, responsáveis pela repressão às práticas criminosas.
Embora a discussão do tema suscite diversas reflexões, tais como a respeito da redução da maioridade penal, a produção de leis penais mais severas e a criminalização de condutas que atentem contra novos bens jurídicos, é imprescindível questionarmos a eficiência dessas medidas e sua possível atuação paliativa diante da problemática da criminalidade, analisando-a a partir de um viés crítico. Para tanto, faz-se necessário conhecer essa realidade que assola o país e compreender os fatores que contribuem para a sua manutenção.
3.1 Da ineficiência dos meios repressivos ao crime
De acordo com os dados divulgados no Mapa da Violência 2014, entre os anos de 1980 e 2012 a taxa de homicídios na população não jovem passou de 8,5 para 18,5 por 100 mil habitantes “não jovens”, representando, portanto, um acréscimo de 118,9%. No que tange à população jovem, por sua vez, que compreende aqueles entre 15 e 29 anos, a taxa de homicídios passou de 19,6 em 1980 para 57,6 em 2012 por 100 mil jovens, o que representa um aumento de 194,2%, demonstrando a eclosão de homicídios entre a parcela que se encontra nesta faixa etária. O estudo aponta, ainda, que entre 2002 e 2012, o número total de homicídios registrados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, passou de 49.695 para 56.337, sendo este o maior número já registrado.
Além desses índices, a partir do relatório do Estudo Global de Homicídios 2013, realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) e lançado mundialmente em abril de 2014, constatou-se que, segundo dados obtidos junto ao Ministério da Justiça referentes ao ano de 2012, um em cada dez homicídios registrados no mundo, naquele ano, ocorreu no Brasil, o que representa 11% de todos os 473 mil casos de homicídio registrados.
No que se refere aos crimes de roubo, segundo o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre a violência, o Brasil possui a terceira maior taxa de roubos registrados na América Latina, dentre os dezoito países analisados (PNUD, 2014).
Diante dos indicadores do crescimento da criminalidade no Brasil, é possível verificar-se também, e não por coincidência, o aumento da sensação de insegurança nos brasileiros, que têm cada vez mais investido nos sistemas de segurança privada, com vistas a se protegerem das mais diversas ameaças, as quais se encontram cotidianamente expostos.
Segundo a pesquisa de opinião divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em julho de 2012, por meio do seu Sistema de Indicadores de Percepção Social, em cada dez brasileiros, seis relataram ter “muito medo” de serem vítimas de assaltos à mão armada, assassinato e arrombamento de residência, e mais da metade relataram ter “muito medo” de sofrer agressão. O estudo também revelou a insatisfação dos brasileiros em relação à atuação das instituições policiais, constatando que apenas a Polícia Federal obteve resposta “confia muito” superior a 10%, enquanto as Polícias Civis e Militares dos estados receberam apenas 6% da resposta positiva, o que demonstra clara reprovabilidade da população à ineficiência na atuação dessas instituições de controle.
É necessário salientar, entretanto, que os índices que apontam para o crescimento da sensação de insegurança no país, embora reais, refletem também a atuação preponderante de outro fator influente, a mídia, na formação da opinião pública acerca da problemática do crime. Desta feita, ainda que incontroversa a constatação de que o Brasil enfrenta grave situação em relação à questão, é possível verificar o desenvolvimento de uma verdadeira cultura do medo que, conquanto não especificamente direcionada ao objeto crime, tem se mostrado intrinsecamente relacionada a ele.
Com o auxílio dos aparelhos midiáticos, através dos diversos programas sensacionalistas e apelativos veiculados pela televisão ou via radiodifusão, a construção da ideia de um Estado caótico e cada vez mais inseguro é incutido no imaginário da população, especialmente daqueles com menor acesso à informação e de menor grau de instrução, principal público alvo desses programas. Essa disseminação do medo relacionada ao crime apresenta-se como a mais nova ferramenta de controle social utilizada pelas elites dominantes, especialmente pelas instituições políticas, para garantir a perpetuação do seu poder e justificar a manutenção do sistema de punição Retributivo.
No mais, ao nos depararmos com esse cenário alarmante, passamos a questionar o porquê da massificação das práticas criminosas nas últimas décadas e, principalmente, o que tem sido feito - se tem sido feito - para combatê-las.
É mister ressaltar que, em contrapartida, o país vivencia uma explosão das taxas de encarceramento, que do ano 2000 até o ano 2011, sofreu um acréscimo de 110%, passando para um total de 514.582 presos. Já no ano de 2012, o Ministério da Justiça, pelo Departamento Penitenciário Nacional, divulgou que a população carcerária brasileira até junho daquele ano atingiu a marca de 549.577 presos, o que representa o crescimento do índice de punibilidade por crimes no Brasil.
Da mesma forma, outro fator relevante é a quantidade de mandados de prisão expedidos e ainda não cumpridos que, segundo dados divulgados em março de 2013, pela corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), correspondiam a 192.611, expedidos entre junho de 2011 e janeiro de 2013, o que corresponde a 70% dos mandados de prisão expedidos nesse período (CNJ, 2014).
Os dados supracitados apontam para o fato de que as medidas cabíveis ao combate ao crime no Brasil vêm sendo realizadas, juntamente com as medidas de prevenção a essas práticas, dentre as quais as políticas públicas de segurança e o investimento em educação de base e programas de capacitação para inserção no mercado de trabalho. Contudo, os índices da criminalidade se apresentam ora crescentes, ora inalterados, o que nos leva à compreensão de que os meios de punição adotados se mostram ineficientes, pois atuam de forma superficial diante dessa problemática, sublimando os reais fatores que fundamentam a resposta negativa dos meios punitivos no combate ao crime.
Estes fatores caracterizam-se, essencialmente, pela estrutura do sistema punitivo e do processo criminal, que atribuem ao Estado: o status de principal ofendido pelo crime e, portanto, titular absoluto do direito de punir; a negligência às necessidades da vítima e a negação ao seu papel fundamental no processo; bem como, de modo geral, a própria destinação do modelo Retributivo de justiça, que visa apenas a retribuição, por parte do Estado, do mal causado pelo indivíduo infrator.
Nessa seara, observa-se que o modelo punitivo adotado pelo nosso país não mais alcança sua principal destinação, qual seja, a de garantir a segurança individual e pública. Desta feita, imprescindível e inevitável é a busca por alternativas à proposta Retributiva de justiça.
4 DA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA
Nas palavras de Zehr “[...] a lente que usamos ao examinar o crime e a justiça afeta aquilo que escolhemos como variáveis relevantes, nossa avaliação de sua importância relativa e nosso entendimento do que seja um resultado adequado” (ZEHR, 2008, p. 168).
Tal afirmação nos leva a compreender que a forma como enxergamos o crime – bem como os atores que nele estão envolvidos - e a justiça, é determinante para avaliarmos a maneira como lidamos com a problemática da criminalidade e da insegurança pública. As respostas que propomos por meio do sistema penal e processual vigente para a questão, que, como visto, estão longe de satisfazer a experiência real do crime, são frutos das lentes Retributivas através das quais vislumbramos esses fatores.
Diante desses fatos, como não aceitar que a coerção é a única resposta plausível ao problema do crime? Como não entender que diante da situação caótica na qual nos encontramos, propagada pela cultura do medo, a solução é legitimar ao Estado o direito de retribuir ao transgressor o mal por ele causado, em razão do descumprimento da norma penal?
Destarte, faz-se necessária a busca por alternativas à forma de enxergar a solução, mas principalmente o problema. É nesse contexto que se desenvolve a proposta restaurativa, que se propõe a compreender a justiça e o crime a partir de outro foco e oferecer novas respostas à questão.
4.1 Sob um novo enfoque: a justiça e o crime na concepção restaurativa
A Justiça Restaurativa, ou processo restaurativo, surge como alternativa à solução dos conflitos a partir da década de 70 nos Estados Unidos e na Europa, pautada nas práticas de mediação e diálogos pacificadores, estabelecidos pelas culturas africanas e pelas primeiras nações da Nova Zelândia e do Canadá (ALMEIDA, 2014).
A Nova Zelândia foi pioneira na implantação do sistema restaurativo de justiça, quando da edição do Children Young Persons and Their Families Act em 1989, que obteve grande sucesso na reformulação do Sistema de Justiça da Infância e da Juventude, conseguindo prevenir e diminuir a reincidência dos jovens infratores (AGUIAR, 2007), aplicando as práticas restaurativas para dirimir conflitos oriundos das violações criminosas. Outros países, em seguida, passaram a adotar o modelo restaurativo como forma de solução de conflitos, tais como Canadá, Argentina, Estados Unidos e Reino Unido.
A consagração no âmbito internacional da regulamentação do modelo restaurativo, todavia, somente vai ocorrer através das Resoluções 1999/26, de julho de 1999, 2000/14, de julho de 2000 e 2002/12, de 2002, da Organização das Nações Unidas (ONU), as quais trataram, respectivamente, acerca do “Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e de Justiça Restaurativa na Justiça Criminal” e definem os princípios que norteiam o Programa de Justiça Restaurativa (AGUIAR, 2007, p. 113).
O modelo Restaurativo de justiça propõe, primordialmente, uma nova forma de encarar o crime e, por conseguinte, a estrutura da justiça e do processo penal. Nesse sentido, em contraposição ao modelo Retributivo - que sustenta que o crime é uma violação ao Estado e às normas penais por ele estabelecidas, e que o processo penal consiste numa disputa travada entre Estado e criminoso, para que o primeiro imponha ao segundo a culpa pela prática do crime e lhe inflija dor em decorrência disto -, o modelo Restaurativo de justiça vem propor que o crime é uma violação de pessoas e relações interpessoais e que a justiça deve buscar a reparação do mal causado, seja ele de qualquer natureza, envolvendo nesse processo a vítima, o criminoso e a comunidade (ZEHR, 2008).
Inicialmente, ao compreender que o crime constitui-se como uma quebra da relação esperada entre indivíduos, pautada no devido respeito para garantir a convivência harmônica em sociedade, as lentes restaurativas demonstram que o principal ofendido dessa violação é a própria vítima, vez que rompe com seu sentido de ordem, de significado e de confiança nos seus relacionamentos com o outro, surgindo para ela, a partir de então, uma série de necessidades que precisam ser supridas (ZEHR, 2008).
A vítima de um crime necessita da reparação do prejuízo sofrido, porém também carece de respostas. Por que foi ela a escolhida para sofrer tal violação? O que de fato aconteceu? Será que ocorrerá novamente? De que forma ela se sente em relação ao criminoso? Como seguir em frente, a partir de então? A resposta a essas perguntas são essenciais no processo de recuperação da vítima, pois lhe darão suporte para superar a vitimização.
Nesse sentido, é preciso um espaço para que a vítima externe a sua experiência do crime, para que lhe seja possível atribuir significado àquela vivência. Entretanto, na estrutura processual adotada pelo modelo Retributivo, no qual o Estado é o principal ofendido com a prática do crime, a participação da vítima é relativizada, pois esta somente recebe atenção quando necessário o seu testemunho dos fatos e, frequentemente, não é convocada para acompanhar o desenrolar e o desfecho do caso. A experiência de justiça no modelo Retributivo, tão essencial no processo de recuperação da vítima, é negligenciada. Desta feita, a Justiça Restaurativa objetiva resgatar o papel da vítima dentro do processo penal (NOBRE, 2009).
Outro fator que compõe a proposta da Justiça Restaurativa é o olhar diferenciado sobre o infrator. Sem adentrarmos na discussão acerca dos fatores que contribuem para a formação do “criminoso” na ótica Retributiva, é mister destacar, entretanto, o papel que o mesmo exerce no contexto do processo penal.
Ao criminoso, compreendido pela justiça Retributiva como aquele que transgrediu a norma penal preestabelecida, será apenas atribuída a culpa pela prática do ato e fixada sua pena. Durante todo o processo, o transgressor, ora réu, terá seus direitos representados pelo defensor, cujo interesse é, acima de tudo, arguir sua inocência ou pleitear a redução da sua pena pelo convencimento do julgador, ainda que, de fato, se saiba que este praticou a conduta danosa. Pouco ou nada se refere à real violação ocorrida com a prática do ato, qual seja a dos interesses da própria vítima, menos ainda se trata a respeito do que levou ao indivíduo transgressor a praticar tal ato e, principalmente, se o mesmo consegue internalizar o porquê do seu comportamento ser tão danoso à vítima, não devendo ser repetido. Vítima e infrator são, portanto, no contexto Retributivo, meros coadjuvantes (ZEHR, 2008).
Assim, se o crime for punido com pena privativa de liberdade, o ofensor será encaminhado a uma instituição penitenciária para o seu cumprimento e, diante da realidade prisional e da superlotação dos cárceres, é provável concluirmos que dificilmente a prisão contribuirá para a recuperação dos valores desse indivíduo, necessários à sua reinserção no convívio social. Tampouco se espera que serão cultivados os padrões de comportamento não-violentos, mas ao contrário, sendo provável que ele deixe a prisão apresentando uma compreensão ainda mais distorcida dos relacionamentos interpessoais. Ao passar pela experiência prisional, inclusive, o instrumento deixará de servir - se considerarmos que em algum ponto serviu - como forma de coerção à prática de outros delitos, tendo em vista que ele terá provavelmente constatado que é possível sobreviver àquela realidade hostil.
Na visão Restaurativa, entretanto, o ofensor, assim como a vítima, também é parte do processo. O intuito será estimular a responsabilização do ofensor pelas consequências para a vítima resultantes do seu ato.
As etapas do processo deverão provocar a desconstrução de racionalizações por parte do infrator, tais quais: de que a vítima mereceu o acontecido; que o seu comportamento foi legítimo e está justificado em resposta à marginalização e à negligência das suas necessidades pelo Estado e pela sociedade e; de que a violência e a violação do direito alheio são as únicas formas de obter aquilo que deseja ou de retribuir as injustiças que lhe são praticadas. Caracteriza-se, pois, pela internalização da responsabilidade pelo ato praticado e pela busca, juntamente com o ofensor, dos meios para reparar a situação (ZEHR, 2008).
No mesmo limiar de restauração, segue a ideia de que a comunidade também carece de uma experiência de justiça. Quando um crime é praticado e os laços sociais dos indivíduos são rompidos, a sensação de convivência harmônica de direitos é perdida. A insegurança e a ausência de confiança nas relações travadas se elevam e é possível constatar a indignação frente a uma possível situação de impunidade. Assim, o modelo Restaurativo de justiça, pela sua estrutura, permite a participação da comunidade na escolha da melhor forma de reparação ao crime.
O cerne do processo restaurativo é, portanto, estabelecer que o crime é uma lesão e, desse modo, a justiça deve ser compreendida como a reparação dessa lesão e não apenas como punição do ofensor. Nesse contexto, promove-se a interação da vítima, do ofensor, dos familiares e da comunidade na busca da solução do conflito, de forma a alcançar uma maior coesão social (NOBRE, 2009).
4.2 Do processo restaurativo: como funciona?
Em contraposição ao procedimento Retributivo, o processo Restaurativo não possui um rito formal e pré-estabelecido em lei, ao contrário, cada procedimento será especificamente determinado de acordo com o contexto de cada país no qual esteja inserido. Contudo, apresenta como características básicas a voluntariedade das partes, a informalidade relativa e o fato de ser sempre pautado no encontro e na cooperação.
A voluntariedade apresenta-se em razão da necessidade das partes envolvidas, primordialmente vítima e ofensor, escolherem o procedimento restaurativo como forma de resolução do conflito, não lhes sendo imposta tal alternativa. Quanto à informalidade, verifica-se no fato de que o procedimento adotado para solução do conflito possui variações de acordo com o caso em concreto, caracterizando-se como um procedimento multidimensional (COSTA, 2014).
Destarte, o modelo Restaurativo objetiva, ainda, promover o encontro e a cooperação das partes envolvidas no processo para buscar a melhor forma de resolução do conflito instaurado. Nesse ponto, é essencial a promoção do diálogo entre os atores envolvidos acerca dos fatos que ocorreram, das necessidades surgidas à vítima e à comunidade, em razão da situação conflituosa, e a compreensão acerca das causas e das implicações do crime para o ofensor. Para tanto, faz-se mister a participação de um terceiro imparcial para intermediar o diálogo. Esse facilitador não precisa ser autoridade judiciária, bastando ser justo.
Uma vez alcançado o propósito Restaurativo, o acordo será encaminhado ao Judiciário para a manifestação do Ministério Público e do advogado ou Defensor Público e, posteriormente, para a homologação do Juiz. Com a celebração do acordo, será realizada a verificação judicial do seu cumprimento para assegurar a reparação do dano, sendo necessário asseverar que esta reparação não necessariamente perpassa a ideia de restituição material. É possível que a reparação tenha caráter simbólico, como um abraço e/ou um pedido de desculpas, ou que se caracterize pela restituição do trauma ético ou na restituição material (COSTA, 2014).
É preciso ressaltar ainda que existem diversas práticas de caráter restaurativo, dentre elas destacam-se a mediação, as reuniões coletivas e os círculos decisórios. A principal diferença entre a mediação e as reuniões coletivas e círculos decisórios, é o fato de que nos dois últimos existe uma espécie de mediação ampliada, haja vista que o acordo restaurativo não possui caráter individual como no primeiro, sendo construída a solução ideal do problema em conjunto com a comunidade (BRANDÃO, 2014).
Finalmente, é imprescindível destacar que a discussão acerca das práticas Restaurativas não tem por escopo produzir um modelo base que será aplicado a todas as situações de conflito, de modo a superar completamente a possibilidade e a necessidade de aplicação das práticas punitivas empregadas pelo modelo Retributivo, tal como a pena privativa de liberdade. O que se propõe é enxergar o significado do crime e o que normalmente deve ser feito diante dele, ou seja, a regra geral, não afastando outras formas de lidar com este diante de casos excepcionais (ZEHR, 2008).
Diante do exposto, é possível inferir que todo o processo Restaurativo é direcionado para o restabelecimento da paz jurídica que fora violada, bem como que a busca pela melhor solução do conflito envolve a participação dos verdadeiros atingidos com a prática da conduta lesiva.
5 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DE JUSTIÇA RESTAURATIVA
Frente ao novo paradigma Restaurativo de Justiça, busca-se a superação dos ideais que norteiam todo nosso entendimento acerca do crime e da punição, para que seja possível a inserção dessas práticas alternativas. O desafio, entretanto, consiste na desconstrução da cultura de guerra e de retribuição que norteiam a nossa concepção de justiça e o fomento à substituição desse pensamento pela possibilidade de solucionar os conflitos interpessoais sem o uso da força e da violência.
Contudo, no contexto da justiça penal brasileira, “tradicionalmente marcada pela imposição unilateral e verticalizada da norma positiva, impregnada de formalismo” (BRANDÃO, 2014, p. 04), a inserção de práticas alternativas pautadas no diálogo e na cooperação dos envolvidos não encontra grandes espaços.
Podemos afirmar, no entanto, que embora a legislação brasileira não alberga dispositivos com práticas totalmente restaurativas, abrange diplomas legais que podem ser utilizados para sua implementação, tal qual a Lei 9099/95, Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que prevê a possibilidade de, nas ações penais privadas - nas quais vigora o princípio da oportunidade e que atribui ao ofendido o direito de acionar o Judiciário para buscar a prestação jurisdicional - os envolvidos optarem pelas práticas restaurativas e não levarem a demanda ao judiciário.
Na mesma premissa segue o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, SINASE (Lei 12.594/2012), que se caracteriza por ser um conjunto de princípios e critérios que estabelecem a aplicação das medidas socioeducativas, reguladas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa Lei traz em seu art. 35, III, a prioridade de instauração das práticas restaurativas e o atendimento às necessidades da vítima na execução das medidas socioeducativas.
A Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ trouxe, por sua vez, como inovação, o estímulo aos órgãos judiciais a oferecerem mecanismos de solução de conflitos, por meio das chamadas vias consensuais. Como desdobramento disso, o CNJ firmou em agosto de 2014, o Protocolo de Cooperação para Difusão da Justiça Restaurativa com a Associação de Magistrados do Brasil – AMB, que foi responsável por articular vinte instituições federais, agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e Organizações Não Governamentais (ONGs) para desencadear um movimento nacional voltado para a difusão da Justiça Restaurativa.
Já no primeiro semestre de 2015, o CNJ lançou a campanha nacional “Justiça Restaurativa do Brasil”, em parceria com a AMB. O projeto tem como principais objetivos a pacificação de conflitos, a difusão de práticas restaurativas e a diminuição da violência.
Até o mês de maio de 2015, o CNJ constatou que quinze estados do Brasil já adotaram as práticas restaurativas. O Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília foram os pioneiros na implementação das práticas e já desenvolvem projetos de cunho Restaurativo que encontram apoio da Secretaria de Reforma do Judiciário e do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). No Distrito Federal, o projeto é desenvolvido no âmbito do Juizado Especial Criminal para crimes de menor potencial ofensivo, em que a pena máxima é de um ano; em Porto Alegre, o projeto de Justiça Restaurativa desenvolvida na 3ª Vara de Execuções de Medidas Socioeducativas da Infância e da Juventude, que alcançou caráter definitivo em 2010 (BRANDÃO, 2014) e; em São Caetano do Sul/SP, o projeto é desenvolvido no âmbito da Infância e da Juventude (NOBRE, 2009).
Ainda em referência aos projetos que têm como base as práticas restaurativas, é possível ressaltar que no ano de 2013, a Universidade Federal da Paraíba passou a contar com o Núcleo de Extensão e Pesquisa em Mediação e Conflito – MEDIAC, que desenvolve pesquisas e objetiva difundir a ideia da Mediação, enquanto alternativa à solução dos conflitos no âmbito acadêmico e na sociedade civil.
Diante do exposto, é perceptível o gradativo processo de inserção das práticas Restaurativas como forma de resolução de conflitos no judiciário brasileiro. Importante ressaltar, esses avanços demonstram a inequívoca busca por modelos alternativos de justiça que, de alguma forma, se proponham a fornecer novas respostas à questão do crime e que envolva no processo todos os interessados diretos na resolução do conflito, objetivando, nesse sentido, o rompimento do paradigma Retributivo - que nos oferece uma perspectiva unilateralista do crime e da justiça - e a transformação da cultura acerca das questões penais.
CONCLUSÃO
O presente ensaio buscou demonstrar, inicialmente, a ineficiência do modelo punitivo adotado pelo Brasil, frente à crescente problemática do crime.
Diante dessa constatação, aludimos que alternativas são estudadas no intuito de encontrar novas respostas à questão e que, dentre elas, encontra-se a proposta Restaurativa, que transforma toda nossa concepção acerca do crime e da justiça, além de propor novas formas de desenvolver o processo de solução dos conflitos.
Inferimos, entretanto, que, ao contrário do que vem ocorrendo no âmbito internacional, no Brasil as práticas Restaurativas, embora venham ganhando espaço, estão inseridas dentro do contexto da justiça Retributiva, o que pode implicar na aplicação dessas práticas apenas como mais um meio alternativo de punição, não atendendo à completude da proposta.
Para sua inserção e eficiência como nova forma de praticar a justiça, substituindo a cultura de guerra pela cultura de paz, asseveramos que se faz mister a quebra dos paradigmas culturalmente arraigados que determinam as lentes através das quais enxergamos o crime e a justiça.
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DIREITOS AUTORAIS E A CONTEMPORANEIDADE: RESPONSABILIZAÇÃO DOS SERVIDORES DE COMPUTAÇÃO EM NUVEM
COPYRIGHT AND CONTEMPORARY: LIABILITY OF COMPUTER SERVERS IN CLOUD
Ana Cláudia Corrêa Zeuin Mattos Amaral*
Maiara Santana Zerbini**
RESUMO: Esteartigo analisaa vulnerabilidade que os avanços tecnológicos, notadamente a conectividade em rede e a computação em nuvem, representam aos direitos de autor. Uma análise conceitualé relevante para identificar a natureza jurídica do direito autoral. Fundamentado no método dedutivo, o estudo abordaos percalços em se identificar o agente causador do dano na dimensão virtual. Identifica-se que a atividade desenvolvida trata-se de uma prestação de serviço, acarretando responsabilidade quanto à execução de seus serviços.
Palavras-chaves: Direito de Autor. Tecnologia. Internet. Pirataria. Computação em Nuvem.
ABSTRACT: The study examines the vulnerability that technological advances, notably network connectivity and cloud computing, represent to copyright. A conceptual analysis is relevant to identify the legal nature of copyright. Based on the deductive method, the study addresses the mishaps in identifying the agent that causes the damage in the virtual dimension. It is identified that the activity developed is a service provision, causing responsibility for the execution of its services.
Keywords: Copyright. Technology. Internet. Piracy. Cloud Computing.
Recebido: 02.12.2016
Aprovado: 17.05.2017
1 INTRODUÇÃO
A dimensão criada pelo novo contexto tecnológico favorece o acesso à informação e à comunicação, tal como o surgimento de conflitos no que tange à tutela dos direitos autorais, mostrando-se coerente uma análise jurídica, como forma de apresentar soluções palpáveisà segurança dos usuários e à responsabilidade dos servidores.
A conectividade em rede estabelece diretrizes que desmaterializam tempo e espaço, permitindo que a informação e sua troca ocorram de maneira ampla e dinâmica. O acesso é quase que ilimitado. Entretanto, os mesmos aspectos positivos desse meio de comunicação, também, propiciam uma maior vulnerabilidade do arquivo disponível na rede; logo, o conteúdo protegido sob o prisma dos direitos autorais tende a ser facilmente lesionado.
Nesse sentido, o estudo apoia-se em uma tecnologia que vem ganhando espaço entre os usuários, a computação em nuvem. Trata-se de um instrumento virtual e dinâmico, que permite o armazenamento e gerenciamento de dados em alta escala, com acesso remoto e a baixo custo. A preocupação com o espaço do disco rígido do computador não é mais um problema.
Porém, a indagação que circunda é quanto à segurança das informações acopladas na “nuvem”, inclusive as resguardadas pelo direito autoral. Essa nova realidade tecnológica enseja uma situação juridicamente relevante para a ciência do Direito, tanto quanto à proteção dos usuários da rede, quanto aos dados protegidos pelos direitos autorais.
O fato passa a ser jurídico à medida que esse conteúdo armazenado no meio digital não é inviolável e, por trás desses armazenamentos, existem servidores que poderiam ou não ser responsabilizados pelos danos advindos desse sistema. Indagar a quem incumbe aresponsabilidade do vazamento do conteúdo armazenado nesse sistema, cuja tutela repousa nos direitos autorais, tem caráter importantíssimo na esfera do Direito.
Diante desse cenário, no decorrer do estudo serão traçados o conceito de direito autoral, sua divisão nos regimes copyrighty e o droit d’auteur, bem como a inquietude quanto à sua natureza jurídica, fator importante para delimitar a tutela e o objeto tutelado. Uma análise legislativa em nível nacional e internacional se faz conveniente, visto que a criação (obra) e o universo das tecnologias ultrapassam limitações geográficas. Na sequência, uma correlação entre o direito autoral e as novas tecnologias, indicando uma conceituação técnica da computação em nuvem e as possíveis situações dessa relação usuário e sistema de armazenamento de dados, será pertinente.
Isso demonstrará que, além da alta vulnerabilidade dos direitos autorais, há uma dificuldade na identificação do agente causador da violação ao direito, a quem deve ser estabelecida a imputação do dever de ressarcimento do dano, com o intuito de desonerar o indivíduo/ usuário de arcar com os prejuízos e danos do comprometimento de sua criação.
Posto isso, investiga-se a hipótese da responsabilidade e, por conseguinte, o dever de ressarcimento imposto ao agente causador do dano estende-se aos servidores de armazenamento em nuvem, uma vez comprovada a negligência destes quanto à segurança do próprio sistema. Em seguida, a análise verifica se o conteúdo armazenado em nuvem, quando comprometido, denota responsabilidade dos próprios servidores em relação à segurança do armazenamento do conteúdo ali alocado, inclusive da responsabilidade do teor deste conteúdo, como por exemplo, conteúdo pirata/ ilegal.
Para responder àproblematização eleita no estudo, segundo as bases lógicas de investigação científica, a pesquisa ancora-se no método dedutivo, pautando-sena análise de premissas já existentes, aabordar conceitos e legislações no âmbito dos direitos autorais, interligando aos fatos juridicamente relevantes decorrentes da nova tecnologia de armazenamento em nuvem, a fim de demonstrar a necessidade de uma tutela jurídica por meio do instituto da responsabilidade civil quanto à relação usuário e servidor.
2 DIREITOS AUTORAIS NA SOCIEDADE DO INFORMACIONALISMO
A necessidade de se relacionar do homem vem, ao longo da história, influenciando diretamente a sua evolução. Em um primeiro momento, a troca de comunicação e informação se dava nos pequenos agrupamentos, mas foi expandindo-se cada vez mais. As criações, como os transportes e maquinários, favoreceram as expedições marítimas e territoriais, ampliando as relaçõeshumanas, as quais modificaram todo o contexto econômico, cultural e social da época. Era o início do fenômeno da globalização.
Atualmente, com a criação da rede e o constante avanço tecnológico, o fenômeno apresenta-se no ápice do processo de internacionalização do mundo (SANTOS, 2000, p. 12). A internet hoje, como meio de disseminação dessa informação, opera um novo tipo de globalização. Ainda que nascida por iniciativa militar, pronta a assegurar a eficiência comunicativa dos Estados Unidos frente à eminência de um ataque nuclear durante a guerra fria, foi o passo inicial para a implementação de uma tecnologia que seria conhecida como um dos principais avanços tecnológicos da humanidade (BENKLER, 1996, p. 28).
Nesse contexto, há o despertar de uma nova realidade social, por vezes chamada de sociedade da informação. Isso porque a tecnologia e a conectividade em rede estão presentes no dia-a-dia dos indivíduos, transformando radicalmente o espaço e o tempo, dando a estes outro sentido cultural, histórico e geográfico (CASTELLS, 2006, p. 462).
Não obstante, as obras, sobretudo as literárias, musicais, artísticas e todas que de alguma forma podem ser produzidas e reproduzidas no meio digital, também ganharam espaço na rede. A divulgação da obra, os acessos ao conteúdoe à produção do conhecimento ficaram muito mais fáceis, podendo ser encontradas por meio de documentos digitais, como os e-books, jornais, sites e portais eletrônicos de conteúdo. Por outro lado, essa facilitação decorrente de uma maior exposição das obras e seu conteúdo informativo acarretou umavulnerabilidade, aumentando a incidência de lesões aos direitos autorais.
O instituto da propriedade intelectual que, por intermédio da normatização, resguarda os direitos das criações do ser humano em todas as suas formas, pode ser subdividido em direito industrial e o direito autoral (DINIZ, 2005, p. 976). Ambos são de extrema importância para que se alcance o desenvolvimento pleno da sociedade; porém, em razão da gama de possibilidades, objetivando um aprofundamento e considerando o avanço tecnológico, elege-se como recorte a análise dos direitos de autor.
A Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) de 1967, assinada em Estocolmo em 14 de julho do mesmo ano, dispõe em seu artigo 2º a definição de propriedade intelectual como a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.
Entende-se que a propriedade intelectual cuida das criações em todas as suas formas e compreende dois ramos, o direito industrial e o direito autoral (SANTOS, 2009, p. 3), sendo o segundo objeto deste estudo.
A importância da análise da ciência do direito em relação à internet e outras tecnologias se justifica, haja vista que seu alcance está em escala global, ou seja, tem a capacidade de replicar determinado conteúdo para um número de usuários quase que ilimitado, tornando impossível frear a reprodução ilegal da obra intelectual violada, copiada e disseminada por meio da rede mundial.
Muito se questiona sobre a proteção legal no cyber espaço, eis que diversos casos de violação ao direito surgem da rede em decorrência de sua amplitude e extensão, havendo dificuldade de se chegar ao agente do delito. Porém, a internet não é uma “terra” sem lei e as conscientizações sobre as possibilidades e meios de tutela de direitos devem serdivulgadas.
Dessa forma, os atos realizados na rede devem seguir a conduta legal prevista, vez que a maioria dos crimes digitais encontra tipificação na legislação brasileira. A conduta delituosa é crime, seja por meio da internet ou de outros mecanismos tradicionais (VALLE, 2005, p. 29).
O direito autoral versa sobre os direitos de autor e dos que lhe são conexos, sendo as obras intelectuais as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, por exemplo, os textos de obras literárias, artísticas ou científicas, as conferências, as locuções e outras obras da mesma natureza[120]. Pode ser compreendido como o conjunto de prerrogativas de ordem não patrimonial e de ordem pecuniária que a lei reconhece a todo criador de obras literárias, artísticas e científicas, de alguma originalidade, no que diz respeito à sua paternidade e ao seu ulterior aproveitamento por qualquer meio, durante toda a sua vida, e aos sucessores, ou pelo prazo que ela fixar (CHAVES, 1977, p. 107).A criação autoral se assemelha à criação divina, pois a criação do homem assemelha-se a criação de Deus, daí a justificativa dessa atividade, extremamente nobre, ser merecedora de tutela (ASCENSÃO, 1997, p. 3).
Importante mencionar que os direitos autorais se subdividem em dois regimes, ocopyright e o droit d’auteur, que influenciam diretamente nas doutrinas e legislações estabelecidas, apresentando conceituações distintas, embora, com o atual avanço da tecnologia, constata-se uma aproximação dosregimes.
O regime copyright, ou seja, direito de cópia, é o sistema anglo-saxão, que traz como principal objetivo a tutelada própria obra, consequentemente, a reprodução de cópias, visandoà proteção do editor. Já o regime droit d’auteur, direito do autor, é o sistema continental europeu, influenciado pelo movimento da Revolução Francesa de 1789, sendoa jurisprudência francesa pioneira ao disciplinar as relações entre escritores e editores, obrigando, em decisão inédita, que das futuras transações participassem os herdeiros de grandes escritores, como La Fontaine (SANTOS apud ABRÃO, 2009, p. 38).
A diferença encontrada entre o copyright e o droit d’auteur leva a grandes modificações na forma de negociação das obras em função dos direitos morais do autor, que encontram abrigo nas legislações que adotam os direitos autorais, mas estão ausentes na proteção conferida pelo copyright (ASCENSÃO, 1992, p. 5).
A tutela jurídica aos direitos autorais denota caráter importantíssimo, protegendo não só as obras em si, mas também a sua forma de distribuição e utilização. No Brasil, além desses resguardos, tem-se a proteção do próprio criador, compreendendo que a ofensa à obra, por conseguinte, lesiona a moral do autor, que é um direito inalienável e imprescritível, sendo efeito decorrente do regime droit d’auteur, adotado pelo país (PAESANI, 2006, p.63).
Ante o exposto, necessário faz-se analisar os mecanismos aptos para a defesa das prerrogativas do autor da obra, o que somente parece possível por meio da definição da natureza jurídica desses direitos, para identificar o modelo jurídico apropriado para a tutela em caso de violação.
3 NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS AUTORAIS
Cabe dizer que o direito de exploração econômica da obra é exclusivo do autor, podendo este utilizar, fruir e dispor de sua obra literária, artística ou científica. Identifica-se a expressão “pode” para indicar que a autorização do uso da obra caberá apenas ao autor, bem como o tratamento das obras intelectuais difere dos objetos adquiridos cotidianamente, por exemplo, poltronas ou arquivos de aço, entre outros, sendo que, no caso das criações de cunho intelectual (ex. escultura e software), ainda que no exercício regular de direitos patrimoniais, o cessionário de direitos autorais não tem a autonomia de proprietário do bem adquirido (COSTA NETTO, 1998, p. 78).
Entretanto, não se pode afirmar que o direito de autor se concretiza apenas na natureza patrimonial, vez que isso contraria um dos itens fundamentais da propriedade: a perpetuidade (CHAVES, 1987, p. 327). O direito “patrimonial” encontrado no instituto de proteção autoral está sujeito aos limites e condicionamentos constitucionais, como por exemplo, os direitos morais, configurados até mesmo como direitos humanos.
O direito de autor não versa apenas sobre direitos subjetivos, de interesses individuais, mas também é um direito da coletividade, já que a própria Constituição Federal assim determina quando apresenta o Estado como fonte garantidora do exercício pleno dos direitos culturais e do acesso às fontes da cultura nacional, incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Vale ressaltar que argumentar sobre o direito autoral como um direito coletivo não é defender a disponibilização da obra sem qualquer critério ou fins lucrativos ao seu autor, haja vista que, sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, cabe ao Estado/Governo garantir o acesso a tais objetos culturais, não podendo incumbir ao criador o ônus desse dever. O trabalho desenvolvido, sem dúvidas, deve ser protegido e remunerado, para que se preserve a inovação (PINHEIRO, 2002, p. 61).
Quanto à tutela perseguida no direito moral de autor, interligado aos direitos de personalidade, Pontes de Miranda ensina que o objetivo é tutelar a identificação pessoal da obra, a sua autenticidade, a sua autoria, uma vez que a ligação do autor à obra é vinculo psíquico e fático, sendo, consequentemente, indissolúvel, como toda relação causal fática, e entra no mundo jurídico como fato jurídico (COSTA NETTO apud MIRANDA, 1998, p. 73).
O direito autoral e, por conseguinte, os direitos morais do autor, estão interligados aos direitos da personalidade, isso está evidente no artigo 6º da Convenção de Berna, realizada em 1886, na Suíça.
Art. 6º. Bis. - Independentemente dos direitos patrimoniais de autor, e mesmo depois da cessão dos citados direitos, o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da obra e de se opor a toda deformação, mutilação ou a qualquer dano à mesma obra, prejudiciais à sua honra ou à sua reputação.
Por essa razão, os direitos morais de autor, conforme os demais direitos de personalidade são considerados indisponíveis, intransmissíveis e irrenunciáveis, sendo que a obra se concretiza como uma extensão do espírito do criador. Logo, está vinculada à personalidade do autor (COSTA NETTO, 1998, p.73).
A teoria incorporada na Lei Italiana de 1941 trata a natureza jurídica do direito de autor como um direito de dúplice caráter real, pessoal e patrimonial. Para os adeptos dessa teoria, há a composição de dois aspectos: o direito moral, como proteção da obra e da personalidade do autor; e o direito patrimonial, monopólio de utilização econômica temporária, relativo e limitado, encontrado na eficácia dos direitos reais (SANTOS, 2009, p.77).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 apresenta dupla proteção aos direitos autorais, pois dispõe sobre o direito exclusivo do autor na utilização, publicação ou reprodução de suas obras, prevendo, ainda, a transmissão aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar e a obrigatoriedade de identificação do criador sobre a obra.
Na perspectiva contemporânea, o direito do autor está inserido nos direitos da personalidade, ressaltando que o sistema adotado no Brasil é o da proteção do autor e não o regime copyright. É salutar que o aspecto moral do autor prevalece sobre o patrimonial, vez que esse está interligado aos direitos da personalidade.
Sendo expressão de um pensamento, a obra intelectual, assim exteriorizada, é manifestação própria de quem teve o pensamento, e o revelou. É obra própria do manifestante. E, por ser obra própria, ela é propriedade de seu autor. Mas este tipo de propriedade nada deve ao Direito. Ela é qualidade, uma certa maneira de ser, manifestada na obra produzida. É uma propriedade que não pode ser adquirida e alienada, não pode ser objeto de normas jurídicas. A obra intelectual é propriedade do autor como bater asas e o voo são propriedades do pássaro (TELLES JUNIOR, 2006, p. 300).
Nesse sentido, constata-se que a obra é uma extensão do próprio autor, foi por ele idealizada e manifestada por algum meio. A criação é propriedade de seu criador, entretanto, quando o autor acima citado coloca como uma “propriedade que não pode ser adquirida e alienada”, que essa “propriedade” é inerente à identidade do criador, conclui-se que a criação é uma extensão da própria identidade do autor, estando a natureza desse direito amoldada aos direitos da personalidade, que busca a defesa da identidade por meio da essencialidade e da dignidade do ser.
4 LEGISLAÇÃO, TRATADOS E CONVENCÕES APLICÁVEIS AOS DIREITOS AUTORAIS
A legislação aplicável aos direitos autorais no Brasil revela a alta sensibilidade dos legisladores, que, conforme a influência do regime francês, objetiva resguardar os interesses dos criadores de obras, sejam elas literárias, artísticas ou científicas.
Dentre todas as questões tratadas na regulamentação própria conferida aos direitos autorais, destaca-se: o reconhecimento dos dois planos de direitos, patrimoniais e morais; a regulamentação da comunicação pública das obras intelectuais, que prevêem relação exemplificativa; a disciplina de contratos de direitos autorais; o estabelecimento de sistema de controle prático, atribuído ao Conselho Nacional de Direito Autoral; a previsão de sanções de ordem administrativa e civil para violações de direitos autorais; e a disposição sobre os casos de uso livre de obras (BITTAR, 1999, p. 97).
Acerca da matéria de direitos intelectuais e, portanto, direitos autorais, uma das regulamentações mais relevantes foi o tratamento privilegiado trazido no texto da Constituição Federal de 1988. Percebe-se que a Constituição Brasileira está atenta, contemplando o direito do autor ao rol de direitos fundamentais (COELHO, 2005, p. 281).
O que se pode observar no estudo das normas que regulamentam os direitos autorais em âmbito nacional é que as dificuldades enfrentadas não recaem na falta de previsão legal, mas sim na dificuldade de identificar o agente causador do dano, ou seja, daquele que lesiona os direitos autorais. Ademais, a ausência de conscientização por parte da própria sociedade, necessária para concretizar o cumprimento das normas já existentes, é também um fator relevante.
Ainda no campo dos direitos autorais, é necessário se ter em mente que se trata de um tema internacionalizado, e sua finalidade é, basicamente, tutelar a dinamicidade das criações (BARBOSA, 2003, p. 10).
As consequências decorrentes dos avanços tecnológicos, como o estreitamento das fronteiras, a aproximação do comércio e a extrema velocidade com que a informação se propaga, denota uma nova análise da ciência do Direito, devendo este acompanhar a modificação contextual da sociedade contemporânea.
Para isso, não se pode pensar nos direitos autorais apenas em contexto nacional. Os piratas do Caribe, segundo informações do Governo Americano, em trezentos anos de assaltos em alto-mar, foram hábeis em subtrair um montante aproximado de duzentos milhões de dólares, sendo que, a cada ano, a economia americana perde dez vezes mais em pirataria só de imagem de televisão e vídeo, sendo boa parte por meio de antenas parabólicas irregulares na mesma região do Caribe em que oficiavam os bucaneiros (BARBOSA, 2010, p. 133).
A necessidade de regulamentação dos direitos autorais em nível internacional originou-se no século XIX, desencadeando o “movimento internacional em matéria de direito de autor” (ASCENSÃO, 1997, p.11). Esse movimento visava atribuir uma uniformidade entre os países aderentes, bem como uma reciprocidade no tratamento jurídico.
É preciso considerar que a arte não reconhece fronteiras. Sua tendência é rompê-las. Sempre foi assim. A arte está voltada para a humanidade, portanto, situa-se acima das nações. É claro que essa característica viria, fatalmente, a criar problemas no momento de reivindicar direitos e aplicar a lei (CABRAL, 2003, p. 6).
Em escala internacional, destacam-se os seguintes feitos: em 1858, em Bruxelas, realizou-se o primeiro congresso internacional sobre propriedade intelectual, sem grandes repercussões. Em 1878, ocorreu o Congresso Literário Artístico Internacional, o qual deu origem à Associação Literária Internacional. Em Paris, 1883, realizou-se a primeira convenção internacional sobre propriedade industrial (CABRAL, 2003, p. 6).
Porém, aconteceu em 1886 uma importante reunião sobre os direitos de autor, comumente conhecida como Convenção de Berna, que constituiu um espaço comum de direito. A Convenção de Berna estabeleceu uma união entre as nações participantes, não admitindo discriminação entre residentes e estrangeiros no tratamento jurídico dos direitos autorais, adotando, dessa maneira, um padrão a ser seguido.
Assim, a partir de 1886, as legislações internas dos países que aderiram à Convenção de Berna, que incluiu o Brasil, foram se aproximando umas das outras no caminho da orientação jurídica francesa, com a agilidade necessária ao adequado acompanhado do desenvolvimento da tecnologia e, especialmente, dos meios de comunicação (COSTA NETTO, 1998, p. 36).
Mesmo nos tempos atuais, a Convenção de Berna ainda é base para elaboração de regulamentações nacionais sobre direito autoral, inclusive sobre as obras disponíveis no cyber espaço. É admitida pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) (SANTOS, 2009, p. 63).
Outro destaque foi em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, dispondo, em seu artigo XXVII, sobre o direito à liberdade do homem de participar da vida cultural da comunidade, de usufruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios e, ainda, o direito à proteção de cunho moral e material decorrente da produção literária ou artística da qual participe o autor. Já a convenção de Roma de 1961 estabeleceu proteção aos artistas, intérpretes ou executantes, aos produtores de fonogramas e aos organismos de radiodifusão.
Nota-se, dessa forma, uma preocupação dos mais diversos países em regulamentar a pauta legislativa acerca dos direitos autorais, bem como a necessidade de se estabelecer uma harmonia entre as legislações relacionadas ao tema, por meio da utilização de tratados internacionais, buscando evitar, assim, a migração de práticas de pirataria para países com pouco ou nenhum regramento sobre a matéria.
5 DIREITO AUTORAL RELACIONADO ÀS NOVAS TECNOLOGIAS: O SISTEMA DE ARMAZENAMENTO EM NUVEM
Verificou-se até aqui que o direito autoral é perfeitamente aplicável às lesões decorrentes do mundo virtual, entretanto, há uma dificuldade na identificação do indivíduo causador. Sabe-se que a conectividade em rede é um sistema infiltrado na vida cotidiana do homem, que modificou todo o contexto social, econômico e cultural, consequentemente, apresentou novos conflitos, que devem ser tutelados pelo Direito.
Dentre os avanços, a computação em nuvem tem ganhando vasto espaço, inclusive entre as empresas nacionais, sendo que mais da metade delas já investem em algum tipo de serviço de computação em nuvem, indicando uma excelente oportunidade para os provedores desse tipo de serviço. Porquanto, os usuários ainda desconfiam e se preocupam com a confiabilidade dos protocolos de seguranças desses provedores [121].
Apesar do conceito controverso, a computação em nuvem pode ser compreendida como o conjunto de recursos computacionais distribuídos em larga escala, que por sua natureza abstrata e virtualizada é passiva de um dinamismo escalonado que permite que vários consumidores acessem através da internet (FOSTER; ZHAO; RAICU; LU, 2008, p. 01) [122].
A afirmativa de que a computação em nuvem é um sistema promissor e certamente se assentará dentre os mais inúmeros tipos de usuários pode ser justificada no seguinte exemplo:
Imaginem uma empresa de comércio eletrônico, que vende seus produtos via Internet. Ela precisa dispor de um parque computacional configurado para atender a seus picos de venda, como Natal e Dia das Mães. No restante do ano, grande parte desta capacidade computacional fica subutilizada. Com a Computação em Nuvem esta empresa não precisa ter esse parque de computadores instalados em seus escritórios. Ela adquire a quantidade de capacidade necessária e apenas paga por este uso (TARIOUN, 2009).
Em síntese, o modelo de computação em nuvem possibilita o acesso conveniente a um conjunto compartilhado de recursos configuráveis de computação em rede (por exemplo, servidores, armazenamento, aplicações e serviços), podendo ser rapidamente provisionados e liberados com um esforço mínimo de gerenciamento ou interação com o provedor de serviços. Com o intuito de melhor compreender a tecnologia de nuvem, identifica-se que existem algumas características essenciais, como a economia de recursos financeiros, energéticos, rápida implantação, além de valorizar o usuário, que tem à disposição a gama dos recursos inerentes à tecnologia (MEL; GRACE, 2011, p. 02) [123].
Os conceitos, ainda que contenham boa carga técnica, nos dão noção do que se tratariam estes serviços em nuvem (armazenamento, processamento, memória e aplicações), que,por meio de uma plataforma de recursos disponível em ambiente online, prezariam pela economia de recursos energéticos e financeiros, possibilitando acesso a produtos e serviços computacionais dispostos na própria rede, conforme a necessidade do usuário, não precisando de grande capacidade de hardware, ou seja, aparelhamento físico, para acesso às mencionadas ferramentas.
Esta economia de recursos é bem ilustrada por André Luiz Vieira (apud PARCHEN, 2013, p. 11), que fala em tecnologia da informação verde quando discorre a respeito das economias que a computação em nuvem proporciona em questões energéticas e de recursos. O processamento da informação e oferecimento de serviços através de data centers (conglomerado de servidores com alta capacidade de processamento de dados[124]) representa economia real se comparado ao processamento da informação feito individualmente por cada usuário com acesso à internet, em hardware próprio, pois a alta tecnologia no processamento de dados e recursos de resfriamento de máquinas utilizados por estes centros faz com que as máquinas trabalhem em situação favorável à produção para a qual se destinam, gerando economia energética e financeira.
A título de exemplo, o Google Drive, além da ferramenta de armazenamento, possibilita a edição de arquivos de textos, confecção de planilhas, entre outras ferramentas de processamento, sintetizando a virtualização dentro da virtualização. Os serviços em nuvem não se restringem ao Google, utilizado apenas para ilustrar e facilitar o raciocínio, que podem ser encontrados também em outras empresas, muitos deles gratuitos, como o OneDrive, da Microsoft, iCloud, da Apple, e o DropBox.
Nessa conjuntura, indaga-se a existência de responsabilidade por parte dos servidores que gerenciam esses sistemas, sendo que, na esfera do direito de autor, o armazenamento de conteúdo ilegal/pirata e a quebra da segurança do armazenamento em nuvem, consequentemente o “vazamento” de conteúdo protegido pelos direitos autorais, de certa forma, responsabilizariam esses servidores.
Nesse contexto, é preciso considerar o armazenamento de conteúdo pirata, vez que, alocado na nuvem, não poderiam ser encontrados na busca e apreensão do aparelho informático. A grandiosidade da pirataria, como se conhece atualmente, pode ser atribuída, sobretudo, ao mundo virtual. Se há alguns anos era necessário se dirigir ao “camelô” para adquirir uma cópia pirata, hoje, basta estar conectado à rede para realizar um download.
Verifica-se, assim, que o enfrentamento é ainda mais crítico, na medida em que os serviços de disponibilização de conteúdo, armazenamento, compartilhamento de arquivos entre os usuários possibilitaram a replicação da informação em grau muito mais intenso.
5 COMPUTAÇÃO EM NUVEM E A RESPONSABILIDADE PELA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS
É cediço que o usuário, quando da reprodução e uso não autorizado de material autoral, será responsabilizado tanto penal quanto civilmente pelos danos causados em decorrência da violação dos direitos autorais. A indagação que deve ser feita é se o usuário, no uso do serviço, até então legítimo, valendo-se dos recursos oferecidos pela computação em nuvem para armazenamento de conteúdo pirata (livro, filme, música etc.), responsabilizaria o servidor por ofensa aos direitos do autor e, ainda, a quebra da proteção do sistema de armazenamento em Nuvem, acarretando a disseminação de conteúdo protegido pelos direitos autorais, responsabilizaria o fornecedor dessa ferramenta.
Em situações anteriores, ainda que um tanto quanto distintas, o Google já foi responsabilizado pelo fato de usuários estarem veiculando links de conteúdo pirata por meio darede social Orkut, já extinta. Na ocasião, o juiz que sentenciou entendeu que o Google teria responsabilidade subjetiva sobre o conteúdo disseminado em desacordo com as leis de proteção de copyright, sob fundamento dos artigos 186 e 927 do Código Civil, que estabelecem, respectivamente, que quem comete ato ilícito por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar o direito de outrem fica obrigado a repará-lo[125].
Isso porque a introdução de serviços em Nuvem transfere a responsabilidade pela conservação da segurança da informação pertencente a cada utilizador individual para o fornecedor, levantando assim a necessidade de assegurar que os fornecedores dos serviços tenham a capacidade legal de fornecer soluções seguras e robustas de comunicação.
Na perspectiva do julgado, haveria ainda responsabilidade por parte do servidor de recursos em Nuvem. Porém, a recente promulgação do Marco Civil da Internet atribui perspectiva diversa ao tema em seu artigo 19, que, com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário[126].
Ainda que o artigo dê parecer negativo quanto à responsabilização dos serviços de computação em Nuvem e, consequentemente isentaria o Google Drive pelo conteúdo produzido por terceiros, como bem discutido em argumentos alhures, os direitos da personalidade se opõem, no caso em tela, ao direito de liberdade de expressão, que, ao optar por um, aniquilar-se-ia o outro, o que não seria razoável.
Logo, não há como se encontrar uma solução estritamente baseada na legislação infraconstitucional, justamente porque a lei publicada recentemente (Marco Civil da Internet) trouxe entendimento diverso da responsabilização dos servidores de aplicação, os quais antes eram responsabilizados por qualquer conteúdo disposto em suas plataformas.
Pode-se pensar ainda que se essa informação pirateada for compartilhada por terceiro, além do dano evidentemente causado, este tomará proporções incalculáveis, haja vista que a abertura de um conteúdo para a rede possibilita sua replicação infinita e, por consequência, a impossibilidade de se conseguir que a conduta danosa cesse. Assim, deixar que os servidores de aplicação sejam isentos de responsabilização nos moldes da hipótese em tela é igualmente desarrazoado, não conferindo proteção alguma aos direitos de personalidade.
CONCLUSÃO
Face a discussão aqui apresentada, verifica-se que a problemática entre os direitos autorais e a responsabilidade dos servidores do sistema de armazenamento deve ser visualizada sob o prisma jurídico, visto que se trata de uma modalidade de prestação de serviço. Assim, identificada a má prestação de serviço pelos descuidos técnicos, ocorrendo o comprometimento do sistema e,por conseguinte, o vazamento do conteúdo protegido pelos direitos autorais, o servidor deve ser responsabilizadocivilmente.
Não obstante, há a necessidade de uma conscientização da sociedade no sentido de analisar de forma cautelosa os servidores que operam esse sistema, não alocando suas informações sem essa prévia análise, vez que um conteúdo disponibilizado na rede pode ser replicado infinitamente. Asociedade tem observado grandes alterações em todo o panorama político-social-econômico e a maior modificação é o avanço tecnológico, em que a principal fonte de poder pode ser caracterizada pelo domínio e disponibilidade de informação.
A informação que antes era de difícil acesso, hoje em dia, é simples e rápida, uma vez que, por intermédio da internet e do avanço da tecnologia, os meios de comunicação são mais acessíveis e levam as informações para toda a sociedade. O desenvolvimento da internet, sua utilização como ferramenta para comunicação e, principalmente, sua utilização nos mais diversos meios de comunicação e facilidade operacional, como o armazenamento em Nuvem, gera nas sociedades contemporâneas a necessidade de rever suas normas jurídicas, para apresentar uma maior eficácia.
A informação na Nuvem facilita o acesso a dados, tornando a informação descentralizada, o que possibilita ao usuário da aplicação, com autorização, o acesso ao conteúdo armazenado e, com isso, a reprodução e cópia da informação autoral. Ainda que a convicção de que os arquivos inseridos na rede tenham amplitude no âmbito informativo, poucos se lembram que a disponibilização na rede não resulta em dizer que tal arquivo, mesmo armazenado em Nuvem, deixou de possuir caráter pessoal nem, tampouco, retira sua natureza jurídica de propriedade amparada pela legislação. Sendo certo, assim, que eventual violação deve ser punida.
Existem grandes desafios no Direito moderno quanto à proteção aos direitos autorais referentes à propriedade intelectual publicada na Internet, já que a ocorrência de violações a este direito é muito abrangente, uma vez que a violação pode ocorrer de diversas formas. Muito se discute sobre a necessidade de uma legislação especifica quanto ao sistema de armazenamento em Nuvem, não podendo o Estado deixar conflituosos preceitos constitucionais igualmente relevantes, como a liberdade de expressão e informação e os direitos de personalidade.
Assim, além das medidas socio-educativas, necessita-se de amparo estatal quanto ao tema, para fim de se preservar o direito do autor, seja pela aplicação de regras ordinárias, ou do sopesamento de valores constitucionais. Em outras palavras, dar melhor resguardo aos direitos dos usuários das redes, bem como observar os princípios que impõe justiça.
A conclusão a que se chega é a de que os servidores devem se responsabilizar pelos serviços prestados, não podendo se abster da responsabilidade, seja por mera alegação de cláusulas que exonerem suas responsabilidades, seja por alegar restrições aos serviços prestados. Os usuários precisam estar amparados quando incluírem seus arquivos em uma determinada rede de armazenamento, independentemente da existência de previsão legal específica, pois o próprio Código de Defesa do Consumidor prevê normas que devem ser observadas especialmente nesses casos, já que se trata de uma relação de consumo, em que os usuários são os consumidores do serviço e os servidores, os prestadores de serviço.
Portanto, a lesão ao conteúdo tutelado pelos direitos autorais por meio do sistema de armazenamento em Nuvem, quando identificada a omissão aos cuidados técnicos do sistema por parte dos servidores da computação em Nuvem, deve resultar em responsabilidade destes, vez que assumem o risco da atividade desenvolvida.
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Da conformação da maximização do bem-estar ao direito fundamental ao desenvolvimento econômico[127]
FROM THE CONFORMATION OF THE MAXIMIZATION OF WELFARE TO THE FUNDAMENTAL RIGHT TO ECONOMIC DEVELOPMENT
Felipe Lôbo Gomes*
RESUMO: O texto expõe as várias facetas do Direito Fundamental ao Desenvolvimento Econômico para depois propor elementos para uma profunda revisão estrutural e conceitual diante das novas necessidades dos indivíduos, de um mundo globalizado e dos influxos desta nova visão na conformação do Estado. Para tanto, utiliza-se do instrumental teórico da análise econômica do direito e do princípio da eficiência com vistas a rever os paradigmas clássicos diante de um prisma constitucional e que vá muito além desta geração, transcendendo seus efeitos com enfoquenuma visão sustentável do Estado.
Palavras-chave: Análise Econômica do Direito. Direito Fundamental ao Desenvolvimento Econômico.Eficiência.
ABSTRACT:The text exposes the various facets of the Fundamental Right to Economic Development and then proposes elements for a profound structural and conceptual revision to the new needs of individuals, a globalized world and the inflows of this new vision in the shape of the State. In order to do so, it uses the theoretical instruments of economic analysis of law and the principle of efficiency with a view to reviewing the classical paradigms before a constitutional prism that goes far beyond this generation, transcending its effects with a focus on a sustainable view of the State.
Keywords: Economic analysis of Law. Fundamental Right to Economic Development.Efficiency.
Recebido: 27.04.2017
Aprovado: 21.06.2017
1 INTRODUÇÃO
A delimitação do conceito de desenvolvimento, mormente dentro do contexto nacional, carece de estudos mais aprofundados para ponderar a relação de equilíbrio nem sempre existente entre o mercado e os direitos fundamentais.
Para tanto, com vistas a trazer novas luzes sobre o problema, tem-se que o uso da análise econômica do direito ofertará novo cabedal teórico para melhor delimitar o conceito em termos nacionais.
Para tanto, o artigo segue na análise e levantamento das referências bibliográficas quer sejam de cunho jurídico e econômico para ao fim fundamentar um conceito renovado de desenvolvimento que leve em conta a relação entre a disciplina jurídica e a disciplina da racionalidade do gasto, a Economia, tão em voga modernamente diante do cenário de escassez que se apresenta.
As pautas principais da análise seguirão pela fundamentalidade do direito ao desenvolvimento, pela importância da boa governança nessa consecução, pela necessidade de se visualizar a eficiência como elemento motriz desse processo, pela ponderação do contexto que envolve o desenvolvimento, volvido que está para a sustentabilidade, e pelo caráter inclusivo e libertário que deve imbuir este enfoque, informado por um conceito mais amplo que o de interesse público, o de interesse geral.
Nesse intento, deve-se ter em mente que o desenvolvimento é matéria diametralmente oposta ao conceito de crescimento. Crescimento tem cunho quantitativo, enquanto desenvolvimento tem cunho qualitativo.
Este tema, então, como enfatizado, é muito caro à análise econômica do direito, existindocorrentes doutrinárias dentro dela que ponderam as funções estatais num panorama de maximização do bem-estar por meio da redistribuição da riqueza, medida que se aproxima em muito da realidade social brasileira.[128][129]
Nesse sentido, como bem destaca Fernando Araújo, o acento tônico da análise econômica se encontra na eficiência, entendida esta como a maximização do bem-estar entre as partes envolvidas, dentro de uma escala de valores, não se referindo a uma maximização cega, unilateral e irresistível.[130]
Dentro desse espectro teórico, portanto, é que se apresentarão as próximas linhas no sentido de valorar constitucionalmente, ou seja, filtrar constitucionalmente as ideias econômicas do desenvolvimento.
2 DO BEM-ESTAR AO DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Como ponderado acima, a depender da escolha doutrinária que se faça, pode-se ter um Estado com conformação coletivista, implicando maior grau de intervenção, ou com concepções individualistas, implicando em menores graus de intervenção. Contudo, concorda-se com a posição de CassSustein no sentido de ser comum a eleição de critérios ligados ao bem-estar (welfare) de um lado e à liberdade (autonomy) de outro. “A persecução de ambos esses critérios será informada e restringida pelas concepções de justiça como definidas na posição original.”[131]Ou seja, o fundamento da ponderação entre liberdade e bem-estar vai estar ligado ao consenso originário do que é justo naquela sociedade. A justiça definida na posição original, para o caso brasileiro, deve levar em conta a força normativa do texto constitucional.
Dentro desse escopo, o temperamento quanto ao custo dos direitos, mesmo dentro de um panorama de maximização do bem-estar e distribuição da riqueza, queda relacionado com o verdadeiro dimensionamento da justiça, que não se apresente como uma justiça a qualquer preço, mas como uma justiça que não importe em resultados trágicos.[132]
Entretanto, deve-se aduzir que o bem-estar possui um papel e que esse papel depende da geração de riqueza, uma vez que os direitos têm um custo, devendo tal noção fazer parte do conteúdo dos próprios direitos.[133]
Nessa quadra, então, necessário se torna analisar como se promoverá a riqueza e o atendimento do bem-estar.
Com esse intuito, merece delimitar qual seria o núcleo básico da atividade administrativa, ou seja, da Administração Público. Ruy Cirne Lima apresenta importante posicionamento doutrinário sobre esse ponto:
O fim, e não a vontade, domina todas as formas de administração.[134]
A relação administrativa é, portanto, a relação jurídica “que se estabelece ao influxo de uma finalidade cogente.”
[...]
Na administração o dever e a finalidade são predominantes. [135]
Diante do elucidativo posicionamento doutrinário, vê-se que o âmbito de sindicabilidade da atividade administrativa é amplo, pois está vinculado a uma finalidade pública cogente. É justamente o detalhamento dela que aqui se quer ponderar. Entende-se que ela tem por norte o dever de boa-administração, ou boa-governança na concretização do Direito Fundamental ao desenvolvimento econômico.
Ratificando a postura adotada, traz-se à colação posicionamento de Juarez de Freitas quanto à conformação do ato administrativo na modernidade:
Pode-se, conclusivamente, entender o ato administrativo legítimo como a declaração de vontade da Administração Pública lato sensu, ou de quem exerça atividade por ela delegada, de natureza infralegal (em regra), com o fito de produzir efeitos no mundo jurídico, em harmonia com o direito fundamental à boa administração, direta e imediatamente.
[...]
Nesse diapasão, o Estado da discricionariedade legítima é o Estado da promoção do bem de todos (CF, art. 3º), da continuidade planejada dos serviços essenciais, do intangível equilíbrio econômico-financeiro dos ajustes e da superação (ao menos, em parte) da lógica antagonizadora, precária e adversarial nas relações de administração. (itálico no original)[136]
Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta posicionamento consentâneo ao de Juarez de Freitas no que concerne às limitações à análise discricionária do ato administrativo, quando relata:
Pretende-se, além disso, que o quadro das circunstâncias fáticas em vista do qual a Administração terá de agir promove um balizamento suplementar da descrição abstratamente conferida pela norma, estreitando-a – tal como é desejado pela lei – até o ponto de compor os limites da “boa-administração”.[137] (itálico no original)
Portanto, deve-se ponderar que essa finalidade, dentro dos padrões do princípio da juridicidade, e de sua orientação para a realização dos direitos fundamentais, seria justamente a promoção do direito ao desenvolvimento, elemento basilar, por sinal, para a consagração do mínimo existencial.
Dessa forma, entende-se que a finalidade da atividade administrativa necessita do delineamento do direito ao desenvolvimento. Segundo Paulo Bonavides, quando do trato dos direitos fundamentais de terceira dimensão, o direito ao desenvolvimento:
[…] diz respeito tanto a Estados como a indivíduos, segundo assevera o próprio MBAYA, o qual acrescenta que relativamente a indivíduos ele se traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada. [138]
Com relação ao direito ao desenvolvimento, André Ramos Tavares pondera:
O desenvolvimento do Estado passa prioritariamente pelo desenvolvimento do homem, de seu cidadão, de seus direitos fundamentais. Sem ele, o mero avanço econômico pouco significará, ou fará sentido para poucos. Assim, independentemente do conceito que determinada atitude possa ocupar nas teorias econômicas, ela poderá ser adotada se puder ser utilizada como instrumento para alcançar mencionado desenvolvimento. Portanto, a intervenção do estado, sempre que servir para esse desiderato, será necessária, bem como as prestações de cunho social (e especialmente tais prestações), sem que isso signifique a assunção de um modelo socialista. Da mesma forma, a consagração da liberdade, incluindo a livre iniciativa e a livre concorrência, serão essenciais para que se implemente aquele grau de desenvolvimento desejado.[139]
Em complemento do expendido, tem-se com Luís Cabral de Moncada que a política de desenvolvimento não deve ser medida por uma mera acumulação do produto nacional, ou seja, por seu crescimento. A ideia de desenvolvimento, isto sim, veicula uma consideração de equidade social dependente de uma intervenção dos poderes públicos na esfera de produção e na repartição. O crescimento, necessário ao desenvolvimento, deve obedecer pois a certas condições fixadas na Constituição, no caso do autor a lusitana, e que podem ser adaptadas ao direito pátrio, da seguinte forma: o seu equilíbrio; a sua equidade e a sua eficiência, não apurada esta, tão somente, no simples acumular riqueza. Ela deve depender do tipo de necessidades sociais que satisfaçam os bens cuja própria produção será protegida pela intervenção dos poderes públicos. [140]
Corrobora o quanto exposto a conceituação formulada por Luiz Carlos Bresser Pereira:
O desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e social, através do qual o crescimento do padrão de vida da população tende a tornar-se automático e autônomo. Trata-se de um processo social global, em que as estruturas econômicas, políticas e sociais de um país sofrem contínuas e profundas transformações.[141]
Dentro desta compreensão, então, verifica-se que o direito ao desenvolvimento econômico carece de uma nova perspectiva histórica para a Administração Pública, uma perspectiva orientada por uma governança administrativa eficiente e ecoeficiente. Nesse escopo, a atividade estatal ganharia, então, viés legítimo se adequada a este fundamento, sem o que a sua atividade poderia ser anulada. Com efeito, Juarez de Freitas é bem enfático ao relacionar o controle meritório do ato administrativo à questão do desenvolvimento humano, senão vejamos:
O desafio do controle dos atos administrativos é, então, tornar eficazes os princípios e direitos fundamentais, de maneira menos lírica e mais prática, com real proveito para o Desenvolvimento Humano (nos mencionados parâmetros de longevidade, renda e educação).
[…]
Em última análise, quanto maior o Índice de desenvolvimento humano (longevidade, renda e educação) [142][143] mais o Estado-Administração será efetivo garantidor eficiente e eficaz do direito fundamental à boa administração pública. [144][145]
Contudo, restando relevante a concepção do Índice de Desenvolvimento Humano para aferir a concretização desse importante direito, tem-se que ele, na atual quadra, não atende totalmente ao contexto social e fático vigentes. Tanto é assim que se tem preconizado a evolução desse conceito para que o seja numa concepção de riqueza inclusiva, uma riqueza que seja aferida pelos aspectos indissociáveis do bem-estar humano relacionados com a saúde, educação, qualidade do ar e da água, beleza natural, lazer e segurança ambiental, dentre outros.[146] Para complementá-lo, deve-se empreender um exercício intergeracional, que precifique os bens da Natureza e fomente um sistema de mercado eficiente e transparente com claras sinalizações de preços.[147]
Para além dos alertas de inadequação acima, os ambientalistas relatam ser o IDH e o PIB incompletos por não mensurarem as externalidades negativas da poluição ambiental. Nesse sentido, existem estudos pioneiros do The economicsofecosystemsandbiodiversity(TEBB), que apresentam instrumentos para se valorar e incorporar os serviços da natureza nos processos de tomada de decisões.[148] O seu estudo leva em conta a valoração do capital natural que se funde em uma ampla base de ativos sobre o qual repousa a busca do bem-estar humano, como os produtos manufaturados (estradas, construções, portos, máquinas, equipamentos etc.), capital humano (educação, competências), conhecimento adquirido a partir de pesquisa e desenvolvimento, capital natural e população (tamanho e perfil demográfico). Assim, verificando essa massa de ativos, seus fluxos e estoques, a nação promove o bem-estar da sociedade atual e da futura.[149]
Portanto, a boa administração ou boa governança deve estar pautada pela concretização do direito ao desenvolvimento econômico, um desenvolvimento visto em sua amplitude, que mensure todos os ativos e passivos que a humanidade tem:
Neste ponto o Direito precisa assumir uma especial função para a implementação de políticas públicas desenvolvimentistas. De nada adiantam boas intenções (normativas, econômicas e administrativas; estatais ou privadas) se não existir uma perspectiva de confiabilidade, certeza e segurança futuras. A velocidade das mudanças não é tamanha a ponto de fazer com que o seu objeto transforme-se em energia indetectável. O que mais uma vez remete a algumas das funções básicas do Direito e aos novos desafios que propõem aos juristas. […]
O que é imperativo é a necessidade de reinventar a própria noção de Direito Público (e políticas públicas desenvolvimentistas) sob as novas condições e exigências históricas. Assim estar-se-á reinventando a própria eternidade do direito.[150]
Merece reportar, por oportuno, que este direito, para além de encontrar referências no plano internacional, veja-se o art. 1º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento da ONU de 1986, [151]e a Resolução 41/128, da Assembleia Geral da ONU, de dezembro de 1986, [152] possui referências no plano interno, quando o legislador constituinte brasileiro elegeu o desenvolvimento nacional como um dos objetivos da República, conforme dispõe o artigo 3º da Constituição Federal. Portanto, vê-se que o direito ao desenvolvimento se apresenta como condição imprescindível para a realização dos fins republicanos, que delimita, por sua vez, a interpretação de todas as disposições constitucionais de 1988, e, por conseguinte, da compreensão do princípio constitucional da eficiência.
Nesse ponto, dignas de citação são as lições de Robério Filho quando sintetiza a conformação do direito ao desenvolvimento no plano constitucional: a) não se confunde com o mero crescimento econômico; b) possui vínculo direto com a dignidade da pessoa humana; c) constitui ao mesmo tempo,‘finalidade e objetivo’da República Federativa do Brasil; d) porta uma natureza obrigatória;[153] e) é diretamente proporcional à concretização dos objetivos constitucionais da nossa República; e f) deve considerar o ‘todo’ da nação, refletindo a realidade do Estado multicultural e multiétnico e assumindo uma natureza dialógica por meio de um diálogo intercultural.[154]
Em outro prisma, focando a questão dentro das teorias econômicas neoinstitucionalistas, pode-se afirmar que o desenvolvimento será alcançado quando a evolução das instituições permitir reduzir o grau de risco/incerteza e diminuir os custos de transação.[155][156][157]
Ainda dentro das concepções econômicas sobre desenvolvimento, é de se citar Amartya Sen, que vincula a concretização do desenvolvimento à garantia de liberdades materiais:
Se a liberdade é o que o desenvolvimento promove, então existe um argumento fundamental em favor da concentração nesse objetivo abrangente, e não em algum meio específico ou em alguma lista de instrumentos especialmente escolhida. Ver o desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas dirige a atenção para os fins que o tornam importante, em vez de restringi-lo a alguns meios de que, inter alia, desempenham um papel relevante no processo.
O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.
[…]
As liberdades não são apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas também os meios principais. Além de reconhecer, fundamentalmente, a importância avaliatória da liberdade, precisamos entender a notável relação empírica que vincula, umas às outras, liberdades diferentes. Liberdades políticas (na forma de liberdade de expressão e eleições livres) ajudam a promover a segurança econômica. Oportunidades sociais (na forma de serviços de educação e saúde) facilitam a participação econômica. Facilidades econômica (na forma de oportunidades de participação no comércio e na produção) podem ajudar a gerar a abundância individual, além de recursos públicos para os serviços sociais. Liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras.[158]
Nessa quadra então se pergunta: Como atingir a concretização do direito fundamental ao desenvolvimento econômico? A resposta não poderia ser outra, pelo princípio da eficiência, pela instauração de uma administração pública eficiente.
[...] o direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional, cumpridora de seus deveres com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. […] Mencionado direito corresponde “o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem.”[159]
Mas como operacionalizar a eficiência? Bom, seguindo a proposta deste estudo, por meio de uma mensuração adequada dos custos de transação e dos riscos que envolvem a concretização dos direitos fundamentais. Esses instrumentos serão essenciais para maximizar os resultados sociais. Daí é que ganha relevo o adequado manejo das importantes contribuições das teorias econômicas neoinstitucionalistas.
A proposta, então, segue fincada no cabedal teórico da teoria dos custos de transação, informado que está pelas obras seminais de Ronald Coase, Oliver Williamson[160] e Douglas North[161]sobre o trato de mencionados custos na conformação das organizações e das instituições na economia, bem como pela Constitucionalização do Direito Administrativo, por meio da qual se descentraliza o monopólio do interesse público, antes centrado no Estado, e se volve para uma compreensão de Estado eficiente, empreendedor e concretizador de direitos fundamentais
Nesse passo, fulcral é a intelecção das mudanças ocorridas no postulado clássico da supremacia do interesse público sobre o privado. Hodiernamente, vê-se o fortalecimento da atuação do Estado em parceria com a iniciativa privada, por meio do que não persiste mais a concepção clássica de relação vertical público-privada, mas de uma relação diagonal, dado ainda persistirem as limitações normativas do Direito Administrativo nacional, um Direito Administrativo Constitucionalizado.
Dentro desse caminho, o Estado se dirige cada vez mais para dividir a absorção do risco[162][163]de suas atividades, de sorte a incentivar a adesão dos particulares para iniciativas de interesse público voltadas ao desenvolvimento nacional e a minorar os seus custos operacionais.
Desta forma, abrindo-se mais espaço aos particulares, o uso dos recursos públicos seria redirecionado para situações nas quais os ganhos sociais tendem a ser superiores. Desse modo, defende-se como preliminar conceitual a revisão do conceito de interesse público, para sê-lo um interesse geral, ou seja, um interesse que obtempere as relações de mercado, estado e cidadãos, todos imbuídos de que o aumento de eficiência de uma nação é essencial para a sua adequação com o mundo globalizado. Por isso, o uso do termo interesse geral, porquanto vocacionado ao atendimento do interesse de todos.
Nesse passo, insta aduzir que o caráter não absoluto de mencionado princípio e a sua compatibilização com a boa governança administrativa devem ser orientados por uma busca da eficiência que não esteja adstrita tão somente à relação custo-benefício, típica da ciência econômica. A eficiência em sua vertente jurídica brasileira busca o bem-estar dos cidadãos, a realização dos direitos fundamentais.[164] Seu cerne não deve ser uma busca por qualidade total afastada da essencial referibilidade ao ser humano. Mencionado princípio, como decorrência da eficácia dos direitos fundamentais, deve se adequar aos padrões de juridicidade imperantes em um determinado contexto histórico.[165][166][167][168]
Destarte, seja qual for a noção econômica que se usar para o tema eficiência, essencial se torna a ponderação jurídica de mencionado conceito, não numa perspectiva de custo benefício, mas numa perspectiva de um dever instrumental de garantia do bem-estar dos cidadãos por meio de uma boa-governança administrativa, voltada à melhoria dos direitos fundamentais e ao aumento da qualidade de vida, de uma vida que leve em conta o consumo de recursos naturais ponderado pela capacidade do planeta de dar atendimento às demandas sociais. Essa boa-governança, então, impõe uma dimensão à eficiência de combate aos desvios da governança, ou seja, o combate à corrupção.
Com efeito, a compreensão do contexto histórico e das novas conformações que se impõem diante de uma sociedade em que o conhecimento se encontra em patamares muito elevados, ratifica o compromisso do direito com a realidade e o metamorfoseamento social. Salvador Vianna bem sintetiza essa questão:
As sociedades que historicamente alcançaram grau elevado de desenvolvimento econômico são aquelas em que se deu a adequação das regras formais ao ambiente comportamental da sociedade – ou seja, lograram equilíbrio institucional -, reduzindo os custos de transação e, assim, incentivando o desempenho dos agentes. Economias periféricas são, conseqüentemente, aquelas que não conseguiram construir arranjos institucionais capazes de gerar condições de mercado satisfatórias para os agentes, com custos de transação baixos e direitos de propriedade assegurados.[169]
Ainda dentro da temática do desenvolvimento, ganham em importância as observações de DaronAcemoglu e James Robinson sobre as causas do fracasso das nações. Na compreensão deles, com o que se concorda, os efeitos prejudiciais às nações decorrem de instituições não inclusivas e voltadas para a prática de condutas rentistas de determinados nichos da sociedade.
Eles destacam que o círculo virtuoso decorre de instituições inclusivas. A lógica pluralista delas dificulta bastante a usurpação do poder por parte de uma facção ou de um governante bem-intencionado. É esse pluralismo que sacramenta a noção de Estado de Direito, de maneira que as leis devem ser igualmente aplicadas a todos, obstando o uso de uma lei por um determinado grupo para sobrepujar outro. Esse pluralismo impõe maior participação no processo político e maior inclusão. Essas instituições políticas inclusivas fazem surgir instituições econômicas inclusivas, que acabam por obstar a importância dos monopólios[170] e exigem uma economia mais dinâmica. Essas mesmas instituições fazem florescer uma imprensa livre, que fornece informações a respeito das instituições e mobiliza, se for o caso, a oposição a elas. Nelas, os ganhos da detenção do poder político são mais limitados, reduzindo os incentivos aos grupos aventureiros de tentarem assumir o controle do Estado. Elas têm como virtude e como elemento fundamental o fortalecimento de coalizações.[171]
Ao tratarem do empoderamento, decorrente da mudança de trajetória institucional de uma nação, assestam que as revoluções políticas mais inclusivas foram exitosas por empoderar um segmento transversal bastante amplo da sociedade. O poder, nesses casos, deve ter uma ampla distribuição pela sociedade. A criação das coalizões deve ser estimulada e a imprensa pode adotar um papel importante neste movimento, desde que não esteja voltada para a ratificação das atitudes das instituições extrativistas.[172]
Quanto ao feedback negativo, preconizam que os círculos viciosos criam forças poderosas em direção à manutenção das instituições extrativistas. Ele gera a alimentação de instituições extrativistas que persistem diante das elites que as controlam e delas se beneficiam. Elas impõem poucas restrições ao exercício do Poder, ou seja, não existem controles que incidam sobre o uso e abuso do poder, mesmo no caso da derrocada de ditadores e da assunção de novos. O controle do poder, nessa óptica, assegura grandes lucros e riqueza, graças à expropriação dos ativos alheios e ao estabelecimento de monopólios. Esses fatores levam à ambição de quem não está no controle com vistas ao alcance desse empoderamento, que, em geral, deflagra, pelos vícios das instituições, uma espiral descendente rumo à ilegalidade, à falência do Estado e ao caos político, esmagando toda e qualquer esperança de prosperidade econômica.[173]
E assim deve ser, pois a exploração dos recursos estatais necessários ao atendimento das necessidades fundamentais envolve uma racionalidade muito mais intensa da que se passa a propósito das demais atividades. Afinal, trata-se de servir às demandas essenciais dos seres humanos - logo, devem ser adotadas as decisões que ampliem a eficiência na utilização dos recursos, propiciando a melhor satisfação para o mais amplo número de beneficiários, quer seja nessa geração, quer seja com o olhar voltado para a sustentabilidade dessas medidas para as gerações futuras.[174]
Destarte, o atuar administrativo eficiente é o elemento essencial à concretização do direito fundamental ao desenvolvimento econômico, tanto na esfera do gasto público destinado ao atendimento das necessidades fundamentais, como na regulação econômica que torna possível a produção de riqueza e a manutenção dos bens essenciais à promoção do bem-estar e à melhoria do desenvolvimento humano intra e intergeracional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como cotejado, o desenvolvimento se apresenta como um processo dinâmico e complexo muito diferente do mero crescimento, ou seja, do acumular riquezas.
Ele pressupõe um ideal valorativo, de melhoria das condições de existência digna as pessoas, da inclusão de todos os agentes que fazem parte de uma nação e da sustentabilidade dessas condições para além dessa geração.
Essa conceituação, então, deve ser extraída do ideal de justiça dentro de cada sociedade, de maneira que numa sociedade multicultural e multiétnica como a nossa deve prever e dar atenção aos anseios basilares dos diversos nichos populacionais.
Desse modo, o desenvolvimento como processo de transformação econômica, política e social do Estado deve ser fincado na mudança de paradigma do Estado e de uma nova compreensão do que possa ser o interesse público, um interesse geral, melhor dizendo, por envolver os mais elevados anseios do mercado, do estado e dos cidadãos, dado que o seu monopólio na modernidade não subsiste mais em nome de algum desses atores.
Assim, visualiza-se que o direito ao desenvolvimento tem referibilidade ao Estado, como interventor direcionado à proteção e preservação dos bens que satisfaçam às necessidades sociais, ao mercado, como motriz do movimento necessário à oferta de bens, serviços e renda para subsidiar esses interesses, e ao indivíduo, no presente, diante das necessidades de trabalho, saúde e alimentação adequada e, porque não, no futuro, dentro da sua sustentabilidade, por meio das condições de ter a oportunidade de vir a gozar dessa situação.
Desse modo, tem-se que a conformação da maximização do bem-estar é elemento prévio, antecedente e constitucionalizado para a real promoção do desenvolvimento econômico.
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O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA SOB A ÓTICA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
MY HOUSE MY LIFE PROGRAM FROM THE PERSPECTIVE OF LAW AND ECONOMICS
Gilcélia de Paula Santos*
Benjamin Miranda Tabak**
Júlio César de Aguiar***
Palavras-chave: Análise Econômica do Direito. Programa Minha Casa Minha Vida. Justiça. Eficiência.
ABSTRACT: This article analyzes the My House My Life - PMCMV Program, from the perspective of Law and Economics. The paper concludes that the Program is aligned with the Normative Analysis of Law, which studies how the notion of justice communicates with concepts of economic efficiency, maximization of wealth and maximization of well-being. However, the consequences of this norm did not reach its initial objective, that is, the reduction of the housing deficit among the Brazilian population, on the contrary, there was an increase in this indicator, in addition to a rise in the value of real estate and the removal of lower income families from the the center of cities.
Keywords: Law and Economics. My House My Life Program. Justice. Efficiency.
Recebido: 03.04.2017
Aprovado: 21.06.2017
1 INTRODUÇÃO
A Análise Econômica do Direito - AED estuda os incentivos que influenciam a tomada de decisão dos indivíduos, isto é, como determinados fatores afetam suas escolhas, partindo de um princípio básico: seres humanos fazem escolhas racionais. Além disso, a AED serve, também, como importante instrumento para avaliação de proposições legislativas, políticas públicas e para o direito em geral[175].
Contudo, em paralelo a este princípio, é importante acrescentar que o pressuposto básico de que as pessoas fazem escolhas racionais bem como a Teoria da Escolha Racional devem ser aplicados de forma a considerar a existência de limites à racionalidade humana e uso de artifícios decisórios[176].
O presente estudo busca identificar como reagem os indivíduos frente a concessão de subsídios na aquisição da casa própria, por parte do Governo Federal, no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, com consequente contratação de financiamento imobiliário, ainda que esta não seja a melhor escolha, e se esse comportamento se alinha ao proposto pela política pública: redução do déficit habitacional.
Destaque-se que os subsídios, tal como as desonerações tributárias, ao contrário do que pode parecerà primeira vista, são mecanismos que podem gerar externalidades, ou seja,desajustes no mercado[177].
O trabalho será dividido em três sessões. Na primeira sessão será abordada a Análise Econômica do Direito – AED e sua aplicação na construção de regras, leis e políticas públicas, tríade Direito-Economia-Psicologia enquanto ferramenta para subsidiar o trabalho de formuladores de políticas públicas, por se tratar de regulação do comportamento de indivíduos[178].
Na segunda sessão far-se-á uma breve contextualização sobre a evolução do Sistema Financeiro de Habitação – SFH até a implementação do Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV e aplicação da AED na construção do programa governamental.
Na terceira e última sessão serão apresentados os resultados da política do PMCMV, considerando que a política tinha por objetivo criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de unidades habitacionaisnovas ou requalificação de imóveis urbanos, além de produção ou reforma de habitações rurais, para famílias de baixa renda, inclusive subsídios, com vistas a redução do déficit habitacional e a influência da concessão desses subsídios no âmbito do programa para a aquisição da casa própria.
2 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
Nesta sessão será abordada a Análise Econômica do Direito e sua aplicação na construção de regras, leis e políticas públicas, tríade Direito-Economia-Psicologia enquanto ferramenta para subsidiar o trabalho de formuladores de políticas públicas, por se tratar de regulação do comportamento de indivíduos[179].
Tanto o Direito quanto a Economia lidam com problemas de coordenação, estabilidade e eficiência na sociedade[180], entretanto apenas nas últimas décadas é que houve uma aproximação desses dois ramos do conhecimento e surgimento de uma nova disciplina acadêmica “Direito e Economia”, atualmente conhecida como “Análise Econômica do Direito” - AED[181], uma vez que ao direito havia se proposto uma independência metodológica que resultou na adoção de uma postura xenófoba e hermética, cujo resultado foi praticamente eliminar o diálogo entre o direito e as demais ciências[182].
Tal distanciamento trouxe como consequência a ausência de instrumentos de análises, aos operadores do direito, capazes de descrever a realidade sobre a qual exerciam juízos de valor ou para prever as prováveis consequências de decisões jurídico-políticas[183].
2.1 Surgimento da análise econômica do direito
Em contraposição à visão predominante na teoria, de que o direito é uma ciência em si mesmo, surgiram tendências ou movimentos de aproximação interdisciplinar[184], entre elas a Análise Econômica do Direito - AED[185], cuja origem se deu na Universidade de Chicago[186], consolidando-se como disciplina a partir dos trabalhos de Richard Posner, Ronald Coase e Guido Calabresi[187], sendo o Teorema de Coase um dos mais relevantes instrumentos teóricos da AED[188].
Conforme apontado por Alvarez (2006), a AED pode ser vista como continuadora da tradição realista americana em sua crítica ao formalismo e na construção do conhecimento jurídico, tentando enxergar o mundo de forma mais realista e pragmática pela ciência, tal como a Escola Crítica do Direito, analisando as normas legais de modo a promover a eficiência e a maximização (conceitos econômicos) do bem-estar social[189].
Logo, a AED pode ser caracterizada pela aplicação da teoria econômica na explicação do direito, como por exemplo a formação, estruturação e impacto da aplicação de normas e instituições jurídicas, especificamente pela aplicação das categorias e instrumentos teóricos[190] da microeconomia e da economia do bem-estar social, principalmente dos institutos atrelados ao valor, utilidade e eficiência, tendo por pretensão ser um instrumento de apoio ao mundo jurídico[191] e se divide em dois níveis epistemológicos[192]:
a) Análise Positiva do Direito: ocupa-se em estudar as repercussões práticas do Direito sobre o mundo real[193];
b) Análise Normativa do Direito: qual estuda como a noção de justiça comunica-se com conceitos de eficiência econômica, maximização da riqueza e maximização de bem-estar[194].
Para a AED os indivíduos são criaturas racionais que se comportam tentando maximizar seus interesses[195], portanto, na perspectiva econômica, o ordenamento jurídico consiste em uma estrutura de incentivos que influencia o comportamento dos agentes, induzindo determinados comportamentos[196].
É importante acrescentar que o pressuposto básico de que as pessoas fazem escolhas racionais bem como a Teoria da Escolha Racional devem ser aplicados de forma a considerar a existência de limites à racionalidade humana e o uso de artifícios decisórios[197].
2.2 Aplicações da análise econômica do direito
A partir de estudos do comportamento humano a utilização de meios capazes de prever como este se dará, ou seja, quais repercussões práticas serão observadas no mundo real, pode ser crucial na compreensão e na abordagem de diversos objetivos essenciais em relação às políticas públicas[198].
Por este motivo, a aplicação da AED torna-se salutar no âmbito da avaliação do programa de governo Minha Casa, Minha Vida, uma vez que a sua criação tem por objetivo a redução do déficit habitacional, por meio de financiamentos imobiliários.
A política governamental considera que os cidadãos irão adaptar racionalmente seu comportamento, ao tomarem empréstimos com tal finalidade, contudo não considera que as pessoas frequentemente adotam metas de curto prazo que se esforçam por atingir, no caso em tela a aquisição da casa própria, mas não necessariamente por superar, reduzindo seus esforços após terem atingido uma meta imediata, incorrendo em vieses de julgamento, com resultados que às vezes violam a lógica econômica[199].
O Sistema Financeiro de Habitação, criado pela Lei 4.380/64, foi uma reformulação do Sistema Financeiro Nacional – SFN)[200], sendo destinado ao atendimento da população de baixa renda, objetivando a de conciliação da crescente demanda pela casa própria com os interesses das instituições autorizadas a operar com financiamento imobiliário[201].
O sistema se manteve vigente com o passar dos anos, contudo no período imediatamente posterior ao fim do regime militar seus problemas eram tão graves a ponto de praticamente inviabilizar qualquer tentativa de retomada da política habitacional nos moldes vigentes[202].
Então, no período compreendido entre 1985 e 1994, como intuito de fortalecimento dos programas alternativos ao SFH, novas ações foram adotadas, com programas voltados para famílias de renda inferior a três salários-mínimos, entre eles o Programa Nacional de Mutirões Comunitários e seus antecessores Profilurb, Pró-Morar e João de Barro[203].
O país vivia uma situação de elevadas taxas de desemprego e inflação, até a implementação do Plano Real, bem como dificuldades com as garantias para concessão de financiamento imobiliário[204], o que limitava o espaço para concessão deste tipo de empréstimo. Então, em meados dos anos noventa, com estabilidade macroeconômica e o aumento da renda foi possível a introdução de uma nova modalidade de financiamento, o Sistema Financeiro Imobiliário – SFI, criado pela da Lei 9.514/97.
Em complemento a esses dois modelos de financiamento – SFH e SFI – as instituições financeiras resgataram as regras da instrução normativa nº 58 de 04/12/2007, do Ministério das Cidades. Tal instrução regulamentou o programa especial de crédito habitacional ao cotista do FGTS ou FGTS Pró-Cotista, que possui condições mais benéficas de financiamento imobiliário[205].
Em relação à fonte de recursos desses financiamentos, estes provenientes da poupança privada livre, inclusive poupança externa[206], e apresenta grande flexibilidade de aplicação desses recursos, ao possibilitar financiamentos imobiliários com fins habitacionais ou não, para o SFI, enquanto o SFH, não obstante as mudanças pelas quais passou ao longo de seus mais de trinta anos[207], continua a contar apenas com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE como suas fontes básicas de recursos[208].
As principais mudanças institucionaise que merecem destaque no âmbito do financiamento imobiliário, ocorridas a partir dos anos 2000, são:
i. Instituição da figura do patrimônio de afetação, que trouxe benefícios aos adquirentes de imóveis na planta e aos financiadores de obras, reduzindo os riscos das operações bem como a instituição de novos títulos para captação de recursos destinados aos investimentos no setor: a Cédula de Crédito Imobiliário – CCI e a Letra de Crédito Imobiliário – LCI)[209], por meio da Medida Provisória n° 2.221/2001;
ii. Melhoramento do instituto da alienação fiduciária de bem imóvel, criado pela Lei n.º 9.514/97, que garante maior segurança jurídica ao crédito imobiliário, uma vez que mantem a propriedade do bem financiado em nome da instituição financeira;
iii. Criação, conforme resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM 414/2004), das companhias securitizadoras imobiliárias.
Também foram promovidas diversas alterações na lei de direcionamento dos recursos financeiros, que serviram para ampliar a oferta de financiamento imobiliário na economia[210].
Esses institutos, atualmente, estão regulados pela Lei n. º 10.931/2004.
3.2 Programa minha casa, minha vida
A partir de 2008, com intenção de enfrentar a crise internacional instaurada e manter a economia aquecida, o governo brasileiro intensificou suas ações com políticas anticíclicas baseadas na expansão da oferta de crédito para o setor imobiliário[211], para aquisição ou construção de unidades habitacionais, sustentada pelos bancos públicos[212]. Até 2007, a expansão do crédito era mais expressiva nos bancos privados, que reduziram a oferta de crédito ante a crise internacional.
Destaque-se que os imóveis para fins habitacionais, possuem qualidades específicas que justificam a atuação do governo no mercado imobiliário[213]. Seu valor elevado e sua influência na atividade da construção civil fazem com que os governos atuem na disponibilização de recursos para seu financiamento, de modo direto ou indireto[214]. Ainfluênciana economia do país pode ser direta ou indireta, ou seja, influenciando outros mercados, como o mercado financeiro, o que se reflete nos índices de crescimento do país, como o PIB[215].
Assim, foi criado o programa de governo Minha Casa Minha Vida por meio da Medida Provisória n° 459, de 25 de março de 2009, posteriormente convertida na Lei n° 11.977/2009. Na exposição de motivos da MP que dispõe sobre a criação do programa de governo observa-se a vontade do legislador ampliar a concessão de crédito, uma vez que:
3.As atuais restrições de crédito, ainda que por um período curto, podem gerar problemas no setor produtivo com consequências danosas para a economia nacional, sendo oportuna, portanto, a criação de mecanismo que reduza o risco de crédito associado às operações de financiamento habitacional, incentive o retorno dos empréstimos e viabilize a continuidade dos investimentos, principalmente no setor da construção civil, grande gerador emprego e renda às camadas de menor poder aquisitivo.
4. Associado a isso, há o diagnóstico de que do déficit habitacional se concentra no segmento populacional de baixa renda, em razão da dificuldade dessa população em acessar financiamento e outros mecanismos de aquisição de moradia que demandem comprovação, regularidade e suficiência de renda, da decadência do SFH nos anos 80 e do fenômeno da urbanização mais acelerada da última década.
Esse tipo de política é defendido pelo economista inglês John Keynes[216] e são adotadas pelos governos a fim de criar condições para que a economia produza efeitos compensatórios em momentos de desequilíbrios macroeconômicos, para as quais é possível aplicar a fórmula da norma jurídica[217], descrita, no caso de programa Minha Casa Minha Vida, abaixo:
Dado que há elevado déficit habitacional identificado segmento populacional de baixa renda, em razão da dificuldade dessa população em acessar financiamento, se houver redução do risco de crédito associado às operações de financiamento habitacional, incentivo ao retorno dos empréstimos e viabilização da continuidade dos investimentos, principalmente no setor da construção civil, grande gerador emprego e renda às camadas de menor poder aquisitivo, então se forem criados mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias de baixa renda: redução do déficit habitacional.
Considerando o texto da lei, o programa Minha Casa, Minha Vida estaria no nível de Análise Normativa do Direito, que estuda como a noção de justiça se comunica com conceitos de eficiência econômica, maximização da riqueza e maximização de bem-estar[218], ou seja, ao permitir que famílias de menor renda tenham acesso ao crédito para aquisição de casa própria vincula-se a noção de justiça (igualdade) ao conceito de maximização de bem-estar.
4 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO APLICADA AO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA
Nesta última sessão serão apresentados os resultados da política do PMCMV, considerando que a política tinha por objetivo criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de unidades habitacionais, conforme Lei n° 11.977/2009, ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias de baixa renda, inclusive subsídios, com vistas a redução do déficit habitacional e a influência da concessão desses subsídios no âmbito do programa para a aquisição da casa própria.
O déficit habitacional é calculado Fundação João Pinheiro, entidade responsável pelo levantamento nacional dos dados, como a soma de quatro componentes: (a) domicílios precários; (b) coabitação familiar; (c) ônus excessivo com aluguel urbano; e (d) adensamento excessivo de domicílios alugados.
Em 2013, último dado disponibilizado pela Fundação, o déficit habitacional era de 5,46 milhões, 8,98% do total de domicílios particulares permanentes, 65,1 milhões. No mesmo período, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, 74,4% dos domicílios são próprios (69,3% já quitados e 5,1% em aquisição).
Em relação à população nacional, de acordo com dados do IBGE – Instituto de Geografia e Estatísticas, há 206,4 milhões de habitantes residentes no país, resultando numa média de 3,24 habitantes por domicílio, aqui compreendido conforme conceito estabelecido pela PNAD[219].
No âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, segundo divulgado no site Ministério do Planejamento[220], quase 1,4 milhão de unidades habitacionais foram entregues desde seu início até 2013, contudo a necessidade de habitação cresceu 5,81% entre 2008 e 2013.
De acordo com os dados da a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), em valores nominais, os recursos direcionados da poupança, regulados em lei ou normativo[221], aos financiamentos imobiliários, partiram de R$ 151, 0 bilhões, em janeiro de 2008, chegando a R$ 498,7 bilhões, em setembro de 2015.
O saldo da carteira de crédito do Sistema Financeiro Nacional saltou de R$ 316,41 bilhões, no final de 2007, para R$ 1.582,16 bilhões em 2015, no que diz respeito aos recursos direcionados. No mesmo período, o saldo da carteira de crédito para financiamento imobiliário passou de R$ 48,90 bilhões para R$ 572,31 bilhões, passando para uma participação 36,17% da carteira.
Assim, verificou-se elevação no valor médio das operações, além da elevação no saldo das operações de crédito contratadas no âmbito do sistema financeiro[222].
Quandose considera as operações de crédito concedidas com recursos do FGTS para aquisição de habitação popular, exclusivamente, conforme dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC, o valor médio de financiamentos para imóveis novos saltou de R$ 38,8 mil para R$ 85,5 mil, entre 2007 a 2015. A elevação da média dos valores financiados para imóveis usados foi de 202%[223].
Os financiamentos de imóveis, de forma geral, apresentaram, também, elevação do valor médio das operações. Os dados da Abecip informam que em 2008 foram contratadas 137,3 mil operações, numa média de R$ 100,5 mil, já no ano de 2015, a média dos valores das operações foi de R$ 232,4 mil, num total de 235,4 mil operações contratadas.
4.2.1 OS REFLEXOS DA OFERTA DE CRÉDITO NO SETOR IMOBILIÁRIO
Conforme indicado acima, verificou-se uma elevação no preço médio dos imóveis no Brasil, considerando-se o valor médio dos financiamentos. Essa elevação nos preços dos imóveis foi constatada, também, numa pesquisa realizada pelos bancos centrais de 54 países[224], no ano de 2013, com uma elevação de 121,6% no valor dos imóveis, desde 2008.
Além desses dados que demonstram a elevação no valor médio dos imóveis, pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE e revista Exame[225] indicou uma elevação nos preços dos imóveis num ritmo anual de 20% a 30%, em média, até 2013.
Contudo, mais do que a expansão do crédito, outros motivos devem ser considerados para explicar o crescimento do setor, e a consequente elevação do valor desses bens[226]. Entre eles destacamos a queda da taxa de juros, que por sua vez diminui o custo do financiamento, fator fundamental neste mercado, considerando que grande parte das transações imobiliárias são efetuadas com financiamentos de longo prazo.
Há ainda os reflexos de uma economia aquecida, com reflexos no mercado de trabalho e na renda do trabalhador, que facilitam seu acesso ao mercado imobiliário, bem como as alterações na legais que tornaram o investimento no setor mais seguro[227], além da política pública brasileira para sediar megaeventos como a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016.
A aquisição da casa própria é natural ao ser humano, sendo o imóvel caracterizado como necessidade básica e intimamente ligado à busca de segurança contra as adversidades do meio ambiente[228], neste contexto é considerado um reforçador primário[229].
A despeito das alterações promovidas na regulamentação do setor e das habitações entregues na vigência do programa Minha Casa, Minha Vida, o déficit habitacional brasileiro revelou um aumento de 5,81%, entre 2008 e 2013.
Esse aumento pode ser explicado pelo fato de que com o PMCMV famílias de menor renda foram incluídas no grupo de potenciais tomadores de crédito, aumentando, também, a demanda imobiliária, o que acabou por influenciar as mudanças nos preços dos bens imóveis, conforme se viu acima, porém o mercado de imóveis é dominado pelo estoque, por causa da durabilidade das construções, ou seja, a oferta consiste principalmente de imóveis do estoque, sendo que as novas construções representam um percentual relativamente pequeno do total, tendendo à inelasticidade[230].
4.4 Resultados do programa Minha Casa Minha Vida sob a ótica da análise econômica do direito
No caso estudado, a política do PMCMV assume a forma de nudges, ou seja, a abordagem preserva a liberdade do indivíduo e se destina a influenciá-los em determinadas direções, mas permite que os agentes decidam a maneira como irão agir[231], portanto a tomada de financiamento com finalidade de aquisição de imóveis é uma deliberação volitiva do agente.
O PMCMV não reduziu o déficit habitacional e foi mais um fator contribuinte para a valorização imobiliária no país, que não foi verificada em outras partes do mundo (PAGANO et al, 2015).
Essa elevação do valor dos imóveis exige mais reservas daqueles que desejam adquirir a casa própria e acaba por afastá-los das sedes, impactando, também, o sistema de financiamentos[232].
Desta forma, sob a ótica da Análise Econômica do Direito, cuja máxima reside em igualar os custos marginais aos benefícios marginais para que se encontre o ponto de equilíbrio, a política pública é deficitária, pois os benefícios alcançados foram menores que os custos sociais observados[233] e o objetivo de reduzir o déficit habitacional não foi alcançado.
Essa constatação corrobora o entendimento de que as políticas públicas ainda são baseadas, essencialmente, na tradição e na intuição e o governo espera que alterações nas legislações ou incentivos (mudanças no sistema de impostos e benefícios, por exemplo) levem os cidadãos a adaptar racionalmente seu comportamento[234], sem, contudo, avaliar corretamente o alcance de suas ações.
CONCLUSÃO
A AED se mostra como relevante instrumento de construção e implementação de políticas públicas, tendo em vista que considera o ordenamento jurídico uma estrutura de incentivos que influencia o comportamento dos agentes, induzindo determinados comportamentos[235].
No caso do PMCMV, percebe-se que a construção da norma está alinhada ao nível de Análise Normativa do Direito, que estuda como a noção de justiça se comunica com conceitos de eficiência econômica, maximização da riqueza e maximização de bem-estar[236].
No que diz respeito aos aspectos práticos da norma, verifica-se mudanças no comportamento das famílias, em função da nova norma, uma vez que foi observado aumento na demanda de crédito por parte daquelas que possuem menor renda, ou seja, as políticas públicas habitacionais implantadas recentemente tiveram impacto relevante no mercado imobiliário[237].
Contudo, percebe-se que as consequências da referida norma não foram mensuradas pelo governo, corroborando o entendimento de que as políticas públicas ainda são baseadas na tradição e na intuição e o governo espera que alterações nas legislações ou incentivos levem os cidadãos a adaptar racionalmente seu comportamento[238].
Entre as consequências da norma, verificou-se uma elevação do valor dos imóveis e afastamento das famílias de menor renda das sedes urbanas. A aquisição de imóveis de maior valor e mais afastados dos centros urbanos podem ser considerados vieses de julgamento, com resultados que violam a lógica econômica[239], no caso estudado o endividamento familiar para aquisição de imóvel supervalorizado, distante das sedes urbanas.
Isto posto, sob a ótica da AED a política pública é deficitária, pois os benefícios alcançados foram menores que os custos sociais observados[240] e o objetivo de reduzir o déficit habitacional não foi alcançado.
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PATERNALISMO: UMA IDEIA VIÁVEL?
PATERNALISM: A VIABLE IDEA?
André Studart Leitão*
Eduardo Rocha Dias**
Taís Vasconcelos Cidrão***
RESUMO: O problema do paternalismo, que começa com a falta de consenso sobre seu próprio significado, e sua aceitação no âmbito estatal pelos estudiosos do Direito (em âmbito nacional e internacional), tem gerado debates acerca da possibilidade de essa filosofia de gestão tolher a liberdade do ser humano em um sistema institucionalizado. O Estado pode (ou deve) tomar as decisões pelos cidadãos, inclusive aquelas que envolvem exclusivamente a esfera privada? Através de pesquisa eminentemente bibliográfica, propõe-se neste artigo que a atuação interventiva do Estado não seja pautada em modelos extremistas adeptos de visões excessivamente paternalistas ou deliberadamente libertárias. O melhor caminho é o do meio e consiste numa solução intermediária de intervenção equilibrada, tal como sugerido por Cass Sunstein e Richard Thaler, chamada “paternalismo libertário”. O Brasil, como um país tradicionalmente paternalista, sofre os reflexos dessa escolha de modus operandi, pois não prepara seus cidadãos para seguirem suas próprias escolhas, o que contribui sobremaneira para o fortalecimento da dominação e da dependência massificada.
Palvras-chave: Paternalismo. Nudge. Cass Sunstein.
ABSTRACT: The problem of paternalism, which begins with the lack of consensus on its own meaning and its acceptance at the state level by law scholars (nationally and internationally), has generated debates about the possibility of this managerial philosophy diminishing the freedom of the human being within a Institutionalized system. That is, the state can (or should) make decisions for citizens, even if these decisions also involve the private sphere of the individual? Through an eminently bibliographical research, it is proposed here that one should not necessarily use a paternalistic or libertarian view, but a middle term created by Cass Sunstein and Richard Thaler called "libertarian paternalism". Brazil, as a deliberately paternalistic country, suffers the reflexes of choosing this modus operandi, not preparing its citizens to make their own choices, thus contributing to a mass dependency.
Keywords: Paternalism. Nudge. Cass Sunstein.
Recebido: 12.06.2017
Aprovado: 15.07.2017
1 INTRODUÇÃO
O Estado brasileiro exige que as pessoas contribuam com impostos e, em troca, oferece políticas públicas deficientes que, na grande maioria das vezes, não se prestam para a consecução dos fins estatais. O Estado também impõe que motociclistas sejam obrigados a usar capacetes, e que motoristas de carros e caminhões utilizem o cinto de segurança. Ele também obriga os trabalhadores a contribuírem para a Previdência Social, forçando-os a ceder parte considerável dos seus salários para subsidiar um sistema previdenciário inseguro e de sustentabilidade questionável.
Esses exemplos de regras, políticas e ações podem ser citados por diferentes razões e justificados por várias considerações. Quando são justificadas apenas sob o argumento de que a pessoa afetada estaria em melhor situação ou menos prejudicada em consequência de determinada regra ou política, tem-se um exemplo de paternalismo. As diferentes manifestações de paternalismo surgem em muitas áreas da vida pessoal e da vida pública do indivíduo e, como tais, tornam-se um domínio da ética aplicada.
Isso leva à seguinte indagação: o Estado dispõe de poder legítimo para operar tanto coercitivamente como em termos de incentivos em vários aspectos da vida privada do indivíduo? Ou se deve criticar a atuação estatal em virtude do véu da autonomia do indivíduo? Como se deve pensar nessa autonomia e em seus limites?
Este artigo examina, através de pesquisa eminentemente bibliográfica e descritiva, alguns aspectos conceituais referentes à abordagem genérica do paternalismo e contrasta, sucintamente, com a visão libertária, especialmente a de Robert Nozick. Em sequência, discutem-se questões normativas relativas à saúde, e avaliam-se, também, a legitimidade e pertinência do paternalismo no Estado brasileiro, tornando a pesquisa pura, portanto, quanto aos resultados obtidos.
Do ponto de vista pragmático, utilizou-se o sistema de saúde brasileiro como referencial de estudo, por se tratar de uma das facetas mais importantes dos direitos sociais,como reflexo do pensamento paternalista pátrio, fazendo-se, ao final, uma crítica ao “Estado-babá” e ao modo como ele consegue desconstituir um cidadão independente.
2 PATERNALISMO: IMPLICAÇÕES E DESDOBRAMENTOS
Neste primeiro momento, é importante esclarecer alguns pressupostos teóricos básicos que serão utilizados durante o trabalho. O primeiro conceito, e o mais importante,é o de paternalismo, o qual,por sua vez,está intrinsecamente vinculado à concepção de liberdade. Isso se deve à convenção de limitar a esfera de liberdade individual para garantir outros valores fundamentais para o próprio indivíduo e também para os “outros sociais”. Mas o que vem a ser a liberdade?
Pode-se avaliá-la sob dois aspectos já muito difundidos no Direito: as liberdades negativas e as liberdades positivas. As primeiras dizem respeito à liberdade do cidadão em face de restrições e interferências externas. O Estado é visto, muitas vezes, como uma ameaça à liberdade, porquanto, através da lei e da força, ele estabelece limites ao campo da licitude. Sob esse viés, existem muitas formas de os indivíduos serem unfree, mesmo quando ausentes quaisquer obstáculos físicos.
A segunda modalidade de liberdade, de caráter positivo, possui correlação estreita com a concepção kantiana de filosofia moral, em especial com a ideia de autonomia particular. Essa teoria preconiza a ideia de que um agente somente é inteiramente autônomo se ele atuar de acordo com a sua própria razão, preferências, gostos e características, que fazem parte do seu ser autêntico, mas que não são impostos a ele. Não obstante, a liberdade positiva não envolve o direito de fazer o que quiser a qualquer momento. A autonomia, nesse caso, deve ser entendida juntamente com o ideal do imperativo, que obedece às restrições da moralidade. “Autonomia é, pois, o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional” (KANT, 2007, p. 79).
Nesse caso, qual é o papel do Estado? Pode (ou deve) ele cercear a liberdade individual ao mesmo tempo em que aprova leis que previnem terceiros de prejudicarem essa mesma liberdade individual? John Stuart Mill (1991, p. 14) justifica essa intervenção na liberdade através do princípio do dano (harmprinciple). O direito de governar as relações entre a sociedade e o indivíduo com o intuito de viabilizar a própria vida em sociedade (individual ou coletivamente), seja através da força física ou através de uma coerção moral, implica a autoproteção. Isso quer dizer quea autoproteção é condição suficiente e necessária para a interferência na liberdade de ação de qualquer um dos indivíduos.
Em outras palavras, a única justificativa legítima para a distorção da esfera da liberdade de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é evitar danos a outros.Mill ainda assevera que a proteção física e moral do próprio indivíduo não é garantia suficiente para interferir na esfera privada. Isso porque alguém não pode ser obrigado a fazer ou tolerar alguma coisa simplesmente porque, supostamente, será melhor para ele fazê-lo, ou até mesmo porque ele será mais feliz em decorrência dessa ação ou tolerância. (MILL, 1991, p. 14).
Muito embora essas razões sejam ótimas para persuadir ou até suplicar, não o são para obrigá-lo legitimamente. Para justificar a ação estatal se faz necessário, portanto, analisar uma determinada conduta calculada em função da produção de malefícios a outrem. “The only part of the conduct of any one, for which he is amenable to society, is that which concerns others. In the part which merely concerns himself, his independence is, of right, absolute” (MILL, 1991, p. 14).
John Stuart Mill, assim como Jeremy Bentham, concentram suas estratégias em aumentar o número de utilidades das pessoas. Se esse fosse o foco, e se se entendesse o termo utilidade de uma determinada maneira, poder-se-ia atrair uma concepção antipaternalista de Estado ou simplesmente libertária (alvo de sérios desafios empíricos).
Diferentemente de Mill, Aristides N. Hatzis, professor da Universidade de Atenas, entende a filosofia do paternalismo legal - “legal paternalism” - como a possibilidade de o Estado, quando necessário, legislar ações autorrelacionadas, para evitar que os indivíduos ocasionem danos físicos e emocionais severos a si mesmos (HATZIS, 2009, p. 212). Percebe-se, claramente, que esse conceito de paternalismo não converge com a ideia de Stuart Mill do princípio do dano, uma vez que permite que as liberdades individuais sejam restringidas tendo em vista a própria proteção do indivíduo ator (e não de outros).
É notória a complexidade do tema haja vista a discrepância entre as suas concepções filosóficas. Mas há um ponto comum: pessoas nascem em diferentes circunstâncias, algumas delas em situações de isolamento e/ou privações em termos de nutrição, abrigo, educação etc. Percebe-se que, pois, que o Estado, de fato, tem um papel normalizador importante no que diz respeito à cooperação com o seus nacionais para o desenvolvimento de suas capacidades para ações autônomas.
Como salienta Hatzis (2009, p. 212), o conceito de paternalismo legal não pode ser confundido com o moralismo jurídico. O moralismo é a possibilidade de uma lei poder legitimamente ser usada para proibir certos comportamentos que porventura conflitem com julgamentos morais coletivos da sociedade (ainda que esses comportamentos não causem danos psicológicos ou físicos a outros). Nesse sentido, a liberdade poderá ser restringida pelo poder coercitivo do Estado para impor a moralidade coletiva.
Podem-se extrair algumas considerações a partir dessa diferenciação. Enquanto no paternalismo o motivo é sempre altruísta, e seu objetivo primordial é evitar o dano, proibindo uma conduta, sob a suposição de que o indivíduo mudará de ideia e reconhecerá que a outra opção é a melhor para ele, o moralismo legal sempre desconsidera a autonomia individual, vedando determinado comportamento considerado coletivamente “imoral”. Dessa forma, o moralismo considera irrelevante qualquer dano ou benefício decorrente das ações.
É tentador trabalhar com a ideia de que o Estado age paternalisticamente quando substitui as escolhas das pessoas, fundamentando que essas escolhas não promoverão seu próprio bem-estar[241]. Mas, afinal de contas, o que é bem-estar? Segundo o modelo paternalista, o Estado, no final das contas, decide até mesmo o que é a própria felicidade, em que pese tratar-se de uma concepção deveras subjetiva. Há também uma distinção entre paternalismo-meio e paternalismo-fim. Ao agir paternalisticamente, o Estado pode, inclusive, aceitar os fins propostos pelas pessoas, mas conclui que suas escolhas não irão atingir aquele determinado fim. (SUNSTEIN, 2013, p. 22-30).
É fato que o ambiente social influencia as escolhas feitas pelos indivíduos (MIGUEL, 2015, p. 607-608), e que essa “arquitetura de escolha” é inevitável, já que não se consegue dissociar do ambiente (SUNSTEIN, 2013, p. 42). Partindo dessa premissa, quanto de autonomia realmente se tem? A liberdade de escolha é componente indispensável para o bem-estar. Portanto, quando se decide que o Estado está autorizado a fazer certas escolhas em nome dos indivíduos, deve-se levar em conta o efeito nocivo, no bem-estar, de interferir com essa liberdade.
Pensando de modo completamente antagônico aos paternalistas, estão libertaristas (ou libertarianistas), como os economistas Friedrich Von Hayek, Ludwing Von Mises e, mais recentemente, o filósofo norte-americano Robert Nozick. Essa filosofia suscita a ideia da expansão das liberdades individuais, sociais ou econômicas. Para tanto, atividades, antes providas e controladas pelo Estado, passariam a ser manipuladas pelo próprio mercado e pela livre concorrência. Hayek defende a criação de uma “spontaneousorder” (HAYEK, 1973, p. 41), ou seja, de regras de conduta que surgem de forma espontânea tornando, ele, um defensor de um Estado bastante limitado.
John Locke é considerado como o grande defensor da tradição individualista dos direitos; sua influência sobre os escritos de Robert Nozick é evidente. Contudo, tais autores se contrapõem em um ponto em específico: a questão do Estado. Enquanto Locke descreve um estado de natureza, Nozick defende o Estado guarda-noturno (minimalState), responsável exclusivamente pelas funções de proteção contra a força, fraude, roubo e fiscalização de contratos. Nozick defende um modelo de estado no qual as pessoas, com o intuito de repelir futuras agressões, aliam-se (por conveniência) e constituem “associações de proteção mútua” (NOZICK, 1991, p. 27). Trata-se das primeiras dinâmicas sociais que resultaram na criação do Estado (NOZICK, 1991, p. 27-41).
Nozick (2011, p. 41) afirma que as restrições de ordem moral não devem prevalecer, isso porque não há superioridade de certas vidas sobre outras de forma que isso possa resultar em um bem social geral maior. O sacrifício em favor dos outros não consegue se justificar porque existem indivíduos diferentes e que, portanto, nenhum deles deve se sacrificar pelos outros. Esse tipo de filosofia se ocupa de determinadas restrições indiretas específicas, que expressam a própria inviolabilidade dos outros, sem, contudo, restringir a autonomia pessoal do agente. Essas restrições seriam, nesse caso, mínimas, mas eficazes para preservar o Estado. Teorias que ressaltam a importância da maximização do estado final resultaria em uma injunção como “minimize o uso, dessa ou daquela maneira, das pessoas como meios”, diferentemente é uma teoria menos invasiva da liberdade individual, que resultaria em: “Não use as pessoas de tal ou tal maneira” (NOZICK, 2011, p. 39). “As restrições indiretas à ação refletem o princípio kantiano implícito de que os indivíduos são fins e não simplesmente meios [...]. Os indivíduos são invioláveis” (NOZICK, 2011, p. 37).
A teoria de Nozick, portanto, advoga a ideia de que qualquer Estado mais abrangente que o estado mínimo violaria direitos de as pessoas não serem obrigadas a fazer (ou deixar de fazer) certas coisas em nome do bem geral. Dessa forma, as formas coercitivas para se alcançar objetivos são excluídas, permanecendo somente as voluntárias.
A breve consideração acerca do libertarismo ajuda a contrastar com a visão paternalista. A análise dicotômica sobre os modelos de Estado e a falta de consenso sobre qual modelo representaria melhor as diferentes nações dificultam as estratégias governamentais. A ausência de unanimidade nesse sentido deve-se, em grande parte, a dois fatores: 1º) o pluralismo de ideias existentes nas sociedades contemporâneas onde cada indivíduo dispõe de sua própria capacidade para conjecturar o que é melhor para si; 2º) a velocidade das transformações sociais. Com efeito, além das mudanças decorrentes da própria dinâmica interna dos grupos (novos arranjos sociais), ao longo da história, ocorreram fatores exógenos, como a industrialização, as guerras e a revolução tecnológica, que precipitaram sobremaneira a trajetória evolutiva das relações humanas. No cenário contemporâneo, definitivamente, a sociedade produz e consome o próprio risco, conforme a conhecida fórmula “sociedade de risco”, de Ulrich Beck (LEITÃO; DIAS; DA SILVA, p. 48 e 54).
Portanto, infere-seque a liberdade (positiva), segundo a doutrina paternalista, apresenta-se como justificativa para a intervenção e regulação do Estado. A próxima questão a ser discutida perpassa pela extensão da intervenção dentro do sistema socioeconômico.
3 O PATERNALISMO LIBERTÁRIO DE CASS SUNSTEIN E RICHARD THALER
Cass Sunstein(2013)baseiam-se em uma divisão clássica entre paternalismo “soft” e “hard”. Paternalismo soft (ou suave) traduz a ideia de que o Estado deve proibir o que um indivíduo não teria feito se antevisse as consequências de sua ação. Por outro lado, o paternalismo hard (ou duro) preconiza que o Estado deve proibir o que é ruim para o indivíduo, mesmo que ele não mudasse de ideia depois do ato (HATZIS, 2009, p. 212).
Em seu artigo “Libertarian paternalism is nota noxymoron” publicado em 2003, Sunstein e Thaler consolidaram o termo libertarian paternalism (paternalismo libertário). Apesar de uma terminologia, a priori, contraditória, os autores modelam uma argumentação que desestabiliza a sabedoria convencional. Claro que, para tanto, é preciso trabalhar com generalizações dos dois modelos apresentados.
A ideia, em princípio, é formalizar um paternalismo, libertário em espírito, que se mostre palatável mesmo para aqueles que estão firmemente comprometidos com a liberdade de escolha dos indivíduos, seja por razões de preservação da autonomia ou de bem-estar.
Em verdade, o paternalismo libertário nada mais é do que um tipo de paternalismo fraco (soft) e não intrusivo, na medida em que as escolhas individuais, em nenhum momento, são bloqueadas ou vedadas. Para alcançar esse objetivo, a forma mais cautelosa consiste em impor custos triviais àqueles que porventura se afastem do modelo sugerido pelo planejador. Segundo os autores, essa teoria não é considerada a menos paternalista, já que os planejadores (ambos públicos e privados) “are nottryingto track people’santicipatedchoices, but are self-consciouslyattemptingto move people in directions that will promote their welfare” (SUNSTEIN; THALER, 2003, p. 4).
Um dos objetivos da teoria é o antipaternalismo dogmático sustentado por vários juristas e economistas mundo afora. O dogmatismo, nesse caso, é criticado por se basear em uma falsa presunção entre dois conceitos. A verdade em que se baseia o argumento de Sunstein e Thaler é a de que o paternalismo não deve ser considerado um termo pejorativo, mas simplesmente descritivo (SUNSTEIN; THALER, 2003, p. 7).
Tal perspectiva é compatível com descobertas recentes da ciência, em especial da genética, da neurologia e da teoria da evolução. Sobre o tema, Yuval Noah Harari pontua que “Free will exists only in the imaginary stories we humans have invented” (HARARI, 2015, p. 283). A análise do cérebro quando alguém toma uma decisão, por meio de equipamentos de tomografia, mostra que os processos eletroquímicos que levam a um determinado resultado são decorrentes do acaso ou do determinismo, mas nunca são livres. Isso leva à possibilidade de que eletrodos implantados em determinados pontos do cérebro acarretem mudanças na forma de escolha levando mesmo à manipulação. O autor refere experimentos efetuados pelas forças armadas norte-americanas com um capacete que utiliza estimulação transcraniana direta com o propósito de melhorar o desempenho de soldados tanto em treinamento quanto em combate, aumentando suas habilidades cognitivas (HARARI, 2015, p. 288). Apesar das óbvias restrições éticas, a manipulação de seres humanos com o intuito de eliminar depressão, medo e ansiedade, por exemplo, não é mais uma ficção. A teoria de evolução também contribui para minar a crença liberal do livre arbítrio, pois a sobrevivência daqueles membros da espécie humana que tomaram decisões acertadas no passado (quanto à escolha do locar de moradia, de parceiros para reprodução ou de alimentos) levaram a que seus genes fossem transferidos às gerações futuras. Um indivíduo que “livremente” escolhesse comer uma fruta venenosa ou acasalar com um parceiro menos apto ou morreria ou não geraria descendentes.
O acúmulo de informações nas sociedades contemporâneas torna muitas vezes impossível a ponderação adequada e a tomada de uma decisão consciente e livre, a qual acaba influenciada por arquiteturas de escolha desenvolvidas por outras pessoas e organizações.
Uma vez que se entenda que certas decisões organizacionais são inevitáveis, alguma medida de paternalismo não pode ser evitada. Por essa razão, algumas alternativas oferecidas ao sistema paternalista não são tão atraentes. Transfigura então a antiga questão sobre “whether to be paternalistic or not, and turn to the more constructive question of how to choose among the possible choice-influencing options” (SUNSTEIN; THALER, 2003, p. 8).
Há quem discorde da teoria adotando uma posição inteiramente paternalista (REBONATO, 2014) ou libertária, como Gregory Mitchell (2005, p. 40), ao enquadrar o paternalismo libertário não como um “libertar” dos indivíduos, mas como capitalização das tendências irracionais para mover os cidadãos na direção que o planejador considera melhor. “Sunstein and Thaler framing their argument to take advantage of the cognitive limitations of the libertarian to lead him to believe that libertarian paternalism really is good for him” (MITCHELL, 2005, p. 42).
A (grande) questão consiste em saber se o planejador deve ir além do “inevitável” e, ainda assim, conservar-se libertário. Os autores apresentam (SUNSTEIN; THALER, 2003, p. 25) uma preocupação genuína acerca da saúde: sabe-se que muitas pessoas enfrentam problemas de autocontrole, e esses problemas levam a problemas reais de saúde, grandes e/ou pequenos. Uma vez que os custos do autocontrole foram incorporados na análise, percebe-se que alguns “consumidores” preferiram o arranjo sugerido pelo planejador, ajudando a resolver problemas de racionalidade e autocontrole limitados. Não se trata de adivinhar o que as pessoas escolheriam ex ante, mas permitir que essas pessoas se aproximem das direções postas pelos planejadores.
Sunstein (2013, p. 3) alega que economistas comportamentais já enfatizaram que dentro de contextos importantes as pessoas erram, por serem míopes e/ou impulsivas, dando peso indevido para o curto prazo (seja fumando, mandando mensagens de texto enquanto dirigem etc.). Desse modo, características importantes de um produto ou de uma atividade podem carecer de relevância nessas situações. Pessoas podem ignorá-las possivelmente para seu prazer a curto prazo e também em seu detrimento. “They can be unrealistically optimistic and for that reason make unfortunate and even dangerous choices” (SUNSTEIN, 2013, p. 4)
A verdade é que a sociedade, o mercado e o próprio Estado, enquanto criações artificiais humanas, são absolutamente falíveis. Por isso, existem boas razões para justificar respostas regulatórias, ainda que nenhum prejuízo efetivo tenha sido causado a terceiros (chame-se isso de contrato social). As dificuldades associadas ao autocontrole são especialmente problemáticas quando o resultado é um pequeno ganho a curto prazo à custa de uma enorme perda a longo prazo. Existe, então, uma estreita ligação entre a “miopia”, entendida como o foco excessivo no curto prazo, e as consequências de um autocontrole limitado.
Os enigmáticos erros nos julgamentos e do autocontrole que conspurcam o “eu” futuro são chamados por alguns economistas comportamentais de problemas de internalidades. Evidentemente, abordagens estatais regulatórias ajudariam a diminuir os problemas de internalidades. Seria, por exemplo, o caso de um modelo paternalista libertário que, apesar de ordenara divulgação de avisos em embalagens de cigarros para promoção do autocontrole, permite sua respectiva comercialização. Será que deveria?
O Superior Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional pátrio competente para uniformizar o direito infraconstitucional, já enfrentou o assunto nos autos do Resp. 1199000 RJ 2010/0112513-9. Ao negar provimento ao recurso especial, decidiu que o objetivo das restrições à propaganda de produtos fumígeros é essencialmente proteger as gerações presentes e futuras das consequências devastadoras provocadas pelo consumo e/ou pela exposição à fumaça do tabaco “a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco” (BRASIL, 2011, online), verbis:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁCTICA ENTRE OS ACÓRDÃOS RECORRIDO E PARADIGMAS. OMISSÃO ECONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. RESTRIÇÃO À PROPAGANDA DE TABACO. TUTELAANTECIPADA. REVOGAÇÃO. LEGALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Inexiste divergência jurisprudencial entre acórdãos que se ressentem de similitude fáctica, por excluído o dissídio de teses jurídicas. 2. A circunstância das imagens, nos maços de cigarros, se revelarem impactantes, fortes, repulsivas, provocadoras de aversão, em nada ofende a Constituição e a Lei, fortes, quanto à matéria, no dever de alertar e advertir a população consumidora ou só potencialmente consumidora de tabaco quanto aos seus malefícios, e de apresentar mecanismos de defesa da população contra a propaganda e o incentivo do e ao fumo. 3. Recurso especial improvido.
Na verdade, o próprio mercado talvez funcionasse como um agente regulador invisível, caso inovasse em estratégias de antecipação para atender às demandas mercadológicas. É bastante plausível o pensamento de que a diminuição dos defeitos das internalidades pelo mercado provoquem ganhos de bem-estar (SUNSTEIN, 2013, p. 15). Nesse caso, estar-se-ia adotando uma posição libertária.
A acepção paternalista defendida por Sunstein e Thaler apresenta abordagens flexíveis que têm a vantagem de manter a liberdade de escolha e respeitar a heterogeneidade, que é especialmente importante quando se poderão fato de que pessoas podem trocar o presente pelo futuro de várias maneiras e incontáveis vezes.
Muitas pessoas têm plena convicção de que elas são menos suscetíveis a infortúnios, desde acidentes de carro a consequências adversas à saúde. Um estudo feito por Paul Slovic (1998) descobriu que, muito embora fumantes, ainda que estejam cientes e acreditem em dados estatísticos acerca da população fumante, eles ainda confiam que seu risco pessoal é menor que a média. É o “otimismo irrealista” (SUNSTEIN, 2013, p. 19).
As pessoas querem escolher por si mesmas. Quando o Estado impõe-lhes o dever de contribuir para a previdência, de usar o cinto de segurança e de não utilizar o telefone celular enquanto dirigem, isso pode tornar as pessoas menos felizes, frustradas e irritadas pelo simples fato de que isso resulta na eliminação de escolhas. Ou seja, a perda de bem-estar imediato (a curto prazo), consequência da eliminação de escolhas, pode ser grande e deve ser levada em consideração.
4 POR QUE NUDGES SÃO INTERESSANTES?
Para o paternalismo libertário, a indução sem a supressão das opções de escolha acontece por meio de sutis “nudges” (em uma tradução mais livre, um “empurrãozinho”), direcionando o indivíduo para as melhores decisões (segundo o Estado). É por esse motivo que paternalistas têm conferido ao Estado o epíteto de “Estado-babá” (CABRAL, 2016, p. 10), traduzindo a ideia de que os indivíduos são incapazes. Nesse caso, poder-se-ia considerar o Estado, não como uma babá, mas tão somente como uma mão amiga?
Nudge também pode ser considerado como a atividade paternalista libertária do arquiteto da decisão. É uma intervenção sutil logicamente situada entre o paternalismo hard e o libertário. Para ser um nudge, a intervenção precisa ser simples e fácil de se evitar, afinal de contas, nudges não são ordens (SUNSTEIN, 2008, p. 6).
Para efeitos de alteração substancial no comportamento individual, a criação de nudges dependerá da criatividade do planejador quando da instituição de políticas públicas. Conforme já salientado, um bom exemplo de nudge consiste na impressão de fotos que alertam para as consequências do uso irrestrito do cigarro, sem qualquer interferência ou limitação quanto à comercialização do produto.
Indaga-se, entretanto, se o próprio nudge não configura uma manifestação paternalista. Vale dizer, essa influência, de alguma forma, tolhe a autonomia e a autodeterminação individual (e consequentemente a própria liberdade), por criar uma propensão ao indivíduo de agir de determinada maneira? Afinal, conquanto não se sintam dessa forma, as pessoas não estariam totalmente livres para fazer suas escolhas.
Um caso simples: um fumante, ao se deparar com um maço de cigarros posto à venda, resolve desistir da ação depois de visualizar as imagens no verso da embalagem, não obstante o desejo de fumar um cigarro naquela hora. Ora, o nudge foi o responsável pelo ressentimento, causando uma restrição da liberdade negativa do indivíduo. Pode o nudge ser considerado uma forma de manipulação? “Because it violatesdignity? Because it violates autonomy? Because it violates a conception of liberty?” (DWORKIN, 2017, online).Através do nudge, estar-se-ia influenciando o próprio processo cognitivo das pessoas?
Para paternalistas, o que impede as pessoas de fazerem boas decisões é uma falha cognitiva do indivíduo, deficiência que demanda uma intervenção externa. No exemplo citado, tentou-se superar essa limitação através da utilização de imagens fortes, sem prejuízo de outras medidas alternativas que poderiam ser tomadas em seu lugar.
Cass Sunstein e Richard Thaler (2003, p. 5; 2008, p. 10) defendem a posição de que não é possível não afetar as escolhas das pessoas. Ou seja, não há como tomar uma decisão sem ser influenciado pela arquitetura da decisão do meio social. É, portanto, necessário um quantum de paternalismo (SUNSTEIN; THALER, 2003, p. 7).
À vista disso, devem as pessoas ser protegidas de si mesmas? Nesses moldes, existe o problema do conhecimento. Segundo esse argumento, os indivíduos, e somente eles, possuem o melhor arcabouço de impressões e condições para tomarem suas próprias decisões. Contudo, esse cenário pode ser uma faca de dois gumes. Ter um grande número de opções, apesar de atraente, pode ser um encargo imenso, na medida em que existe, no processo de escolha, um esgotamento razoável de energia (CABRAL, 2016, p. 10).
5 BRASIL: PATERNALISTA DEMAIS PARA SER VERDADE?
Um país como o Brasil, considerado paternalista quando comparado com os Estados Unidos, tem, ao longo de sua história constitucional, aprovado medidas consideradas civilizatórias, vistas, pela grande maioria da população, como verdadeiras conquistas no âmbito dos direitos sociais.
A infeliz verdade que está por trás desse espetáculo de provisões constitucionais impensadas e até imprudentes pressupõe a inaptidão atávica dos brasileiros para tomar boas decisões. Fala-se em cidadãos que, v.g, não têm condições de manter uma poupança ou de realizar o próprio planejamento financeiro. Por esse motivo, o Estado ampara e assume a responsabilidade.
Mas o suporte oferecido pelo Estado sempre é consequência das más escolhas feitas pela população? Ou, em determinadas situações, ele também pode ser a causa? Para melhor reflexão, vale a pena mencionar o disposto no art. 101 da Lei 8.213/91:
Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.
Está bem claro que a manutenção do benefício previdenciário por incapacidade encontra-se completamente desvinculada da realização de procedimento cirúrgico, ainda que ele seja capaz de restabelecer plenamente a capacidade laborativa do indivíduo. Ou seja, a depender do caso concreto, o segurado tem o direito de receber indefinidamente o benefício previdenciário, mesmo quando a incapacidade possa ser revertida através de intervenção cirúrgica simples.
Esse é apenas um dentre outros tantos tratamentos privilegiados que “mimam” o cidadão, mal-acostumadoa querer sempre mais do Estado, o qual, muitas vezes, não consegue prover o que promete. Como consequências de promessas vazias do Estado legiferante e executor estão a judicialização da política e o ativismo judicial. Infelizmente, no Brasil, problemas são resolvidos através de outros problemas, e não através de soluções.
Diante do exposto, questiona-se o modelo universal da saúde constante do artigo 196 da Constituição Federal de 1988, verbis:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (grifo nosso).
Será que o Estado deveria prestar-se ao papel de provedor universal/Estado-mãe (seja espontaneamente através de políticas públicas ou forçosamente por decisão judicial), como é hoje? O pensamento paternalistatem contaminado gerações e gerações, que são induzidas a sempre espera rmais do Estado. Em última instância, cria a relação de dependência e de dominação. Quer-se dizer: assim como um pai cria o filho, o Estado precisa, em algum momento, se conscientizar de que o filho precisa fazer suas próprias escolhas e arcar com as consequências.
CONCLUSÃO
Sem chegar a um consenso sobre o conceito de paternalismo e muito menos sobre qual seria a sua medida ideal, percebe-se que a divergência na doutrina tem justificado atuações estatais de ambos os lados. A oposição entre aumento de bem-estar e preservação da liberdade individual, aparentemente irreconciliáveis, hoje, não é mais capaz de lidar com os desdobramentos do tema.
Antes, só se pensava dicotomicamente entre paternalismo e libertarismo, até que Cass Sunstein e Richard Thaler cunharam a expressão paternalismo libertário, até hoje muito criticado pela doutrina, mas que alude a uma alternativa que compreende as falhas comportamentais do mercado, a promessa de arquitetura de escolha e os nudges. Simboliza uma verdadeira oportunidade para aprimorar o bem-estar sem, entretanto, oprimir as liberdades.
Em virtude do que foi mencionado acerca da saúde no Brasil, percebe-se uma mentalidade intrínseca que se estende para o paternalismo. Essa visão, por vezes imatura, de fato trata o cidadão como um dependente incapaz frente ao Estado, o que acaba por prejudicar o próprio desenvolvimento do país.
REFERÊNCIAS
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BRASIL, 3ª Turma recursal dos juizados especiais federais de Pernambuco. Processo nº 0502848-55.2016.4.05.8312, Juiz Federal Relator: Joaquim Lustosa Filho, Data do julgamento: 10 Fev. 2017, Recife, PE.
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PENSAMENTO ECONÔMICO HETERODOXO E A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO: CONTRIBUIÇÕES PARA VALORIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
HETERODOX ECONOMIC THINKING AND THE PROBLEM OF DEVELOPMENT: CONTRIBUTIONS TO THE APPRECIATION OF FUNDAMENTAL RIGHTS
Matheus Fernando de Arruda e Silva*
Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis**
RESUMO:O presente artigo faz uma abordagem exploratóriadainfluência do pensamento econômico heterodoxo e sua preocupação com o desenvolvimento no Brasil e demais países latino-americanos, relacionando-o a valorização de direitos fundamentais. Para tanto, foi abordado a contribuição da CEPAL, da teoria da dependência e da teoria do capitalismo tardio. Nosso principal intuito é contribuir no fomento da ciência jurídica em âmbito acadêmico por meio de diálogo transdisciplinar especialmente entre o Direito e a Economia. A metodologia utilizada foi a dialética em vertente jurídico-sociológica.
Palavras-chave:América Latina. Desenvolvimento. Direitos Fundamentais.
ABSTRACT:The present article makes an exploratory approachof the influence of the heterodox economic thinking and its concern with development in Brazil and other Latin American countries, relating it to the appreciation of fundamental rights. To that end, we discussed the ECLAC contribution, the theory of dependence and the theory of late capitalism. Our main objective is to contribute to the promotion of legal science in the academic sphere trough transdisciplinary dialogue, especially between Law and Economics.The methodology used was the dialectic in juridical-sociological aspect.
Keywords: Latin America. Development. Fundamental Rights.
Recebido: 14.05.2017
Aprovado: 11.06.2017
1 INTRODUÇÃO
Em economia podemos afirmar que existem duas principais vertentes, quais sejam a ortodoxa e a heterodoxa. A primeira representa o mainstream, e possui inspiração originariamenteinspirada nos autores clássicos liberais como Smith, Ricardo, Malthus, James Mill, McCulloch, Senir e John Stuart Mill (SILVA; MISAILIDIS, 2016, p. 139), e que posteriormente se desenvolve durante os anos 60 do século XX a partir das concepções de Muth, Phelps e Friedman, os quais dariam ensejo aos ideais neoliberais (SILVA; MISAILIDIS, 2016, p. 140).No Brasil, dentre os economistas de vertente ortodoxa, é possível mencionar Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões, Dênio Nogueira e Daniel Carvalho (SILVA, 2010, p. 8).
A vertente ortodoxa“se materializa na política de metas de inflação fundada no equilíbrio das ‘taxas naturais’ de emprego e produto, o que impede a intervenção pública sob o risco de quebrar a ‘credibilidade’ que compõe a natureza psicológica dos agentes” (SAWAYA, 2015, p. 108), de modo que “interferir nos mercados deixaria os agentes (trabalhadores, empresários e consumidores) confusos, sem saber se a variação nos preços é inflação ou sinal para ajustes necessários entre oferta e demanda” (SAWAYA, 2015, p. 110).
Ademais, menciona Silva (2010, p. 8) que:
A corrente ortodoxa neoliberal sintetiza uma vasta convergência de concepção, tanto no tocante ao axioma básico da eficiência dos instrumentos equilibradores do mercado e prioridade na estabilização da economia com equilíbrio das contas públicas, quanto à perseguição do crescimento econômico com alguma intervenção estatal saneadora de imperfeições de mercado.
Já a segunda possui originariamente influência das escolas marxistas, keynesiana, pós-keynesiana, dentre outras, e compreende autores como Karl Marx, John Maynard Keynes, dentre outros (SILVA; MISAILIDIS, 2016, p. 139-140). No Brasil, em especial, é notório a influência sobre a Escola de Campinas, em especial a Unicamp, e aqui podemos citar, em especial, João Manoel Cardoso de Mello, autor da teoria do capitalismo tardio, a qual abordaremos nesse trabalho.
Ao se compreender as escolas econômicas e suas formas de pensar, estamos compreendendo, em última análise, as motivações que norteiam as tomadas de decisão dos policymakers[242].
O debate sobre o pensamento econômico e o direito veio novamente a tona em decorrência do processo de impeachment da presidente democraticamente eleita Dilma Rousseff, cujo sucessor a título de presidente interino, Michel Temer, passou a adotar junto da nova equipe econômica medidas de caráter neoliberal, alinhados ao pensamento econômico ortodoxo.
O impeachment teve como principal objeto crime de responsabilidade fiscal. Esse crime, conforme entenderam o Legislativo, foi motivado pela emissão de créditos suplementares sem consulta prévia a ele, e também por atrasos de repasses a bancos públicos e para o FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (CUNHA, 2016). Tais medidas constituíram as denominadas pedaladas fiscais, e teriam como propósito equilibrar as contas públicas e permitir os gastos do governo, em especial os de caráter social, como os programas Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, subsídios para juros das operações do Plano Safra, etc (CUNHA, 2016).
Por outras palavras, a motivação do impeachment foi de caráter financeiro, sob a alegação de que o Estado gastou demais e que, por conta disso, não era capaz de pagar seus próprios gastos. Esse tipo de discurso é típico dos defensores do posicionamento neoliberal, mainstream, de viés econômico ortodoxo, que aplica formulações de caráter microeconômico em âmbito macro. Nesse sentido, a presidente eleita representa, conforme aqueles que se posicionam em prol das reformas de natureza neoliberal, um modelo que levou o país à uma severa crise financeira. Aponta Sawaya que para os defensores da vertente ortodoxa “os gastos públicos ‘excessivos’ (sociais) teriam subvertido a ‘boa teoria’ fundada nas ‘leis da natureza’ e assim retirado o ‘mercado de trabalho’ de seu ‘equilíbrio natural’ e o crescimento do PIB de seu ‘potencial’” (SAWAYA, 2015, p. 106). Com isso “o foco do momento passou a ser criticar a Constituição de 1988 que teria ampliado em demasia os direitos sociais em relação à capacidade de gasto do Estado. O objetivo é gerar superávits primários para pagar juros elevados e não gastos sociais” (SAWAYA, 2015, p. 108). E qual seria a solução para os defensores de tal vertente? O saneamento das contas públicas. E como isso seria feito? Cortando os gastos tidos como desnecessários e estabelecendo um teto para os gastos públicos, o que, infelizmente, foi estabelecido por meio da Emenda à Constituição 95/2016que deverá estar sob vigência no ordenamento jurídico brasileiro por 20 anos.
Ademais, percebe-se que o governo do Presidente Michel Temer vem tentado promover a adoção de outras políticas de caráter neoliberal, a exemplo das reformas trabalhistas e da previdência, as quais fragilizam direitos fundamentais. A da previdência, em especial, segundo o atual Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é fundamental por abocanhar mais de 40% dos gastos públicos (CUNHA, 2016). Por outras palavras, a solução que o Estado deve tomar, conforme apontam os defensores do ideário neoliberal, é suprimir direitos fundamentais. Em especial no caso da previdência, chega a ser perverso estipular ao trabalhador, em especial àqueles que dependem exclusivamente da previdência pública e não possuem nenhuma outra forma de auferir renda, trabalhar até os 65 anos de idade[243], porém aos 65 não estariam garantidos o texto máximo da aposentadoria.
Temos então um embate. De um lado os direitos fundamentais, os quais necessitam de uma prestação por parte do Estado, o que ocorre mediante gastos públicos. E do outro, está a real capacidade financeira do Estado em conseguir prover esses direitos. Assim, nos parece lógico afirmar que quanto maior a prestação desses direitos por parte do Estado maior deva ser sua capacidade de financiamento. E o que o Estado deve fazer para conseguir aumentar sua capacidade de financiamento? Ele deve crescer, auferindo níveis cada vez maiores, afim de com isso conseguir realizar a devida prestação dos direitos fundamentais. Ao crescer e conseguir prestar tais direitos, o que o Estado está fazendo é promover o desenvolvimento.
Mas, o que é desenvolvimento? Lyra e França apontam que “o termo desenvolvimento apresenta um abstratismo em seu significado, de critérios analíticos extremamente subjetivos” (LYRA; FRANÇA, 2011, p. 2) e que por isso, como norte, é “necessária uma interdisciplinaridade, eis que o termo pode ser estudado pela Economia, Sociologia, História, Direito, entre outros” (LYRA, FRANÇA, 2011, p. 2) sendo que, em virtude da relação estabelecida entre Economia e Direito, “o termo desenvolvimento sempre esteve atrelado ao crescimento econômico, ao progresso capitalista” (LYRA; FRANÇA, 2011, p. 2), embora, nos dias atuais, como bem apontam os autores, “não se pode fechar os olhos para as questões sociais, tais como a saúde, a educação, o saneamento básico. Enfim, não se pode ignorar o desenvolvimento como uma melhoria nas condições de vida das pessoas” (LYRA; FRANÇA, 2011, p. 2). Os direitos fundamentais visam justamente garantir melhorias nas condições de vida das pessoas, logo, garantir o desenvolvimento, passar a atuar enquanto espécie de sinônimo de prestação de direitos fundamentais por parte do Estado. Menciona-se ainda, para fins reflexivos, a concepção de justiça de John Rawls, segundo o qual “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais” (RAWLS, 2000, p. 3) e, como tal, “leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas” (RAWLS, 2000, p. 4). A devida prestação dos direitos fundamentais, se torna, portanto, medida de justiça. Ocorre que o que foi abolido não foi um governo injusto pelo contrário, justamente por ser dotado de um viés desenvolvimentista é o que o mesmo se tornava justo.
Não concordamos com a lógica perversa que vem sendo adotada por um governo de legitimidade questionável, e como tal, nesse trabalho, pretendemos abordar a influência do pensamento econômico heterodoxo e sua preocupação com o desenvolvimento no Brasil e demais países latino-americanos, relacionando-o a valorização de direitos fundamentais.
Nosso principal intuito é contribuir com o fomento da ciência jurídica em âmbito acadêmico por meio de diálogo transdisciplinar especialmente entre o Direito e a Economia[244]. Para tanto, utilizamos a metodologia dialética em vertente jurídico-sociológica (GUSTIN; DIAS, 2002, p. 42 e ss). A pesquisa realizada foi de caráter bibliográfico, se valendo entre as principais fontes utilizadas de artigos e livros sobre a temática.
De modo a se atingir o objetivo proposto, este trabalho está dividido em três seções principais. Na primeira traçamos breves considerações sobre transformações relacionadas ao desenvolvimento na América Latina. Já na segunda realizamos uma abordagem de caráter teórico buscando descrever, especialmente por viés econômico, a influência do pensamento econômico heterodoxo na América Latina com ênfase especial no Brasil. Dentre os temas abordados incluem-se a influência da CEPAL e teorias econômicas que dela se inspiraram: teoria da dependência e teoria do capitalismo tardio. Por fim, na terceira buscamos estabelecer a relação desse pensamento com o direito, fundamentando o porquê de o pensamento econômico desenvolvimentista valorizar os direitos fundamentais.
2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE TRANSFORMAÇÕES RELACIONADAS AO DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA
A partir do Século XIX, com a ruptura do pacto colonial, as novas elites políticas da antiga América Espanhola optaram por impor a seus povos os modelos de organização europeia e estadunidense (MAYER,1987,p.17). Assim, a visão histórica da América Latina pode ser considerada como a história da ocidentalização. São imensas as influências que europeus e norte-americanos exerceram, bem como ainda exercem, dado o processo de reprodução cultural na vida dos latino-americanos, redefinindo ou anulando a herança indígena e a africana e também a ibero-americana. Desta forma, a urbanização e a industrialização em quase todos os países da região se organizaramem torno dos centros produtivos, dos portos, das linhas de ferro e de alguns serviços públicos tais como, saúde e educação. Entretanto, junto ao desenvolvimento da estrutura produtiva se experimenta a dominação das oligarquias agrárias e das emergentes elitesindustriais. Da mesma forma, a urbanização e a imigração contribuíram para a transformação da estrutura ocupacional que perde progressivamente seu foco no setor agrário e se diversifica para mineração, a manufatura, a construção e serviços.
Não obstante, a crisedo Estado oligárquico outorga o acesso de novos grupos sociais à estrutura do poder e em particular às classes médias. E, nas lutas de deslocar à oligarquia, buscaram alianças com os movimentos sindicais nascentes a fim de obter mudanças eleitorais. Tais alianças permitiram modificar o equilíbrio de forças políticas e assentar as bases do que mais tarde se transformou no denominado Estado Populista (ZAPATA,1993,p.11).
Ademais, cabe salientar que, além dos fatores mencionados, as grandes mudanças na estrutura econômica de determinados países latino-americanos, como Argentina, Brasil, Chile eMéxico, os quais atingiram maior nível econômico no final do Século XIX e princípios do XX, se configurou pelo ingresso do capital estrangeiro na economia de exportação de zinco, estanho, algodão, petróleo, carne, trigo, açúcar e café. Segundo Francisco Zapata, a característica central desse período foi a existência de um setor exportador centrado na agricultura das fazendas e no mercado interno (ZAPATA, 1993,p.12). A fim de escoar esses produtos se constroem redes de transporte, como ferrovias, portos, e além disso foram criados serviços financeiros, bancários e comerciais para administração das relações econômicas que se estabelecem no âmbito do mercado internacional. Porém, essas novas estruturas contribuíram para o surgimento de uma sociedade em que a economia pertencente as oligarquiasrurais vão perdendo poder e o que ocorre na vida urbana passa a ser determinante na vida política e econômica dos anos 30 do Século XX.
Segundo Celso Furtado, o adventoda crise de 1929 e a progressiva recessão acabam com os mecanismos de defesa da economia colonial, o que promove as exportações da atividade das indústrias(FURTADO,1985,p.69).O autor ainda afirma que nesse período o Brasil não só encerrou seu ciclo colonial, como também se preparou para introduzir novas metodologias nas importações e exportações (relações de trocas), as quais, por sua vez, seriam adotadas nos estudos da CEPAL – Comissão Espacial para a América Latina e Caribe (FURTADO, 1985,p.70).Essaindustrialização constituiu o que mais tarde se denominariao desenvolvimento impulsionado pelas substituições das importações.
Devemos ainda ter em vista que a economia dos países da América Latina durante o século XX foi essencialmente cíclica, caracterizando-se por ondas de expansão seguidas de ondas de depressão, acompanhando necessariamente os ciclos da economia internacional devido a sua dependência com os países desenvolvidos. Nesse sentido, a expansãodecorre da Primeira Guerra Mundial e acaba com a crise de 1929, e prossegue com a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Coreia até o fim da década de cinquenta. Inobstante, a própria “década perdida”, como ficou popularmente conhecida no Brasil a década de 80, devido a situação de crise econômica que durou por toda a década e que só foi se amenizar pós advento do Plano Real em 1994, foi altamente prejudicada devido à subordinação e dependência com os mercados estrangeiros.
3 INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO HETERODOXO NO BRASIL E AMÉRICA LATINA SOBRE A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO
No século XX, especialmente desde o primeiro governo Vargas, é possível observar que as políticas econômicas brasileiras se nortearam à questão da industrialização como meio de se atingir o desenvolvimento. A política de Vargas visava deixar para trás, ou ao menos tentar minimizar, o legado colonial exportador de matéria-prima, para se inserir no sistema internacional enquanto um país de centro industrializado e desenvolvido.
A crise de 29, símbolo do fracasso da acumulação do capital e da veneração à “mão-invisível” do ideário liberal, foi um marco na história do pensamento econômico. O modelo de acumulação sem limites foi posto em xeque pela primeira vez na história. O fenômeno conhecido como “A Grande Depressão”, ocorrida anos 30 como reflexo direto do crash[245] da bolsa de Nova Iorque, e a preocupação para que uma outra crise violenta como essa não viesse mais a ocorrer, foi uma das motivações de sir John Maynard Keynes para escrever a sua “Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda” (KEYNES, 1992).
A primeira Grande Guerra[246] (1914-1918), especialmente no que concerne a Alemanha, não fora inteiramente superada, de tal forma que é possível afirmar que a segunda Grande Guerra (1939-1945) seria uma espécie de continuação da primeira, já que dela resultam as condições necessárias que permitiram a ascensão do partido nazista e a articulação de acordos que permitiram Hitler chegar ao poder (Cf. HOBSBAWM, 2003). Para o direito, não obstante, é justamente do reconhecimento da segunda Grande Guerra como marco, que a sociedade internacional articulou diversos mecanismos para a tutela dos direitos internacionais dos direitos humanos[247]. Por sua vez, para o pensamento econômico, a questão do desenvolvimento não poderia mais ser posta em segundo plano.
Bastos e D’Ávilla (2009, p. 175) explicam que:
[...] as décadas de 1940 e 1950 marcam uma mudança na perspectiva intelectual até então dominante, com a emergência de um novo consenso, o “consenso do desenvolvimento”, que prevalecerá no cenário econômico e mundial até os anos 1970. Ilustrativa desse “consenso” foi a declaração por parte das Nações Unidas (ONU) e do governo dos Estados Unidos, da década de 1960 como a “década do desenvolvimento”. A adoção de políticas desenvolvimentistas recebeu o apoio explícito de órgãos internacionais oficiais e as Comissões Regionais da ONU assumiram um papel ativo no exame dos problemas do desenvolvimento [...].
O desenvolvimento passa a ser um vocábulo de especial importância para a sociedade internacional, preocupação essa que se refletiu inclusive dentro da ONU, que criou comissões regionais especializadas com essa questão. Dentre essas comissões regionais da ONU, uma é de especial interesse: Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), criada em 1948. Essa comissão estabelece uma relação estreita com o pensamento de Raúl Prebisch[248], que entrou na instituição em 1949, e nela elabora o documento “O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas”, o “Manifesto da CEPAL”, cujo enfoque são “as particularidades do desenvolvimento dos países da periferia do sistema mundial, especializados na produção de matérias-primas e alimentos”[249] (CEPAL, 2016).
Com relação as influências do pensamento latino-americano, e brasileiro em particular, mencionam Bastos e D’Ávilla (2009, p. 176) que:
O pensamento heterodoxo desenvolvimentista latino-americano em geral, e brasileiro em particular, nasce das ideias e do ambiente intelectual desenvolvimentista mundial dos anos 1940 e evolui com a incorporação de outras contribuições heterodoxas, principalmente de autores de alguma forma ligados à tradição de Cambridge, como Kalecki, Kaldor, Joan Robinson e outros, como Steindel, Labibni, Minsky. Essa trajetória, entretanto, não foi linear, envolvendo debates, controvérsias, revisões de posições por diferentes autores e mesmo divergências nunca sanadas.
Em seu artigo sobre o pensamento desenvolvimentista de Raúl Prebisch, Couto (2007, p. 46) afirma que:
[...] ao estudar o pensamento de Raúl Prebisch, estamos tratando da realidade brasileira do “desenvolvimentismo” após a crise dos anos 1930, chegando até os problemas da dívida externa e da hiperinflação dos anos 1980. O Brasil, sem dúvida, foi um dos principais países que sofreram a influência das idéias de Prebisch [sic]. Em razão disso, ao penetrar no pensamento do economista argentino, estamos estudando a própria Economia Brasileira e o caminho para o seu desenvolvimento (grifo nosso)
Diante de tal assertiva, parece razoável compreender mesmo de forma sucinta, para não se fugir do escopo desse trabalho, as formulações de Prebisch e, consequentemente, da CEPAL[250], antes de avançar na evolução do pensamento econômico heterodoxo brasileiro.
Conforme aponta Colistete (2001, p. 27):
A influência da CEPAL no Brasil tem sido reconhecida como provavelmente a mais significativa entre os países da América Latina durante o pós-Segunda Guerra Mundial. Embora em graus variados e muitas vezes de maneira difusa, essa influência ocorreu tanto entre intelectuais e policy-makers como entre o empresariado industrial (grifo no original).
Cabe agora compreender o porquê das teorias cepalinas ganharem apoio no Brasil não apenas entre os policy-makers[251], mas também entre os intelectuais (acadêmicos) e membros do empresariado industrial.
Os problemas do desenvolvimento, para Prebisch, estavam assentados com base em um sistema centro-periferia sendo que se buscaria por meio da industrialização, do comércio internacional e da denominada teoria da transformação, atingir como objetivo final o desenvolvimento econômico e social da periferia, em especial da América Latina (COUTO, 2007, p. 61). Esses elementos já aparecem[252] no seu documento “O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais”, que veio a se tornar conhecido como “Manifesto da CEPAL”.
De tal modo, segundo Colistete (2001, p. 23), o núcleo básico da teoria cepalina estava assentado com base em duas proposições. Com relação a primeira:
[...] as economias latino-americanas teriam desenvolvido estruturas pouco diversificadas e pouco integradas com um setor primário exportador dinâmico, mas incapaz de difundir progresso técnico para o resto da economia, de empregar produtivamente o conjunto da mão-de-obra, e de permitir o crescimento sustentado dos salários reais. Ao contrário do que pregava a doutrina do livre-comércio, esses efeitos negativos se reproduziriam ao longo do tempo na ausência de uma indústria dinâmica, entendida por Prebisch como a principal responsável pela absorção de mão-de-obra e pela geração e difusão do progresso técnico, pelo menos desde a Revolução Industrial britânica
Já a segunda proposição, continua Colistete (2001, p. 23), consiste no fato de que:
[...] o ritmo de incorporação do progresso técnico e o aumento de produtividade seriam significativamente maiores nas economias industriais (centro) do que nas economias especializadas em produtos primários (periferia), o que levaria por si só a uma diferenciação secular da renda favorável às primeiras. Além disso, os preços de exportação dos produtos primários tenderiam a apresentar uma evolução desfavorável frente à dos bens manufaturados produzidos pelos países industrializados. Como resultado, haveria uma tendência à deterioração dos termos de troca que afetaria negativamente os países latino-americanos através da transferência dos ganhos de produtividade no setor primário-exportador para os países industrializados.
Diante disso, em relação a primeira proposição apresentada, é possível auferir que a diversificação industrial seria a principal maneira de se reverter os efeitos negativos da especialização primário-exportadora, efeitos negativos estes abordados na segunda proposição e que se referem à deterioração dos termos-de-troca entre os países de centro e a periferia[253]. A “teoria cepalina está fundamentada na hipótese de que a indústria seria capaz de se tornar o núcleo gerador e difusor de progresso técnico e produtividade” (COLISTETE, 2001, p. 24) e consequentemente, levar ao desenvolvimento. Em outras palavras, a industrialização consistiria no mecanismo de se agregar valor aos termos de troca, e desse modo evitar a deterioração dos mesmos no comércio internacional e com isso o país superaria o status de periférico.
Cabe aqui um parêntese para realizar uma crítica à ortodoxia econômica, ao mainstream. Segundo a racionalidade dos mercados[254], os países que possuem vantagens com relação à determinada produção deveriam explorá-la e nela se especializar. Isso é o mesmo que eternamente condenar os países periféricos (subdesenvolvidos) a eternamente a produzir produtos de baixo valor agregado e compensar essas perdas com a importação dos países do centro (desenvolvidos). As teorias clássicas que versam sobre essa questão pressupõem situações perfeitas, a exemplo de que tudo aquilo produzido será efetivamente consumido[255], e isso não é o que ocorre em termos práticos (existe um limite do quanto se pode colocar de determinado produto no mercado). Assim, aceitar essa abordagem é o mesmo que retroceder ao século XVIII e consolidar a relação colônia-metrópole, onde o nítido ganhador é a metrópole. Independente da auto-regulação, o que está aqui em jogo é simplesmente a vida das pessoas e, como se é notório, do mundo do trabalho. Essas teorias não pressupunham, por exemplo, a modernização da agricultura (pensemos, por exemplo, nas colheitadeiras), a redução expressiva da mão-de-obra humana por esta e, consequentemente, os problemas sociais ocasionados com a migração do fluxo dessa mão-de-obra para os centros urbanos.
O núcleo básico da teoria cepalina daria origem a pelo menos duas correntes no pensamento econômico brasileiro: a teoria da dependência e a teoria do capitalismo tardio (COLISTETE, 2001, p. 27).
A teoria da dependência é creditada à Fernando Henrique Cardoso. João Manuel Cardoso de Mello pensa que a obra “Dependência e Desenvolvimento” de Cardoso e Faletto, uma das principais sobre a teoria da dependência, representa:
[...] uma tentativa de constituir uma nova problemática, a problemática da ‘instauração de um modo de produção capitalista em formações sociais que encontram na dependência seu traço histórico peculiar’, a problemática da formação e do desenvolvimento do modo de produção capitalista na América Latina. Mais que isto, traz, a meu juízo, entre outras, uma contribuição fundamental: a ideia de que a dinâmica social latino-americana é determinada, em primeira instancia, por ‘fatores internos’, e, em última instância, por ‘fatores externos’, a partir do momento em que se forma o Estado Nacional (MELLO, 1991, p. 26, grifo original).
Segundo Wolkmer (2004, p. 10), “a concepção de dependência, como referencial teórico, busca demonstrar a relação entre o subdesenvolvimento econômico e a organização sociopolítica das sociedades ditas periféricas, com os processos de dominação dos países centrais desenvolvidos”. Cabe ainda observar, conforme apontado por Wolkmer (2004, p. 11), que o paradigma da dependência compreenda além da dependência econômica externa e estrutural diferentes níveis de dependência interna (social, político e cultural).
Por sua vez, a teoria do capitalismo tardio tem como marco de sua formulação a tese de João Manuel Cardoso de Mello, que fora posteriormente transformada em livro[256]. Segundo o autor, sua tese consistiu em um “estudo do processo de desenvolvimento econômico brasileiro encarado como formação e desenvolvimento de um certo capitalismo, quer dizer, de um capitalismo que nasceu tardiamente” (MELLO, 1991, p. 175). Esse estudo, segundo apontado pelo próprio autor, consistiu em uma tentativa de revisão crítica que partiu
[...] em primeiro lugar, de estudos existentes sobre nossa histórica econômica, das visões globais, especialmente da notável Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, às monografias específicas mais relevantes. Arrancamos, ainda, dos resultados teóricos da Economia Política da CEPAL, a mais alta criação do pensamento social latino-americano (MELLO, 1991, p. 175).
O objetivo de Mello em sua tese consistia, conforme palavras do próprio autor, em “indicar teoricamente a direção em que se poderia repensar a história econômica dos demais países latino-americanos como a história do nascimento e do desenvolvimento de capitalismos tardios” (MELLO, 1991, p. 176). Assim, segundo a teoria de João Manuel Cardoso de Mello:
[...] o capitalismo não pode formar-se sem o apoio da acumulação colonial; o capitalismo industrial valeu-se da periferia para rebaixar o custo de reprodução tanto da força de trabalho quanto dos elementos componentes do capital constante; ademais, dela se serviu quer como mercado para sua produção industrial, quer como campo de exportação de capital financeiro e, mais adiante, produtivo (MELLO, 1991, p. 177).
Diante disso, em que pese as eventuais diferenças entre as teorias abordadas, cepalina, dependência e capitalismo tardio, o que nos parece certo afirmar é que, no Brasil, o pensamento heterodoxo centrou seus esforços na questão da superação do subdesenvolvimento, ou seja, em outras palavras, em promover o desenvolvimento. Ao se promover o desenvolvimento temos a promoção a níveis maiores de renda e, consequentemente, dos recursos necessários para que o Estado possa investir em mecanismos para a promoção dos direitos fundamentais, garantindo assim, a sua universalização.
Na próxima seção veremos então como o pensamento econômico heterodoxo se relaciona com a valorização dos direitos fundamentais.
4 O PENSAMENTO ECONÔMICO HETERODOXO E A VALORIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Antes de avançar na discussão central desse trabalho, isto é, discutir a admissibilidade das políticas heterodoxas como forma de valorização dos direitos fundamentais, cabe fazer uma breve recapitulação do que foi visto até então. Na primeira seção traçamos breves considerações relacionadas ao desenvolvimento na América Latina.Já na seção anterior vimos de forma mais aprofundada o pensamento heterodoxo no Brasil, o qual foi especialmente motivado pelas teorias da CEPAL que sofreram contribuição de Raúl Prebisch, que por sua vez inspirou a teoria da dependência e do capitalismo tardio, as quais se opõem ao pensamento mainstream, também denominado ortodoxo.
Ademais vimos, tal como visto quando da abordagem sobre Prebisch, vimos que esse economista de inspiração keynesiana trabalhou na CEPAL, chegando a desenvolver aquilo que ficou conhecido como “Manifesto da CEPAL”, seu documento intitulado “O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais”. Cabe então agora uma abordagem sob ótica jurídica da concepção do desenvolvimento como meio promotor de direitos humanos fundamentais.
A Organização das Nações Unidas é um organismo internacional que surge no pós-Segunda Grande Guerra em 26 de junho de 1945 com a denominada Carta das Nações Unidas e que, além da própria Carta, possui como um dos principais marcos para o Direito Internacional dos Direitos Humanos a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (DUDH) de 1948, que tem em seu preâmbulo o “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (ONU, 1948).
Tal como expresso em seu título, a DUDH tem caráter universal, ou seja, não se restringe a um ou outro indivíduo, mas “a todos os membros da família humana”, tal como explicitado em seu preâmbulo. Em seus artigos são estabelecidos uma espécie de patamar mínimo civilizatório, que tem a dignidade da pessoa humana enquanto princípio norteador. Isso significa que o que se estabelece na Declaração é um rol mínimo de exigências que devem ser atingidas, permitem e estimulem seus signatários irem além daquilo que está lá estabelecido.
Ao mesmo tempo, é de se notar que, posteriormente a referida Declaração, outros pactos, tratados e convenções sobre direitos humanos surgiram na esfera internacional e ampliaram ainda mais o rol de direitos humanos tutelados. É esse o caso do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966)[257] (e seus protocolos adicionais sobre procedimento de queixa e pena de morte), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966)[258] e seu protocolo adicional que, junto da própria DUDH, formam a denominada Carta Internacional dos Direitos Humanos. Cabe ainda mencionar outros instrumentos que, embora não façam parte da referida carta, ampliaram ainda mais o rol de direitos humanos, como por exemplo, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio(1948)[259], a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965)[260], a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979)[261], aConvenção sobre os Direitos da Criança (1989)[262] e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006)[263], entre outras. Vale ainda mencionar que além do “Sistema ONU” mencionado, existem ainda outros sistemas de promoção e valorização dos direitos humanos, a exemplo do Sistema Americano cuja principal figura representativa é a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Entre os diversos instrumentos normativos ora apresentados, o que nos é de particular interesse é o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pois, em seus arts. 1º (item 3) e 2º (item 1 e 3), em especial, são abordados o papel do Estado em garantir para todos que nele estiverem, sem discriminação de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, fortuna, nascimento, etc, os direitos econômicos referidos no pacto. Deve-se tomar um cuidado interpretativo nessa questão. O pacto em nenhum momento estabelece que é necessário seguir um pensamento ortodoxo ou heterodoxo, porém ele dá indícios do que devem seguir aqueles Estados que o ratificaram.
O reconhecimento do desenvolvimento é enquadrado dentro dessa acepção de direitos econômicos e sociais, ou em outras palavras, é o entendimento de que o desenvolvimento dos Estados contribui para a promoção dos direitos humanos. É nesse sentido que nos interessa a CEPAL, já que ela é fruto direto dessa concepção de desenvolvimento, não apenas em sua vertente econômica, mas também social e política, como forma de valorização de direitos humanos. No âmbito da CEPAL, isso foi feito ao se propor teorias de caráter genérico, mas que indicam aos Estados subdesenvolvidos (periferia), noções sobre onde e como devem focar suas políticas econômicas. Consequentemente, o que o pensamento econômico dessa instituição fez, por meio de suas teorias, é a valorização dos direitos humanos em uma concepção universalista ao entender que todos, e não apenas uma parcela da população (e aqui a interpretação pode ser tanto a parcela da população mais rica quanto os Estados desenvolvidos, o dito centro), é que tem que se beneficiar com os ganhos do desenvolvimento.
Vale ainda mencionar que nesse dispositivo legal, o denominado Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, é abordado em seu art. 6º o direito ao trabalho no item 1 e, no item 2, o que mais nos interessa para os fins desse artigo, é “garantir um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e um pleno emprego produtivo em condições que garantam o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais de cada indivíduo” (item 2). É mencionado ainda, no art. 7º, o direito a condições de trabalho justas e favoráveis que assegurem remuneração mínima, salário equitativo, condições de trabalho para as mulheres não inferiores às dos homens, condições de trabalho seguras e higiênicas, repouso, lazer, limitação razoável das horas de trabalho, férias periódicas. No art. 8º é mencionada a liberdade para formação de sindicatos, no art. 9º é abordada a seguridade social.
O que temos aí é uma nítida mensagem a sociedade internacional. Mensagem essa que foi acatada quando do desenvolvimento do Sistema Bretton Woods, o qual buscou consolidar essas questões. Um dos principais responsáveis pela elaboração de tal ordenamento benéfico à valorização dos direitos humanos ora mencionados foi sir John Maynard Keynes. Cabe ressalvar que Keynes não foi o único que teve suas ideias acatadas quando da Conferência de Bretton Woods, a exemplo de Harry Dexter White, norte-americano creditado como arquiteto do hoje denominado Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
No entanto, tal ordenamento benéfico foi aos poucos corroído e desmantelado pelo capital por meio de políticas de desregulamentação e liberalização.
Conforme aponta Chesnais (1996, p. 25):
[...] para os turiferários da globalização, a necessária adaptação pressupõe que a liberalização e a desregulamentação sejam levadas a cabo, que as empresas tenham absoluta liberdade de movimentos e que todos os campos da vida social, sem exceção, sejam submetidos à valorização do capital privado.
Tais medidas promovidas por meio do discurso político neoliberal durante os anos 80, deram fomento a um novo ordenamento, popularmente conhecido como globalização, também denominado, mundialização conforme as escolas francesas (SILVA; MISAILIDIS, 2016, p. 143).
Inobstante, é necessário ter em mente que:
Se antes a regulamentação, promotora do pleno-emprego e do estado de bem-estar social, com suas benesses consolidadas por meio do Sistema Bretton Woods, serviu aos interesses dos detentores do capital que precisavam naquele período reconstruir e criar mercados devastados pela guerra (a exemplo da Europa e do Japão), agora esse ordenamento já não seria mais de serventia. O advento do Euromercado, a crise do petróleo, o choque dos juros promovidos por Paul Volcker, levariam a um frenesi nos mercados financeiros que resultaria na mudança de ritmo e direção do processo de reprodução social. (SILVA; MISAILIDIS, 2016, p. 143)
E, de tal sorte, é possível afirmar que:
A tal da globalização criou uma acepção de estado de exceção permanente por meio de suas ações de desregulamentação e liberalização. As normas que foram afastadas com o ideal neoliberal se tratam dos direitos fundamentais, conquistados às duras penas, tendo necessitado de duas grandes guerras em um breve século XX, para serem reconhecidos pela sociedade internacional. E agora, nesse momento, chegam ortodoxos neoclássicos/neoliberais que querem nos fazer crer por meio de seu discurso de racionalidade dos mercados de que é necessário reduzir e acabar com direitos, especialmente os trabalhistas e os demais direitos sociais, como a previdência, para que os países possam competir em maior igualdade no mercado internacional, ou seja, querem que os direitos passem a ser vistos como custos e assim serem eliminados para que possa extrair o máximo de valor[264] possível, uma lógica de fácil compreensão, mas muito perigosa para o avanço da espécie humana já que coloca o homem meramente como instrumento de manipulação do capital. (SILVA; MISAILIDIS, 2016, p. 143)
No Brasil, é possível verificar a partir de análise da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que os direitos fundamentais consistem no rol de direitos previstos, em sua maioria, ou seja, não exclusivamente, no título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”). O constituinte subdividiu os referidos direitos nos seguintes capítulos: “Dos direitos e deveres individuais e coletivos” (capítulo 1, art. 5º); “Dos direitos sociais” (capítulo II, arts. 6º-11); “Da nacionalidade” (capítulo III, arts. 12 e 13); “Dos direitos políticos” (capítulo IV, arts. 14-16) e; “Dos partidos políticos” (capítulo V, art. 17).
Além dos direitos expressamente dispostos na Carta Magna, em decorrência da Emenda Constitucional n. 45 de 30 de dezembro de 2004, cabe observar o efeito da inclusão do § 3º no art. 5º, o qual versa “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”, ou seja, a partir de então, os tratados e convenções de direitos humanos que forem aprovados os requisitos estipulados passaram a ganhar o status de direitos fundamentais uma vez que se equivaleriam a Emenda Constitucional e, consequentemente, ganham o status de norma constitucional. E assim, uma vez na condição de direitos fundamentais, são passíveis de reinvindicações no cenário judicial.
Além dos direitos fundamentais, existem também os preceitos fundamentais, os quais se constituem, conforme a própria redação constitucional disposta no art. 3º, caput, nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Dentre esses objetivos fundamentais incluem-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), garantir o desenvolvimento nacional (inciso II), erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inciso III), e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV).
A atual Constituição Federal não pode, obviamente, ser compreendida fora de seu contexto histórico-social. A sua elaboração ocorreu não apenas após um longo período de crise econômica, lembrando que a década de 80 é popularmente conhecida como “a década perdida”, caracterizada por um cenário de elevada inflação e problemas sociais relacionados, como também tendo em vista o processo de reabertura democrática já que de 1964 à 1979 o país foi governado por militares em um regime ditatorial. Vale ainda observar que a constituição anterior, vigente durante o período da ditadura, também era dotada de direitos fundamentais, mas dado a razão de Estado vigente eles foram sumariamente massacrados pelas ações do DOI-CODI, os quais empregavam métodos de tortura barbáricos, como exemplo do popularmente conhecido “pau de arara”[265]. Assim, é certo afirmar que no Brasil, os direitos fundamentais conquistados pela Constituição de 1988 são frutos de um intenso processo de conquistas.
Vemos que a preocupação pela promoção do desenvolvimento, e não do mero crescimento, se torna fundamental para se atingir os objetivos fundamentais de nossa constituição, a qual reflete diretamente aquilo que se espera de nosso país enquanto Estado Democrático de Direito. E assim sendo, o crescimento econômico pelo crescimento econômico é algo sem sentido e perverso. O crescimento econômico deve ser capaz de levar ao desenvolvimento e, desenvolvimento esse não apenas econômico, mas social e cultural. É por conta disso que a heterodoxia, diferente da ortodoxia, merece destaque. A preocupação das escolas marxistas, keynesiana, pós-keynesianas (destacando no caso a cepalina por dela ter sido inspirado no Brasil as teorias da dependência e do capitalismo tardio), dentre outras heterodoxas, sempre foi a de melhorar as condições dos indivíduos a partir do tratamento do crescimento econômico enquanto meio para se atingir o desenvolvimento. Assim, é certo afirmar que a heterodoxia consiste em uma forma de pensar cuja real preocupação são as pessoas e não a mera valorização do capital, tal como fazem os ortodoxos.
Diante disso, é possível afirmar que a heterodoxia busca não apenas deixar os direitos fundamentais enquanto um mero pedaço de papel, mas garantir que esse ideal se materialize no mundo real. Nesse sentido, podemos afirmar que pensamento econômico desenvolvimentista busca valorizar a condição do ser humano para que o mesmo alcance uma condição minimamente digna; ou seja, é um pensamento de viés humanista, e isso vai necessariamente contra os interesses dos credores do Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Opensamento econômico heterodoxo trouxe consigo o viés de se preocupar com a questão do desenvolvimento. Crescimento e desenvolvimento são termos totalmente distintos. O crescimento econômico é um meio para se atingir o desenvolvimento enquanto finalidade. Consequentemente, vimos que a promoção do desenvolvimento é um meio para a valorização dos direitos fundamentais. Ao promover o desenvolvimento o Estado aumenta os níveis de renda interna e, com esse aumento de renda, é capaz de promover investimentos que levem a promoção dos direitos fundamentais como educação, saúde, segurança, dentre outros, os quais são elementos cruciais para que os indivíduos possam atingir uma vida digna dentro da sociedade.
A preocupação do pensamento econômico heterodoxo são os indivíduos da sociedade, e não a mera valorização do capital. Medidas neoliberais, como as adotadas pelo governo Temer, até podem gerar empregos e crescimento econômico, mas o que o se deve ter em mente para fins de orientação e tomadas de decisão são quais os custos e impactos de sua adoção, que como vimos na seção 4, pesquisadores do Fundo Monetário Internacional parecem reconhecer. Não se trata de mera geração de emprego, mas da qualidade do emprego gerado, que é algo que os turiferários da globalização parecem não se importar já que, para eles, basta trabalhar, ainda que não seja um trabalho digno.
Passado um ano de governo interino, vemos no Brasil contemporâneo uma fragilização de direitos conquistados à duras penas, como são os casos da reforma trabalhista e da previdência, que podem ser aprovadas nesse ano de 2017, e ainda a recém aprovada Emenda Constitucional 95/2016, que já se aplica nesse de 2017, e que possui previsão de validade dentro do ordenamento jurídico por período de ao menos 20 anos. Tais medidas atendem ao ideário neoliberal, e devem ser questionadas sobre a sua real eficácia, pois ao que indica, não são medidas que prometem levar o país ao desenvolvimento, mas tão somente resolver um suposto problema de caráter financeiro; e aqui dizemos suposto porque mesmo a sua situação de emergência financeira, que justificaria tais ações, são passíveis de discussão, em especial no âmbito acadêmico onde é da pluralidade de ideias e do debate delas decorrente que novas perspectivas de mudança podem surgir.
Diante do conteúdo ora discorrido, é possível afirmar que o presente artigo conseguiu atingir com o seu principal objetivo: o de contribuir com o fomento da ciência jurídica em âmbito acadêmico por meio de diálogo transdisciplinar especialmente entre o Direito e a Economia.
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UMA NOVA ORDEM HERMENÊUTICA À CONSTITUICIONALIZAÇÃO
DO DIREITO PRIVADO
A NEW HERMENEUTICAL ORDER TO CONSTITUTIONALISATION
OF PRIVATE LAW
Sandro Mansur Gibran*
Marcia Carla Pereira Ribeiro **
RESUMO: O artigo tem por propósito específico questionar os efeitos gerados pela chamada constitucionalização do Direito Privado. Utilizando-se de método dedutivo, sistemático, histórico e analítico, conclui-se que os princípios constitucionais não devem ser vistos como sobrepostos e incompatíveis, mas sim conciliados de forma a se dar a mais ampla efetividade às determinações constitucionais.
Palavras-chave: Liberalismo. Ordem Econômica. Equilíbrio nas Relações. Publicização do Direito Privado.
ABSTRACT: The purpose of this article is to question the effects generated by the so-called constitutionalisation of private law. Using a deductive, systematic, historical, and analytical method, one can conclude that constitutional principles should not be seen as superimposed and incompatible, but rather related in order to give greater effectiveness to constitutional determinations.
Keywords: Liberalism. Economic Order. Balanced Private Relations. Constitutionalization of Private Law.
Recebido: 21.04.2017
Aprovado: 12.06.2017
1 INTRODUÇÃO
A ordem jurídica reflete os valores sociais de um determinado contexto histórico, político e econômico. Os Códigos de Lei brasileiros editados nos Séculos XIX e XX, concebidos sob a ideologia liberal, consagraram o modelo produtivo baseado na propriedade privada e na liberdade de iniciativa: a prospecção de desenvolvimento do país tinha por referência a atividade mercantil, o fortalecimento da indústria nacional e o fornecimento de produtos e de serviços em larga escala.
Em outras palavras, esta expectativa de enriquecimento do Estado acabou por motivar a interpretação parcial da liberdade de iniciativa, da função da propriedade e da autonomia da vontade e estes princípios, sob compreensão viciada, permeavam toda a matéria negocial e obrigacional de então.
O Liberalismo Econômico[266], impulsionado pela expansão dos meios de produção e o decorrente objetivo do empresariado de conquistar novos mercados, utilizando-se do vínculo contratual centrado no valor da vontade, gerou flagrante desequilíbrio em favor do poder econômico, experiência também reproduzida no Estado brasileiro.
Foi num ambiente voltado a ideais garantistas de equidade e segurança à sociedade, em razão de constantes afrontas à sua integridade física e moral, e à busca do apelo coletivo de respeito à dignidade humana e de resgate do modelo de Estado Democrático de Direito, que sobreveio a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A Constituição brasileira positivou direitos em busca da efetiva proteção à dignidade da pessoa humana, à garantia à educação, à cultura, ao desporto, à ciência, à tecnologia, à comunicação social, ao meio ambiente, ao pluralismo político, dentre tantos direitos.
A complexidade típica dos Séculos XIX e XX e a exigência constitucional de tutela e de garantia de direitos fundamentais de parte do Estado repercutiram, como não poderia deixar de ser, nos institutos jurídicos do Direito Civil.
A Lei nº 10.406, de 10/01/2002, ao instituir o atual Código Civil brasileiro, iniciou sua parte geral tratando da personalidade, da capacidade e dos direitos da personalidade, transpondo a valorização da pessoa humana para o Direito Civil.
Uma vez que os direitos de personalidade estão destacados e priorizados como base geral do Código Civil brasileiro e que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, tem-se que a integridade humana é essencial para a compreensão do Direito Civil e aplicação dos seus concernentes institutos.
Não se pode negar que alguma interferência do Poder Público é por vezes fundamental para o desenvolvimento da Economia e perfeito cumprimento dos direitos individuais e difusos. O funcionamento do regime liberal teórico, em seus primados clássicos, pressupõe um ambiente de igualdade no mercado, apto a manter uma competição equilibrada, além de considerar que os agentes de mercado possuem amplo e suficiente conhecimento sobre os negócios que realizam e que usarão deste conhecimento para a obtenção do melhor resultado individual que, por extensão, produzirá os melhores resultados também em termos sociais.
Como tais pressupostos são dificilmente alcançados na prática, somados a outros fatores sociais e econômicos, sobreveio a primeira grande crise do Século XX, caracterizada pela depressão econômica entre as duas grandes guerras e os desequilíbrios internacionais, com a formação de blocos e as disparidades econômicas entre os Estados.
Vários países, e, dentre eles o Brasil, optaram por, pela via constitucional, incorporar princípios interventivos na seara antes disciplinada, exclusivamente, pelo Direito Civil e Comercial, para ajustar a vontade dos agentes privados a um interesse maior de ordem econômica. A partir deste escopo, verificou-se, é verdade, uma gradativa crescente publicização do Direito Privado, de forma a compatibilizá-lo com a ordem constitucional, com efeitos de relativização da autonomia privada.
Passados quase trinta anos desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pretende-se, por meio deste artigo, questionar alguns dos efeitos desta inegável publicização ou constitucionalização do Direito Privado no âmbito da ordem econômica e do desenvolvimento econômico e social nacional, destacando, sem embargo, excessos também porventura advindos da interpretação forçosa e equivocada de muitas das garantias constitucionais em afronta à liberdade de iniciativa, à função da propriedade e à autonomia da vontade.
2 AS RELAÇÕES JURÍDICAS CONSTITUCIONAIS
Destaque-se que antes mesmo destas mudanças incidentais ao Direito Civil brasileiro, a defesa dos considerados consumidores já havia sido elevada ao status de direito fundamental pela Constituição de 1988, haja vista o disposto em seu art. 5º, XXXII,[267] essencial que é para manutenção da ordem econômica.[268] No entanto, somente com a edição da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - do Código de Defesa do Consumidor -, é que se estabeleceram instrumentos viáveis à garantia constitucional de efetiva proteção. Deu-se aqui o rompimento da dogmática de supremacia da vontade inerente à liberdade de contratar (teoria tradicional das obrigações estabelecida com fulcro no Código Civil de 1916), quando se tratando de relações de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor se destina à ‘proteção e defesa do consumidor’,[269] conceitua os sujeitos desta relação, bem como o que se entende por produto e serviço, como devem ser oferecidos ou prestados e suas repercussões. Pelo disposto no art. 170 da Constituição, a defesa do consumidor é também fundamento jurídico da ordem econômica; em outras palavras, o consumidor, objeto dessa proteção constitucional, é considerado agente econômico.
Diferentemente da concepção clássica e individualista contratual do Código Comercial de 1850 e do Código Civil de 1916, a ordem constitucional econômica de 1988[270] impõe que as relações jurídicas sejam em geral estabelecidas de acordo com os ditames da justiça social. O contrato ‘deve ser estudado e adaptado à nova realidade social e econômica, sempre voltado ao século que se abre, e nunca, para aquele que se fecha: ’[271]
A constatação da crise conceitual de contrato remete o intérprete ao desafio maior desta época posterior da modernidade: a tentativa de conciliação entre os valores constitucionais que repersonalizaram os institutos jurídicos privados, dentre o que não escapa o contrato, e o seu local de aplicação, predominantemente situado no mercado relevante. Valores constitucionais protetivos do homem no seu contexto social e regras de livre mercado, que sempre escravizaram este mesmo homem no seu egoísmo patrimonial, conforme descrição moderna antes vista, se apresentam como extremos inconciliáveis, numa clássica perspectiva de contrato, mas devem, agora, ser enfocados de modo convergente, mesmo que tal visão cause estranheza.[272]
O Direito pode ser eficaz se destinado a guardar uma série indeterminada de interessados, aplicado mesmo sem saber quem ou quantos são exatamente os indivíduos efetivamente tutelados, ou que almejam tutela. A partir do momento em que existiram mudanças na concepção da produção que passa a ser em massa, os instrumentos contratuais foram, igualmente, adaptados para o fim de se atender à nova demanda mercadológica, ofertando-se contratos de adesão. Não é objeto deste estudo discutir todas as vicissitudes que decorrem dos contratos de adesão.[273] Entretanto, é a ciência desse modelo massificado e suas inegáveis consequências que motivaram a necessidade da tutela jurisdicional para se atender, também a partir dos contratos, aos anseios coletivos dos cidadãos.
Nesta concepção o hermeneuta deve ter em conta que a atividade empresarial, a liberdade de iniciativa e de contratar não prescindem da defesa de outro agente essencial ao sistema, o consumidor, já que é a relação de consumo que viabiliza a circulação de riquezas e, neste ciclo, permite o fortalecimento da indústria, o investimento em tecnologia e a fonte arrecadatória fundamental para a manutenção da máquina administrativa.
Justifica-se, deste modo, que a defesa do consumidor, inclusive e a partir da Constituição[274], constitui uma política pública[275], da forma como estabelecido no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, que se soma aos princípios da liberdade de iniciativa, da função social da propriedade e do contrato, todos princípios reguladores da ordem econômica.
Não se pode negar que uma economia de mercado sem mecanismos adequados, incapazes de equilibrar os desníveis e desigualdades existentes nas relações de consumo e outras contratuais e empresariais, inviabiliza a ordem de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.[276]
Segundo o entendimento de Grau (2003)[277], o referido art. 170 da Constituição é uma norma-objetivo, ou seja; um preceito a ser alcançado, caminho para a segurança jurídica e paz social, e todos os princípios nele expressamente previstos – como a livre iniciativa, a função social da propriedade, a defesa do consumidor etc. - devem ser amplamente respeitados como fundamentos da República Federativa do Brasil.[278]
O aplicador da lei não poderá, deste modo, a título de exemplo, sacrificar o interesse do consumidor em defesa da livre concorrência, da propriedade privada, do meio ambiente ou da busca do pleno emprego; nem inversamente preterir estes últimos valores ou interesses em prol da defesa do consumidor, até porque estes mesmos princípios são também garantias e direitos fundamentais individuais, coletivos e sociais, conforme o disposto nos artigos 5º e 6º da Constituição.
É característica essencial destes princípios o caráter programático para, por meio da realização de políticas públicas, oportunizar-se a geração de normas jurídicas e condições capazes de efetivação destes preceitos. Nem o julgador, nem o administrador ou o legislador podem agir de forma conflitante com os ideais de ordem econômica. Os Poderes Públicos têm o dever de desenvolverem, juntos, coordenadamente, os objetivos de justiça social.
Ao serem enquadrados como garantias essenciais ao desenvolvimento econômico brasileiro, a não observância destes princípios configura ora uma inconstitucionalidade comissiva, ora uma omissiva e ambas podem ser sanadas, em tese, pela atuação do Poder Judiciário.
Quando comissiva, a inconstitucionalidade costuma ser de difícil verificação e solução, já que a atuação do magistrado encontra limites de ordem técnica, sua avaliação decorre habitualmente de conhecimentos de natureza não econômica, limitando-se aos aspectos positivados de competência e forma jurídica, critérios diretamente considerados ao dizer-se o Direito.
A formação dos profissionais do Direito – entenda-se: juízes, promotores, advogados etc. - não parece ser suficiente para este tipo de análise. Com exceção das hipóteses de evidente e grave lesão ao interesse social, verifica-se que a garantia de declaração de inconstitucionalidade de determinado ato, de determinada relação civil ou de consumo, é ainda pouca, insuficiente e não atende às necessidades da sociedade moderna.[279]
A mesma dificuldade de tutela dos princípios programáticos acontece quando constatada uma situação de inconstitucionalidade omissiva. Nem se diga que haveria a prestação jurisdicional na possibilidade de impetração de um mandado de injunção: este writ é limitado à hipótese de carência de normas que tornem “inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.[280]
Acrescente-se que o caráter programático dos princípios que fundamentam a ordem econômica (norma-objetivo[281]) implicaria a execução de uma vasta política pública de ação[282], fiscalização, punição, responsabilização civil e não de um direito subjetivo fundamental, não se perfazendo, tão-somente, mediante a edição de normas.
A partir da interpretação literal do art. 170 da Constituição é possível detalhar o conteúdo da livre iniciativa associado diretamente à propriedade privada[283], açambarcando, deste modo, a liberdade de empresa[284], de lucro[285] e de contratar. Saliente-se, novamente, que este mesmo princípio é condicionado ao fim público expressamente destacado no caput do artigo supracitado (qual seja: a justiça social).
No intuito de que “os ditames da justiça social” sejam assegurados, para garantir a “todos existência digna”, a Constituição estabelece diversas medidas destinadas a neutralizar ou reduzir as distorções que possam advir do abuso de liberdade de iniciativa, no exercício da atividade privada.[286]
Neste sentido, Moreira Neto (1989) esclarece que:
O princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa suplementar do Estado; o princípio da liberdade de empresa corrige-se com o da definição da função social da empresa; o princípio da liberdade de lucro, bem como o da liberdade de competição, moderam-se com o da repressão do poder econômico; o princípio da liberdade de contratação limita-se pela aplicação dos princípios de valorização do trabalho e da harmonia e da solidariedade entre as categorias sociais de produção; e, finalmente, o princípio da propriedade privada restringe-se com o princípio da função social da propriedade.[287]
Cumpre ao Estado[288], numa tarefa até certo ponto retórica e teórica, conciliar determinados setores do mercado nacional, valendo-se de política de efetivo planejamento, com vistas a assegurar o bem-estar coletivo, garantindo saúde, habitação, educação, alimentação, urbanização e solução para as questões fundiárias etc., também disciplinando, mediante o exercício do seu poder de polícia, os setores nos quais a atividade econômica, embora exercida pelos agentes privados em regime de competição, deva estar submetida a determinados controles para coibirem-se abusos e ineficiências em face da pessoa humana.
No campo do exercício dos serviços públicos, a transferência das funções de interesse público do setor público para o privado, especialmente a partir das privatizações, atribui ao Estado poder crescente de regulamentação e fiscalização da atividade privada, antes por ele exercida diretamente. A experiência brasileira de reforma do Estado, desencadeada a partir dos anos noventa, decorre primordialmente da incapacidade (ou impossibilidade) do setor público prosseguir como principal agente direto do desenvolvimento econômico. Esta opção, porém, veio acompanhada da necessidade de aprimoramento das funções reguladoras, na busca de um equilíbrio entre o afastamento e o intervencionismo estatal.[289]
3 A REGULAÇÃO DO ESTADO PARA A ORDEM ECONÔMICA
A tutela constitucional da ordem econômica apresenta uma série de princípios que deverão ser respeitados tanto pela Administração, como pela iniciativa privada, com o fim de regular a atividade econômica estatal e garantir o desenvolvimento equilibrado do país.
A respeito dos objetivos traçados pela Constituição à República Federativa do Brasil para a garantia do desenvolvimento equilibrado do país, Nusdeo (2002, p. 17) diferencia desenvolvimento e crescimento, ainda que ambos estejam relacionados ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
No âmbito da ideia de desenvolvimento, além do crescimento do PIB há profundas alterações na estrutura de um país, como aquelas de ordem cultural e social. Essas mudanças permitirão a sustentabilidade do processo de crescimento; ou seja: viabilizarão o desenvolvimento autossustentável.
No mesmo sentido, Veiga (2007, p. 48-49) esclarece que o crescimento econômico é acontecimento de meio e não finalístico. Para explicar essa afirmação, o autor citou o alto PIB de países como a China (que em 2003 tinha um PIB de 8,2), a Coréia (que em 2003 tinha um PIB de 6,1), cujos indicadores de desenvolvimento e sustentabilidade foram superados pelo Brasil que possuía, naquele ano, um PIB de 0,8. Para se ter uma idéia, em sustentabilidade ambiental (em que pese toda a devastação e degradação nos principais ecossistemas brasileiros), o Brasil obteve nota 6 no “provão de sustentabilidade” (ESI – Environmental Susteinability Index 2005), enquanto a China não chegou a 4.[290]
Entretanto, a necessidade de regulação estatal da economia não pode ser exercida de modo absoluto e sem que haja fundamento para a interferência.
A ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem publica clássica; opta pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso de poder econômico visando ao aumento arbitrário dos lucros [...] .(GRAU, 2001, p. 54).
É verdade que compete ao Estado[291] conciliar determinados setores do mercado nacional, valendo-se de uma política de efetivo planejamento, com vistas a assegurar o bem-estar coletivo, especialmente nas áreas de saúde, habitação, educação, alimentação, urbanização e solução para as questões fundiárias. Acrescente-se a função disciplinadora, mediante o exercício do seu Poder de Polícia, em setores nos quais a atividade econômica, embora exercida pelos agentes privados em regime de competição, deva estar submetida a determinados controles para a coibição de abusos e ineficiências perante empregados, concorrentes, consumidores e meio ambiente.
Neste sentido, Dias (1991, p. 320) assevera que
[...] tanto a liberdade de empresa, como de concorrência, não podem exercitar-se em prejuízo dos legítimos interesses econômicos da população. O art. 5º, XXXII da Constituição determina que o Estado promova a defesa dos consumidores e o art. 170, V, atribui a essa tutela nível de princípio da ordem econômica. É preciso então conciliar a proteção dos interesses dos consumidores com a liberdade de empresa e de concorrência.
Para Ribeiro (1999, p.155-156),
[...] os séculos IX e XX têm sido os palcos do progresso do Estado providência e, talvez não coincidentemente, também espectadores de importantes crises nos planos social, econômico e internacional. Todavia, à medida que se fez mais desenvolvido, o Estado de bem-estar passou a exigir a aplicação de recursos cada vez mais significativos, acompanhando-se ainda do acréscimo da demanda de sua atuação. Chega-se, então, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, nos países organizados de forma social democrata, a desequilíbrios das balanças comerciais, desestabilização da moeda, aumento fiscal e de preços.
A difícil conciliação proporcional desses diferentes setores e princípios, imperiosos para a ordem e para o desenvolvimento econômico nacional não pode servir de justificativa para a inércia da Administração, típica do liberalismo clássico. Por outro lado, da mesma forma que o Poder Público deve pautar a sua autuação no princípio da proporcionalidade, também não poderá extrapolar os parâmetros previstos no caput do art. 174 da Constituição.[292]
O princípio da proporcionalidade também compreende o da subsidiariedade que, na seara do Direito Econômico, sob o fundamento dos artigos 173 e 174 da Constituição, impõe ao Estado que se abstenha de intervir e de regular as atividades que possam ser satisfatoriamente exploradas e autorreguladas pela iniciativa privada. Em outras palavras, se compatível com os princípios dispostos no art. 170 da Constituição, o Estado não pode coarctar a livre iniciativa dos agentes econômicos; sendo incompatível, deve fazê-lo de modo razoável e menos restritivo possível.
Essa é a regulação que se espera do Estado Democrático de Direito que tem, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa.[293] Dessa forma, apesar de o bem-estar social e coletivo justificar, para a sua manutenção, de alguma interferência, tal poder deve ser compatibilizado com as garantias constitucionais alicerçadas nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Em outras palavras, a persecução do bem-estar social, apesar de constitucionalmente exigir um grau mínimo de intervenção do Poder Público, não poderá ser dissociada da idéia de subsidiariedade como princípio normativo.
Porém, mesmo quando o Estado democrático impõe a garantia das condições básicas de dignidade da pessoa humana, a verdade é que isso não significa necessariamente que tenha de ser apenas o próprio Estado a realizar este objetivo (OTERO, 1998, p. 18-19). Existem ações que podem ser tituladas pela sociedade organizada, assim como diretamente pelos agentes privados.
O princípio da proporcionalidade, se plenamente compreendido, impede que o Estado Democrático se revista de um dirigismo totalitário e abrangente à livre iniciativa e à autorregulação privada da economia, já que são estes compatíveis com os demais princípios balizadores da ordem constitucional econômica.
É o princípio da proporcionalidade que determina ao Estado atuar sobre a economia quando os agentes do mercado não satisfizerem ou agredirem o interesse coletivo segundo o disposto no art. 170 da Constituição (BARROSO, 1990; SILVA,1998).
Há de se considerar ainda a possibilidade de confusão entre o interesse público e o interesse proveniente de grupos parciais, assim como compreender, como inerente à proporcionalidade, o princípio da diferença, pelo qual as liberdades econômicas e as desigualdades evidenciadas em sociedade são admissíveis se forem vantajosas aos mais desfavorecidos (RAWLS, 1997, p. 80).
Por outro lado, não existe um interesse público abstratamente considerado que deva prevalecer sobre os interesses particulares eventualmente envolvidos. O método regulatório do Estado é bem mais criterioso do que se poderia simplesmente entender da literalidade da “supremacia do interesse público”:
O interesse privado e o interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins. [...]. Em vez de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há, em verdade, uma 'conexão estrutural'. [...]. A verificação de que a Administração deve orientar-se sob o influxo de interesses públicos não significa, nem poderia significar, que se estabeleça uma relação de prevalência entre interesses públicos e privados. Interesse público como finalidade fundamental da atividade estatal e supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o mesmo significado. O interesse público e os interesses privados não estão principalmente em conflito, como pressupõe uma relação de conflito. (ÁVILA, 1999, p. 111-112).
Significa admitir que na complexa vida em sociedade não há apenas um interesse público e nem um que seja predominante, ocasionalmente definidos como a necessidade de melhoria e de ampliação dos serviços, a acessibilidade das tarifas, as estratégias para estimular o investimento estrangeiro, a atuação preventiva para maior e efetiva segurança jurídica. Como esclarece Medauar (1992, p. 182),
[...]a doutrina contemporânea refere-se à impossibilidade de rigidez na prefixação do interesse público, sobretudo pela relatividade de todo padrão de comparação. Menciona-se a indeterminação e dificuldade de definição do interesse público, a sua difícil e incerta avaliação e hierarquização, o que gera crise na sua própria objetividade.
Incompatível, diante dessa realidade, pretender o sacrifício de um interesse privado em benefício de outro ou falar de primazia de um sobre outro. Interesses privados em confronto devem ser ponderados, sem que haja sacrifício de algum, tanto quanto possível. Tal análise exige a ampla apreciação de todos os fatores envolvidos, objetivando conciliação e sacrifício mínimo, de acordo com o princípio da impessoalidade imposto para todos os setores da Administração Pública.[294]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mudança de paradigma de defesa do interesse individualista para o cuidado coletivo não poderia deixar de refletir-se também nas relações sociais reguladas pelo Direito. As concepções jurídicas mais tradicionais, concebidas perante uma sociedade quantitativamente diminuta e oligárquica, tinham por foco as situações de confronto entre indivíduos isolados, ou dispostos em seletos grupos bem definidos.
Do Poder Legislativo se esperava exclusivamente a disciplina; do Poder Judiciário, a declaração dos direitos e obrigações atribuídos em termos bem precisos e a titularidade identificável, fosse único ou inserido em grupo conhecido e delimitado de indivíduos, tanto nas vicissitudes jurídicas propriamente particulares como naquelas situações que envolviam o Poder Público, representado pelo Estado, ele próprio tratado e convertido, pela técnica, em pessoa singular com direitos e deveres.
Não obstante não ser novidade esse viés de interesse difuso e sua notória influência, sobretudo na produção legislativa, percebe-se que ainda se faz presente um ranço individualista. A tutela que se espera não é mais aquela exclusivamente focada em uma pessoa ou no conjunto restrito do qual ela faça parte, como acontece em um condomínio ou na pluralidade de credores de uma única obrigação.
Na sociedade contemporânea, a divisão entre interesse público e privado sofre a influência das formas de contratação em massa, nas quais a satisfação do que diz respeito a um é, necessariamente, a satisfação de todos; em contrapartida, o que é lesão de direito para um também o será à coletividade.
Por outro lado, as circunstâncias do homem contemporâneo em sociedade são de efeito mundial, maciças, interativas e rapidamente manifestadas pelos meios de comunicação social. Os temas relacionados à defesa do meio ambiente: a proteção da flora e da fauna, a sustentabilidade, o combate à poluição aérea, sonora e visual, a racionalização do desenvolvimento urbanístico, entre outros, são todos de interesse global, ainda que seus impactos sejam limitados, muitas vezes, a pequena área ou a lugar longínquo ou a restrito grupo de pessoas.
Não menos relevantes são as preocupações ligadas aos valores culturais e aos espirituais, como a segurança do acesso às fontes de informação, a difusão desembaraçada de conhecimentos técnicos e científicos, a manutenção de condições favoráveis à liberdade de expressão e de culto, a conservação dos monumentos históricos e artísticos, dentre outros.
Tantos mais direitos e interesses semelhantes seriam acrescidos facilmente à tutela coletiva e não podem, igualmente, ser olvidados da guarda pela ordem jurídica. E, independentemente de existirem ou não legislações expressas de proteção, existem os princípios constitucionais que podem servir à doutrina e, sobretudo, à jurisprudência na tarefa de solucionar eventuais impasses, dizendo o direito, determinando as balizas e apontando as diretrizes à sociedade e ao Estado, compatíveis com a ordem constitucional.
Uma vez que a todos é garantida a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, a viabilidade do dever de proteção e de fiscalização desses direitos, em um Estado democrático, é necessariamente de interesse difuso e haverá de ser exercida pelo Poder Judiciário, haja vista os deveres que lhe são constitucionalmente atribuídos.
Todavia, sob o fundamento dos artigos 173 e 174 da Constituição, impõe-se ao Estado – o que compreende, naturalmente, o Poder Judiciário - que se abstenha de intervir e de pretender regular as atividades que sejam de exclusiva relevância de exploração e de autorregulação da iniciativa privada. Em outras palavras, nos interesses e obrigações próprias da iniciativa privada, o Estado não deve coarctar a liberdade dos agentes econômicos, especialmente quando derivada daquela de contratar.
Os limites de intervenção na liberdade dos agentes econômicos são constitucionalmente cogentes ao Estado democrático de Direito que tem, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa. Dessa forma, apesar de o bem-estar social e coletivo prescindir, para a sua manutenção e eficiência, de interferência do Poder Público, a livre iniciativa, inegavelmente também alicerçada nas demais garantias constitucionais ao desenvolvimento econômico, como regra, não se submete a um irrestrito controle do Estado (pois a fiscalização, o incentivo e o planejamento são determinantes apenas para o setor público e não para o privado).
Porém, neste difícil cotejo, apesar dos quase trinta anos de vigência da Constituição de 1988 e do ostensivo processo de redirecionamento da economia brasileira ao objetivo de justiça social e de existência digna ao ser humano, nota-se que a livre iniciativa, símbolo do Estado liberal e dogma do modo de produção capitalista, ainda tem sido frequentemente valorizada de forma equivocada.
A satisfação dos princípios para a ordem econômica haverá de se traduzir na busca atenta e permanente da conciliação do interesse privado com o público; no atendimento aos reclamos da economia como um todo; na identificação da atividade empresarial com as reivindicações sociais e que a reorganização do Estado brasileiro seja pautada pela ética e boa-fé.
Por fim, uma vez que a livre iniciativa deve ser exercida pelos agentes econômicos atendendo-se ao disposto no art. 170 da Constituição, e dentre tais parâmetros destaca-se a necessária observância à função social da propriedade (inciso III), é de se frisar que estes mesmos agentes econômicos possuem absoluta liberdade de dispor e de contratar quando e se o objeto não contrariar os demais princípios constitucionalmente reconhecidos como de ordem econômica, ou possa ser com eles compatibilizado.
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* Pós-doutoranda pelo PPGDIR da UFMA, bolsista do PNPD/CAPES. Doutora em Desenvolvimento e Direitos Humanos pelo PPGCCJ da UFPB e mestre em direitos humanos pelo mesmo programa. Bacharel em Direito pela USP. E-mail: ffranco.cristina@gmail.com
[1] Essa terminologia segue a normativa internacional e está de acordo com a Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais da OIT.
[2]Calcula-se que sejam em torno de 800 povos indígenas na região latino-americana, com uma população próxima de 45 milhões de pessoas, que se caracterizam por sua ampla diversidade demográfica, social, territorial e política, que vive desde situações de isolamento voluntário até grandes assentamentos urbanos (CEPAL, 2015, p. 6)
[3] Na Índia, por exemplo, os povos tribais preferem se identificar como "Adivasi", que significa, literalmente, “habitantes originais”. No entanto, na região nordeste do país, as comunidades preferem chamar-se de povos indígenas (OIT, 2009, p. 18). Na África e Ásia em geral, constituem-se como inúmeros e diversos povos tribais, muitos dos quais se identificam como indígenas. Na região latino-americana, os povos tribais são identificados sobretudo pelas comunidades étnicas afrodescendentes.
[4] Disponível em: < http://humanrights.americananthro.org/1947-statement-on-human-rights/ >.
[5]PIDCP- Artigo 1º. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude deste direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural (grifos nossos).
[6]O ayllu é uma forma de estrutura comunal e comunitária dos povos e comunidades andinas, baseada em concepções que remontam ao antigo Império Inca.
[7]Outras designações são: Suma qamaña (em aimara), ñandereco (vida harmoniosa, em guarani), qhapaj ñan (caminho ou vida nobre, em quíchua).
[8]Ayni é uma forma de comércio de ajuda mútua conhecido praticada tradicionalmente pelas comunidades indígenas dos Andes. Trata-se de sistema de trabalho da reciprocidade entre os membros do ayllu, que se ajudam mutuamente em suas tarefas.
[9]Trata-se de tradição pré-colombiana de serviços à comunidade ou grupo de voluntários para a utilidade social ou de caráter recíproco ainda hoje exercida, principalmente na Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Chile e Paraguai.
[10]A terminologia outro é bastante utilizada nos estudos pós-coloniais para se referir a tudo que não seja o eu, o ocidental, o dominante, o incluído, o eurocêntrico.
*Bacharel em Direito pela UniBrasil e Mestrando no PPGD UniBrasil. Email:igorfberga@gmail.com.
** Doutora em Educação pela PUC/PR, Mestre em Antropologia Social pela UFPR e Bacharel em Ciências Sociais pela UFPR. Professora Permanente do PPGD UniBrasil. Email: laura.both@unibrasil.com.br.
* Advogado. Doutor e Mestre em Direito pelo PPGD da UFPE. Professor do Curso de Direito da Universidadede Pernambuco – Campus Benfica/FCAP. Professor do Centro Universitário Tabosa de Almeida – ASCES-UNITA. Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho - APDT (Cadeira 11). Membro do Instituto Ítalo-Brasileiro de Direito do Trabalho - IIBDT. Presidente e Membro da Academia Luso-Brasileira de Ciências Jurídicas – ALBCJ. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq/UPE: Direito e os Conflitos Oriundos da Pós-modernidade.E-mail:oton.vasconcelos@upe.br;
**Doutor em Direito Internacional - Universitat de València (Espanha) - Título validado pela Universidade Federal de Pernambuco; (Mestrado) Diplomado em Estudos Avançados (DEA) - Universitat de València (Espanha); Graduado em Direito - Faculdade de Direito de Olinda (2001); Advogado. ATUAÇAO ACADÊMICA: Facultad de Derecho - Universitat de València (Espanha); Oxford University (Inglaterra); London SchoolofEconomics (Inglaterra); Universityof British Columbia (Canadá); Harvard University (Estados Unidos).
[11] (DUDH, 1948), artigo 20. 1 - Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.
[12] (DUDH, 1948), artigo 23. 4 - Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.
[13] (PDESC, 1966), artigo 8º - Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir:d) O direito de greve, exercido de conformidade com as leis de cada país.
[14] (CSE, 1996), artigo 6º - Direito à negociação colectiva - 4) O direito dos trabalhadores e dos empregadores a acçõescolectivas no caso de conflitos de interesses, incluindo o direito de greve, sob reserva das obrigações decorrentes das convenções colectivas em vigor.
[15](ARGENTINA, 1994).Constitución de la Nacion Argentina. Artículo 14 bis. […] Queda garantizado a los gremios: concertar convenios colectivos de trabajo; recurrir a la conciliación y al arbitraje; el derecho de huelga.
[16](BOLIVIA, 2009). Constitución Política del Estado., artículo 53. Se garantiza el derecho a la huelga como el ejercicio de la facultad legal de las trabajadoras y los trabajadores de suspender labores para la defensa de sus derechos, de acuerdo con la ley.
[17](BRASIL,1988), Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
[18](CHILE, 1980). Constitución Política de la República de Chile, artículo 19, 16... No podrán declararse en huelga los funcionarios del Estado ni de las municipalidades. Tampoco podrán hacerlo las personas que trabajen en corporaciones o empresas, cualquiera que sea su naturaleza, finalidad o función, que atiendan servicios de utilidad pública o cuya paralización cause grave daño a la salud, a la economía del país, al abastecimiento de la población o a la seguridad nacional.
[19](COLOMBIA, 1991). Constitución Política de la República de Colombia,artículo 56. Se garantiza el derecho de huelga, salvo en los servicios públicos esenciales definidos por el legislador.
[20](COSTA RICA, 1949). Constitución Política de Costa Rica,artículo 61. Se reconoce el derecho de los patronos al paro y el de los trabajadores a la huelga, salvo los servicios públicos, (…)
[21](CUBA). Não há registro sobre o exercício do direito de greve em sua constituição.
[22] (EL SALVADOR, 1983).Constitución de la República de El Salvador,articulo 48. Los trabajadores tienen derecho a la huelga y los patronos al paro.
[23] (ECUADOR, 2008). Constitución de la República de Ecuador, artículo 326, 14. Se reconocerá el derecho de las personas trabajadoras y sus organizaciones sindicales a la huelga.
[24](GUATEMALA, 1985). Constitución Política de la República de Guatemala, artículo 104.- Derecho de huelga y paro. Se reconoce el derecho de huelga y para ejercido de conformidad con la ley, después de agotados todos los procedimientos de conciliación.
[25] (HAITI, 1987).Constitution of Haiti, article. 35-5: Theright to strike isrecognizedunderthelimits set bylaw.
[26](HONDURAS, 1982). Constitución de la República de Honduras, artículo 128, 13. Se reconoce el derecho de huelga y de paro. La Ley reglamentará su ejercicio y poder someterlo a restricciones especiales en los servicios públicos que determine.
[27] (MÉXICO, 1917). Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos.Artículo 123. A, XVII. Las leyes reconocerán como un derecho de los obreros y de los patronos, las huelgas y los paros. XVIII. Las huelgas serán lícitas cuando tengan por objeto conseguir el equilibrio entre los diversos factores de la producción, armonizando los derechos del trabajo con los del capital.
[28] (NICARAGUA, 1948). Constitución Política de Nicaragua, artículo. 83. Se reconoce el derecho a la huelga.
[29] (PANAMÁ, 1972). Constitución Política de la República de Panamá, artículo 65.- Se reconoce el derecho de huelga. La ley reglamentará su ejercicio y podrá someterlo a restricciones especiales en los servicios públicos que ella determine.
[30] (PARAGUAY, 1992). Constitución del Paraguay, artículo 98. Todos los trabajadores de los sectores públicos y privados tienen el derecho a recurrir a la huelga en caso de conflicto de intereses. Los empleadores gozan del derecho de paro en las mismas condiciones.
[31] (PERÚ, 1993). Constitución Política del Perú, artículo 28. El Estado reconoce los derechos de sindicación, negociación colectiva y huelga. Cautela su ejercicio democrático: 1. Garantiza la libertad sindical. 2. Fomenta la negociación colectiva y promueve formas de solución pacífica de los conflictos laborales. La convención colectiva tiene fuerza vinculante en el ámbito de lo concertado. 3. Regula el derecho de huelga para que se ejerza en armonía con el interés social. Señala sus excepciones y limitaciones.
[32] (REPÚBLICA DOMINICANA, 2010). Constitución de la República Dominicana, artículo 62. 6. Para resolver conflictos laborales y pacíficos se reconoce el derecho de trabajadores a la huelga y de empleadores al paro de las empresas privadas, siempre que se ejerzan con arreglo a la ley, la cual dispondrá las medidas para garantizar el mantenimiento de los servicios públicos o los de utilidad pública.
[33](URUGUAY, 1967). Constitución de la República del Uruguay,Artículo 57. La ley promoverá la organización de sindicatos gremiales, acordándoles franquicias y dictando normas para reconocerles personería jurídica. Promoverá, asimismo, la creación de tribunales de conciliación y arbitraje. Declárase que la huelga es un derecho gremial. Sobre esta base se reglamentará su ejercicio y efectividad.
[34] (VENEZUELA, 1999).Constitución de la República Bolivariana de Venezuela, artículo 97. Todos los trabajadores y trabajadoras del sector público y del privado tienen derecho a la huelga, dentro de las condiciones que establezca la ley.
[35] Trabalhadores de todo mundo uni-vos (MARX, Karl; ENGELS,Friedrich, 2001) .
* Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Integrante do Grupo de Pesquisas “Políticas Públicas no tratamento dos conflitos”, vinculado ao CNPq. Advogado. E-mail: victor.priebe@hotmail.com.
** Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Campus Cachoeira do Sul. Advogado. E-mail: danieldottes@ig.com.br.
[36] Art. 2º, §1º da Resolução 195/14 do CNJ. “Entende-se por recursos de natureza não vinculada aqueles destinados ao pagamento de despesas não decorrentes de obrigações constitucionais ou legais.”
[37] O Poder Judiciário possui altos índices de congestionamento processual – sobre o assunto se recomenda a leitura do Relatório Justiça em Números (CNJ, 2015).
[38] O sentido de bem comum que se utilizou é aquele em que a comunidade define o que poderia igualmente beneficiar a todos. (CUNNINGHAM, 2009, p. 156)
* Docente Permanente e Coordenador Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa (PPGD/UNIPÊ). Docente Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (PPGCJ/UFPB). E-mail: ArmandoAlbuquerque@yahoo.com.br
[39] Huntington (1991) denominou de “ondas de democratização” os grandes movimentos em direção à democracia em escala mundial. As três ondas ocorreram respectivamente entre os anos de 1828 e 1926, de 1943 e 1962 e de 1974 e 1989.
[40]“Legados autoritários são regras, procedimentos, normas, padrões, práticas, disposições, relacionamentos e memórias originadas em uma experiência autoritária bem definida no passado, que como resultado de configurações históricas específicas e/ou lutas políticas, sobreviveram à transição democrática e intervém na qualidade e na prática das democracias pós-autoritarismo” (HITE e CESARINI, 2004, p. 4).
[41]“Através do globo, regimes elegeram democraticamente aqueles que, com frequência foram reeleitos ou confirmados por referendo, estão ignorando rotineiramente os limites constitucionais dos seus poderes e privando os cidadãos de direitos básicos. Estes fenômenos perturbadores - visível do Peru aos territórios palestinos, de Gana à Venezuela - poderiam ser chamados 'democracia' iliberal” (Zakaria, 2004, p. 17).
[42]Schumpeter se refere, mais precisamente, às doutrinas de Rousseau, James Mill, John Stuart Mill e Jeremmy Bentham.
[43] De maneira geral adota-se a dicotomia democracia-autoritarismo.
[44]Schumpeter (1961, p. 346) “Se desejarmos enfrentar os fatos honestamente, devemos reconhecer que nas democracias modernas de todos os tipos, com exceção da suíça, a política inevitavelmente será uma carreira”.
[45] Lins e Stepan (1996, p. 17) também chamam a atenção para o que eles denominam de um problema de stateness. “Quando há profundas diferenças sobre os limites territoriais do Estado da comunidade política e profundas diferenças sobre quem tem o direito de cidadania no Estado, há o que nós chamamos um problema de stateness”.
[46] Huntington inclui entre os regimes não democráticos as monarquias absolutistas, os impérios burocráticos, as oligarquias, as aristocracias, os regimes constitucionais com sufrágio limitado, os despotismos pessoais os regimes fascistas e comunistas, as ditaduras militares, etc.
[47] Adam Przeworski (2000, p. 337) “O principal argumento em defesa da democracia é precisamente que se a disputa nas eleições é livre, se a participação é generalizada e se os cidadãos desfrutam de liberdades políticas, então os governos atuarão orientados para prover os melhores interesses das pessoas”.
[48] O Democracy Index, publicação do Economist Intelligence Unit, faz uma crítica a esta concepção mínima de democracia e propõe uma definição mais ampla que contempla cinco dimensões: processo eleitoral e pluralismo; funcionamento do governo; participação política; cultura política; e, liberdades civis (ALBUQUERQUE, 2012)
[49] Para maiores detalhes ver a metodologia da FH no relatório Freedom in the World 2014.
[50] O caso Clarín ilustra bem esta violação.
[51]“No Equador, na Venezuela e na Bolívia, a Justiça é acusada pela oposição e setores da sociedade de ser um dos principais aliados do poder. Na Argentina, como no Equador, muitos juízes são substitutos, ou seja, facilmente removíveis pelo governo. No caso dos argentinos, esta categoria representa hoje cerca de 30% do total de magistrados do país. No Equador, um juiz “temporário” (com menos estabilidade ainda) esteve encarregado do processo iniciado pelo presidente Rafael Correa contra o jornal “El Universo”, no qual três diretores do diário e o jornalista Emilio Palácio (exilado nos EUA) foram condenados a três anos de prisão e multa de US$ 40 milhões pela publicação de um artigo de opinião sobre a atuação do presidente. Correa terminou perdoando-os com a pressão internacional” (FIGUEIREDO, 2013).
[52] Entre1998 e 2012 Chaves participou de oito consultas populares entre eleições e referendos
(ver Miranda In:LAPSKY; SCHURSTER; SILVA, p. 233 e 234).
[53] A Transparency International mensura anualmente numa escala de 0 a 100 a percepção da corrupção em 175 países no mundo. Quanto menor o escore, maior o nível de percepção da corrupção. Eis as respectivas classificações e escores dos 18 países aqui analisados: Venezuela, 106º e 20; Paraguai 150º e 24; Honduras 140º e 26; Nicarágua 127º e 28; Guatemala 126º e 29; R. Dominicana 123º e 29; México 106º e 34; Bolívia 106º e 34; Argentina 106º e 34; Equador 102º e 35; Panamá 102º e 35; Colômbia 94º e escore 36; Peru 83º e 38; El Salvador 83º e 38; Brasil 72º e 42; Costa Rica 49º e 53; Chile 22º e 71; Uruguai 19º e 73 (CORRUPTION PERCEPTION INDEX2013).
*Mestre e doutora pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), professora associada da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR e PUCPR. Artigo realizado no âmbito do Projeto aprovado na Chamada Públicanº 24/2012: Programa Universal / Pesquisa Básica e Aplicada da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná. E-mail: marcia.ribeiro@pucpr.br.
**Mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento, pelo programa de Mestrado Interinstitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUC/PR. Defensor Público do Estado de Rondônia. E-mail: zezaoopm@gmail.com.
[54]Nos países de língua espanhola a nomenclatura usualmente utilizada para designar o órgão Defensoria Pública é "defensa pública" (MELO, 2012).
[55] “Esta foi, sem dúvida, uma das principais inovações em termos de acesso à justiça na América do Sul, em grande parte inspirada na Constituição espanhola de 1978. O ombudsman ou defensor delpueblo, como ficou conhecido na maior parte dos países de língua espanhola, é uma figura vinculada à defesa e à proteção dos direitos fundamentais do homem que remonta à República Romana.[...] Nos países iberoamericanos sua primeira aparição ocorre nas constituições democráticas de Portugal (1976) e Espanha (1978) e dali se expande para vários países da América Latina, como o território de Porto Rico (1977), Guatemala (1985), México (1990), El Salvador (1991), Colômbia (1991), Costa Rica (1992), Paraguai (1992), Honduras (1992), Peru (1993), Argentina (1993), Bolívia (1994), Nicarágua (1995), Equador (1996) e Panamá (1997). Atualmente, Venezuela e Uruguai desenvolvem estudos nesse sentido (MAIORANO, 1986a e 1986b). Apesar das especificidades, o funcionário que recebe as funções de ombudsman tem algumas atribuições que podem ser generalizadas: independência frente aos partidos; investidura pelo Legislativo; atribuição de ouvir queixas do público contra injustiças, abusos ou erros da administração pública estatal; poderes de investigar, criticar e dar publicidade às ações administrativas” (D´ARAÚJO, 2001, p.155).
* Rogério Gesta Leal é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Doutor em Direito. Prof. Titular da UNISC. Professor da FMP. E-mail: rleal@unisc.br
** Caroline Fockink Ritt é doutoranda em Direito na UNISC, orientanda do professor Rogério Gesta Leal. Mestre em Direito e Professora de Direito Penal da UNISC. E-mail: rittcaroline@unisc.br
[56] Pero, no nos enganemos, la corrupción no es um fenómeno de hoy. SÉNECA escribió hace muchos siglos que lá corrupción es um vicio de los hombres, no de los tempos.
[57] Aunque el fenómeno es tan viejo como el hombre mismo, o, más exactamente, desde la aparición del poder, al que, como se há dicho entre nosotros, la corrupción acompaña como la sombra al cuerpo, lo cierto es que ha sido en el último cuarto del siglo XX cuando ante la generalización y cotas alcanzadas se produjo una preocupación sobre él, em ciertos sectores. Tanto la esfera pública como en la privada. Porque la corrupción está estrechamente vinculada al poder, a todo poder, al político y al económico, entre los que existe una íntima relación.
[58] What is corruption? One of the difficulties of studying corruption lies in defining it. While it may appear to be a semantic issue, how corruption is defined actually ends up determining what gets modelled and measured. Although it is difficult to agree on a precise definition, there is consensus that corruption refers to acts in which the power of public office is used for personal gain in a manner that contravenes the rules of the game.
[59] The causes of corruption are always contextual, rooted in a country's policies, bureaucratic traditions, political development, and social history. Still, corruption tends to flourish when institutions are weak and government policies generate economic rents.
[60] The term corruption covers a broad range of human actions. To understand its effect on an economy or a political system, it helps to unbundle the term by identifying specific types of activities or transactions that might fall within it. In considering its strategy the Bank sought a usable definition of corruption and then developed a taxonomy of the different forms corruption could take consistent with that definition. We settled on a straightforward definition—the abuse of public office for private gain. Public office is abused for private gain when an official accepts, solicits, or extorts a bribe. It is also abused when private agents actively offer bribes to circumvent public policies and processes for competitive advantage and profit.
[61] La corruption est un comportement pénalement répréhensible par lequel une personne (le corrompu) sollicite, agrée ou accepte un don, une offre ou une promesse, des présents ou des avantages quelconques en vue d'accomplir, de retarder ou d'omettre d'accomplir un acte entrant d'une façon directe ou indirecte dans le cadre de ses fonctions.
[62] Corrupción es la acción y efecto de corromper (depravar, echar a perder, sobornar a alguien, pervertir, dañar). El concepto, de acuerdo al diccionario de la Real Academia Española (RAE), se utiliza para nombrar al vicio o abuso en un escrito o en las cosas no materiales. La corrupción, por lo tanto, puede tratarse de una depravación moral o simbólica.
[63] Theft of state assets by officials charged with their stewardship is also corruption. An extreme form is the large-scale "spontaneous" privatization of state assets by enterprise managers and other officials in some transition economies. At the other end of the scale is petty theft of items such as office equipment and stationery, vehicles, and fuel. The perpetrators of petty theft are usually middle- and lower-level officials, compensating, in some cases, for inadequate salaries. Asset control systems are typically weak or nonexistent, as is the institutional capacity to identify and punish wrongdoers.
[64] “En otro sentido, la corrupción es la práctica que consiste en hacer abuso de poder, de funciones o de medios para sacar un provecho económico o de otra índole.”
[65] El tráfico de influencias, el soborno, la extorsión y el fraude son algunas de las prácticas de corrupción, que se ven reflejadas en acciones como entregar dinero a un funcionario público para ganar una licitación o pagar una dádiva o coima para evitar una clausura. A la corrupción se encadenan otros delitos, ya que el corrupto suele incurrir en la práctica para permitir o solicitar algo ilegal. Un policía resulta corrupto si recibe dinero de un hombre para que le permita robar en una casa sin intromisión policial. En este caso, se juntan dos delitos: el acto de corrupción y el robo.
[66] Enquanto o “índice de percepção da corrupção” reflete a percepção da corrupção pelos empresários e por outros analistas, o “barômetro global da corrupção” mede seu impacto sobre as pessoas por ela afetadas. Essa medição, que não é realizada com a elaboração de um índice unitário, é integrada por múltiplos referenciais da análise, permitindo a visualização do impacto causado pela corrupção sob diferentes ângulos.
[67] The average score on the 2016 Corruption Perceptions Index was 44 out of 100 for the Americas. Anything below 50 indicates governments are failing to tackle corruption. In many parts of the region, impunity continues to be a major problem. Even in countries where cases of large-scale corruption are being tackled, the risk remains that this is the result of the efforts of a small group of brave individuals rather than a long-term plan. Venezuela, with a score of 17, is the lowest scorer in the region. Last year saw hundreds of thousands of citizens protesting against the government. In Mexico, while the government tries to clean the country’s image through a series of reforms, corruption scandals continue to escalate and the President’s approval rating is at its lowest ever. With a loss of 5 points in this year’s index, Mexico is the region’s biggest decliner.
[68] Let's get straight to the point: No country gets close to a perfect score in the Corruption Perceptions Index 2016.Over two-thirds of the 176 countries and territories in this year's index fall below the midpoint of our scale of 0 (highly corrupt) to 100 (very clean). The global average score is a paltry 43, indicating endemic corruption in a country's public sector. Top-scoring countries (yellow in the map below) are far outnumbered by orange and red countries where citizens face the tangible impact of corruption on a daily basis.
[69] This year’s results highlight the connection between corruption and inequality, which feed off each other to create a vicious circle between corruption, unequal distribution of power in society, and unequal distribution of wealth. In too many countries, people are deprived of their most basic needs and go to bed hungry every night because of corruption, while the powerful and corrupt enjoy lavish lifestyles with impunity.”– José Ugaz, Chair of Transparency International.
[70] 2016 was also notable in that large corruption investigations continued to jump across national borders. On cases from Odebrecht to Petrobras and FIFA, we see increasing communication and cooperation among regulators and law enforcement throughout the region and also with their counterparts in Europe and the United States. The fight against corruption has dominated discussion in the Americas for years now, from online and traditional media to mass protests. One thing is clear though: even if 2016 marks the start of a shift towards more active enforcement by authorities in response to these public demands, there is still a long way to go.
[71] The prevailing view is that corruption has adverse effects on investment and economic growth. A payment of a bribe to get an investment licence, for example, clearly reduces the incentive to invest (BARDHAN, 1997, p. 1327). Corruption, particularly political or “grand” corruption, distorts the decision-making process connected with public investment projects (TANZI; DAVOODI, 1997). Corruption is likely to increase the number of projects undertaken in a country, and to change the design of these projects by enlarging their size and complexity. The net result is an increase in the share of public investment in GDP, a fall in the average productivity of that investment and (because of budgetary constraints) a possible reduction in some other categories of public spending, such as operation and maintenance, education and health. As a consequence, the rate of growth of a country decreases.
[72] The poor suffer. While poverty assessments have focused more on measuring poverty than explaining it, anecdotal and survey evidence reveal the cost of petty corruption to the poor. When access to public goods and services requires a bribe, the poor may be excluded. Given their lack of political influence, the poor may even be asked to pay more than people with higher incomes. Furthermore, when corruption results in shoddy public services, the poor lack the resources to pursue "exit" options such as private schooling, health care, or power generation.
[73]Pero la corrupción perjudica a los pueblos pobres de los países em desarrollo en forma desproporcionada. Afecta su vida cotidiana de muchas maneras diferentes y tiende a empobrecerlos aún más, al negarles su participación legítima en los recursos económicos o en la ayuda que salva vidas.
La corrupción pone los servicios públicos básicos fuera del alcance de los que no pueden darse el lujo de pagar sobornos. Al desviar los escasos recursos destinados al desarrollo, la corrupción también hace más difícil satisfacer necesidades fundamentales, como las de alimentación, salud y educación.
Crea discriminación entre los diferentes grupos de la sociedad, trae desigualdad e injusticia, desalienta la inversión y la ayuda extranjera y obstaculiza el crecimiento. Es, por consiguiente, un obstáculo importante a la estabilidad política y al éxito del desarrollo social y económico.
[74]. Corruption is a complex phenomenon. Its roots lie deep in bureaucratic and political institutions, and its effect on development varies with country conditions. But while costs may vary and systemic corruption may coexist with strong economic performance, experience suggests that corruption is bad for development. It leads governments to intervene where they need not, and it undermines their ability to enact and implement policies in areas in which government intervention is clearly needed—whether environmental regulation, health and safety regulation, social safety nets, macroeconomic stabilization, or contract enforcement.
[75] Ahora se entiende perfectamente que la corrupción mina los resultados económicos, debilita las instituciones democráticas y el Estado de derecho, perturba el orden social y destruye la confianza pública, permitiendo de esta forma que prosperen la delincuencia organizada, el terrorismo y otras amenazas para la seguridad humana.
[76] Ningún país —rico o pobre— es inmune a ese fenómeno maligno. Tanto el sector público como el privado resultan afectados. Y es siempre el bien público el que sufre.
*Master degree student in Economic and Socio-environmental Law at PUCPR and Bachelor in Law from PUCPR. Member of the Core of Research in Public Policies and Human Development and of the Core of Research Studies in Taxation, Complexity, and Development. Lawyer. Email: amandaluiza@oliveirapinto.com.br
**Master degree student in Economic and Socio-environmental Law at the Pontifical Catholic University of Paraná (CAPES Scholarship). Specialist in Public Law from the School of the Federal Magistrature of Paraná. Specialist in Administrative Law by the Romeu Felipe Bacellar Law Institute. Bachelor in Law from the Federal University of Paraná, with qualification in State Law. Researcher at the Core of Constitutional Investigations in Theories of Justice, Democracy,and Intervention, of the Graduate Program in Law of the Federal University of Paraná. Researcher at the Center for Research in Public Policies and Human Development, linked to the Masters and Doctorate Programs in Law of PUCPR. Volunteer conciliator at the Judicial Center for Conflict Resolution and Citizenship of the Judiciary of Curitiba. Email: barbarabmmab@gmail.com
***Master degree student in Economic and Socio-environmental Law at PUCPR (CAPES Scholarship) and Bachelor in Law from PUCPR. Member of the Core of Research in Public Policies and Human Development, of the Center for Advanced Studies in Labor and Socioeconomic Law and of the Core of Research Studies in Taxation, Complexity, and Development. Member of the Racial Equality Commission of OAB/PR. Lawyer. Email: m.okf@hotmail.com
[77] “Conventions and Treaties dealing specifically with the subject: Hague Conventions IV and V on the Rights and Duties of Neutral Powers and Persons in the Land War Case of 1907 (Articles 4 and 6 respectively), the American Declaration (Article 27), the Universal Declaration of Human Rights of 1948 (Articles 2, 3, 14, 18 and 21), the Third Geneva Convention on the Treatment of Prisoners of War of 1949 (Articles 87, 100, 109 and 118), the Fourth Geneva Convention on the Protection of Civilian Persons in Time of War (Articles 44, 51, 70, § 2), Protocol I Additional to the Geneva Conventions of 1949 (Articles 47, 51 §6, 58, 73), the European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms of 1950 (Article 141), the 1954 Convention relating to the Status of Stateless Persons, the Convention on the Reduction of The 1961 Statelessness Cases (both with no specific articles, but relevant in their entirety due to the similarity between the situation of stateless persons and refugees, since none of them has state protection), the International Covenant on Civil and Political Rights and the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights 1966 (both also without specific articles, but important for ensuring a wide range of human rights for all individuals) and the 1969 American Convention on Human Rights (Article 22, § 7)”.(Free translation.) (JUBILUT, 2007,p.89-91).
[78] “Paragraph 6. The entry of immigrants into the national territory shall be subject to the restrictions necessary to guarantee the ethnic integration and physical and civil capacity of the immigrant. However, the immigration of each country may not exceed two per cent of the total number of the respective nationals fixed in Brazil during the last fifty years. “E” Paragraph 7 - The concentration of immigrants is prohibited in any part of the territory of the Union, and the law should regulate the selection, location and assimilation of the alien.” (Free translation.) (BRAZILIANCONSTITUTION, 1934.)
[79] Article 354 - The proportionality shall be of 2/3 (two thirds) of Brazilian employees, but, in the meantime, lower proportionality may be established, in accordance with the special circumstances of each activity, through an act of the Executive Branch, and after being duly determined by the Department of National Labor Office and by the Statistics and Labor Statistics Service, the insufficiency of the number of Brazilians in the activity in question. (Free translation.) (CONSOLIDATION OF LABOR LAWS, 1943).
[80] Art. 5: “Everyone is equal before the law, without distinction of any kind, guaranteeing to Brazilians and foreigners residing in the country the inviolability of the right to life, liberty, equality, security and property [...]”. (Free translation.) (BRAZILIAN CONSTITUTION, 1934).
[81]This percentage has been reduced due to the increase in the granting of humanitarian visas to the Haitians, according to César Augusto S. da Silva and Thays de Mello Moraes: “a decisão do governo brasileiro em indeferir os pedidos de refúgio dos haitianos, encaminhando-os diretamente para o CNIG (Conselho Nacional de Imigração, ligado ao Ministério do Trabalho - que lhes concedem o visto humanitário), parece ferir diretamente o direito dos haitianos de solicitarem refúgio, garantido pela própria legislação brasileira”. (SILVA; MORAES, 2016, p.99).
[82]Free translation.
[83] From the cultivation of the land to the cultivation of a faculty, from state to action, from universal to particular, diverse were the forms of understanding of that term. Despite the original thirteenth-century concept and the changes undergone over time, the initial conception of the term “culture” is still used.
[84]Free translation.
[85] The authors also stress that “for each culture, there is a specific, different humanity that can only be understood from within itself. Hence, we should not speak of humanity, but of humanities (plural).”
[86] Daniel Wunder Hachem argues that fundamental economic, social, cultural, and environmental rights have individual and transindividual ownership. For further analysis, check HACHEM, 2013.
[87] Article 216: “Assets of a material and immaterial nature, taken individually or jointly, bear a reference to the identity, action, and memory of the different formative groups of the Brazilian society, which include: I - forms of expression, II - the ways of creating, doing and living, III - scientific, artistic and technological creations, IV - works, objects, documents, buildings and other spaces destined to artistic and cultural manifestations; and sites of historical, landscape, artistic, archaeological, paleontological, ecological and scientific value.” (Free translation.) (BRAZILIAN CONSTITUTION, 1988).
[88] UNESCO is the United Nations agency responsible for culture.
[89] The author reinforces that in this neoliberal perspective, the State collects and transfers its decision-making power to the market, as an alternative to direct financing of culture.
[90] Among them, it is possible to mention, by law, the establishment of commemorative dates of high significance for the different national ethnic segments and the protection of manifestations of popular, indigenous and Afro-Brazilian cultures, and those of others Groups participating in the national civilizational process. Constitutional Amendment no. 48 of 2005 added that the National Culture Plan, in a period of one year, will be established by law, aiming at the cultural development of the country and the integration of public actions that lead to: (i) defense and valorization of Brazilian cultural heritage; (ii) production, promotion and dissemination of cultural goods; (iii) training of qualified personnel for the management of culture in its multiple dimensions; (iv) democratization of access to cultural goods; and (v) enhancement of ethnic and regional diversity.
[91] In addition to this, the following laws are also highlighted: the Audiovisual Law (Law no. 8,685 of 1993), Provisional Measure no. 2,228-1 of 2001, also oriented to the audiovisual sector, and Law no. 12,761 of 2013, which creates the “Vale-Cultura”, an incentive mechanism that innovates by directing its resources to stimulate the cultural consumption of Brazilian workers.
[92] The system of federal funding for culture, according to the principles established in “Pronac”, is given in particular by two contributions: the resources to which the State resigns by means of the incentive laws, which are added to the complementary private financing; and budgetary resources, in particular those of the National Fund for Culture (FNC).
[93]“A universal perspective of the guarantee of rights can and should coexist with a cultural perspective that recognizes in the social, economic and artistic elements perspectives that transform each person into a unique and at the same time social, communitarian.” (Free Translation.) (OLSEN, 2015, p. 137.)
[94] On the international protection of economic, social and cultural human rights, check (PIOVESAN, 2003) e (MELLO, 2003).
[95]Ingo Sarlet distinguishes “fundamental rights” from “human rights” insofar as the former are those rights recognized and affirmed within the framework of the positive constitutional law of a particular State. The second expression refers to international rights documents, regardless of theirs. These rights tend to the universal validity, for all times and peoples, in such a way that they reveal a clear transnational character (SARLET, 2015 [1]).
[96] Ingo Sarlet emphasizes that “with regard to the legal force of fundamental rights derived from international treaties, it is necessary to consider that, by adhering to the thesis of parity with the other fundamental rights of the Constitution, there is also the principle of direct applicability of these rules by the public authorities (Article 5, paragraph 1, of the CF)” (Free translation) (SARLET, 2015, p. 126 [2]).
[97] Senate Bill no. 288 of 2013 - Among the principles of the law are the guarantee to the immigrant of equality with nationals, inviolability of the right to life, liberty, equality, security and property and access to Public health and education services, as well as registration of documentation that allows entry into the labor market and the right to social security.
Immigrants may also hold a position, job and public function, as defined in public notice, except for contests reserved for native Brazilians. In addition, the new law provides for the repudiation of xenophobia and racism and any other form of discrimination as principles of the country's migration policy, guaranteeing migrants the right to participate in protests and trade unions and also broadens access to justice and the right to Protection of migrants.
[98] In São Paulo, the “Cultural Embrace” (institution that promotes courses with refugees) promotes classes with refugee teachers, which are lessons of their mother tongue. These programs should be more publicized and easier access, as it is located only in the neighborhood of large cities (São Paulo and Rio de Janeiro).
[99]For example, SESC Paraná promoted the “Cinema in the Square”, outdoors, free of charge. In São Paulo, SESC promotes the “Slam de Poesias” - it would be a small poetry contest, every last Friday of the month, next to the Guilhermina-Esperança subway. In Rio de Janeiro, SESC promotes the famous “Cultural Roda”, with activities of theater, music, visual arts, literature and film shows. Also in Belo Horizonte, SESC brings the “Causes and Viola das Gerais” program, which aims to valorize and rescue two important manifestations ofMinas Gerais culture: the accountant of wounds, a legendary figure, popular, attractive in the eyes of the public; And the viola player. The criticism is that such assiduously occurring activities could include refugees, who only participate in sporadic events intended for their culture.
[100] Of course, such activities are not null in Brazil. For example, in São Paulo, there are possible meetings held by SESC to integrate refugee culture in Brazil, such as the “World Play Week”, which will take place this year (2017), with the purpose of bringing and showing the Traditional games of refugee children for Brazilian children. What is wanted with this article is to demonstrate that such events are possible and are not sufficient to address the problem of cultural diversity, rather than little publicized.
* Doutorado em Direito Público pela Universitat Pompeu Fabra, Barcelona, Espanha. Professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). E-mail: iranicemuniz@yahoo.com.br.
[101]Ecovárzea (Associação dos Agricultores e Agricultoras da Várzea Paraibana) e Ecosul (Associação dos Agricultores e Agricultoras do Litoral Sul Paraibano).
*Graduado pela Faculdade de Direito de Bauru (ITE). Mestrando em Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social pela Universidade de Marília (UNIMAR). Advogado. Agente de Controle Interno da Câmara Municipal de Jahu/SP. E-mail: du.devides@gmail.com.
**Graduado em Direito pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Doutor e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD-UnB). Advogado. Professor do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR). E-mail: danielbarile@hotmail.com.
[102] Os direitos fundamentais encontram-se positivados no artigo 5o da Constituição Federal de 1988. Todavia, não são taxativos, pois de acordo com o § 2o do art. 5o, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Além disso, existem outros direitos fundamentais que a CF/88 alberga e que não se encontram situados no art. 5o, , sendo relacionados à existência digna da pessoa humana, como são os casos do princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, “b”) e o direito à alimentação (arts. 6, caput e art. 7o, IV).
[103] Nesta geração, assim como na anterior, exige-se um comportamento proativo do Estado para que sejam efetivados os direitos coletivos.
[104] Sem prejuízo das penalidades previstas no Código Penal, notadamente em relação aos artigos 312 e seguintes, que se referem aos crimes contra a Administração Pública.
* Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Cursa LLM em Direito Empresarial (FGV). Membro do Grupo de Pesquisa “Pragmatismo Jurídico, Teorias da Justiça e Direitos Humanos”.Advogada, Professora e Consultora jurídica. Contato: E-mail:mariana@mmcavalcanti.com.br.
**Doutor em Teoria do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Centro de Ensino Superior de Maceió (CESMAC) e Universidade Tiradentes (UNIT).Contato: E-mail:adrualdocatao@gmail.com.
[107]Aqui, o autor faz referência a (ASPERS, P; BECKERT, J. 2008). Märkte.In A. Maurer (Ed.), Handbuch der Wirtschaftssoziologie (p. 225–246). Wiesbaden: VS-Verlag. Tradução livre do original: “Markets are arenas of social interaction. They provide a social structure and institutional order for the voluntary exchange of rights in goods and services, which allow actors to evaluate, purchase, and sell these rights”.
[108] Murray Rothbard faz questão de salientar a relação umbilical entre o direito de propriedade e o processo de trocas. Para ele, “os economistas se referiram inúmeras vezes ao ‘livre mercado’ como um arranjo social de trocas voluntárias de bens e serviços. Contudo, apesar deste tratamento pomposo, tal análise desconsidera as implicações mais profundas da livre troca. Deste modo, o fato da livre troca significar troca de títulos de propriedade tem sido negligenciado e, portanto, o economista é obrigado a averiguar as condições e a natureza do título de propriedade que poderia ser obtido em uma sociedade livre. Se sociedade livre significar um mundo em que ninguém agride a pessoa ou a propriedade de outrem, então isso sugere uma sociedade na qual cada indivíduo tem absoluto direito de propriedade sobre si e sobre os recursos naturais, antes sem dono, que descobrir e transformar pelo trabalho, e então, dá-los ou trocá-los com outros indivíduos” (ROTHBARD, 2012, p.21).
[109] Neste ponto, pertine salientar que, tradicionalmente, a Análise Econômica do Direito está associada à abordagem econômica da Escola de Chicago, razão pela qual inova, o presente trabalho, em apresentar substrato teórico-econômico diferenciado para embasar sua metodologia.
[110] Registramos aqui a crítica aos conceitos jurídicos indeterminados relativos à “segurança nacional” e “relevante interesse coletivo” utilizados pelo constituinte, deixando uma ampla margem de discricionariedade ao legislador ordinário para assim classificar determinadas situações de exploração direta da atividade econômica pelo Estado, hipótese que, em regra, deveria ser estritamente excepcional. Como exemplo, temos o caso do monopólio da EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e as inúmeras participações societárias do Poder Público em empresas de saneamento e fornecimento de energia.
[111]Necessário creditar a tríplice classificação das normas constitucionais a José Afonso da Silva, que observa: “temos que partir, aqui, daquela premissa já tantas vezes enunciada: não há norma constitucional alguma destituída de eficácia. Todas elas irradiam efeitos jurídicos, importando sempre uma inovação da ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da constituição a que aderem e a nova ordenação instaurada [...]. Se todas têm eficácia, sua distinção, sob esse aspecto, deve ressaltar essa característica básica e ater-se à circunstância de que se diferenciam tão-só quanto ao grau de seus efeitos jurídicos. É insuficiente, a nosso ver, separá-las em dois grupos, como insinuam certos autores: a) normas constitucionais de eficácia plena, que seriam aquelas de imediata aplicação; b) normas constitucionais de eficácia limitada, distinguindo-se estas, ainda, em: 1) normas de legislação e 2) normas programáticas [...] Em vez, pois, de dividir as normas constitucionais, quanto à eficácia e aplicabilidade, em dois grupos, achamos mais adequado considerá-las sob tríplice característica, discriminando-as em três categorias: I – normas constitucionais de eficácia plena; II – normas constitucionais de eficácia contida; III – normas de eficácia limitada ou reduzida”(SILVA, 1998, p 81-82).
[112]Cabe esclarecer que o excedente do consumidor é a diferença entre a valoração do consumidor para o bem considerado (ou sua disposição de pagar por ele) e o preço que efetivamente tem que pagar. Exemplo: o consumidor estaria disposto a pagar até R$ 50,00 por um determinado produto, que está à venda a R$ 20,00. Logo, o excedente do consumidor corresponde a R$ 30,00. Já o excedente individual do produtor é o lucro que ele perfaz ao vender o bem, enquanto, globalmente considerado, o excedente do produtor é a soma de todos os lucros auferidos pelos produtores daquela indústria.
[113] Cf. a interessante exposição de Posner sobre o autor também para aplicá-lo ao conceito de democracia. In POSNER, Richard A. Direito, Pragmatismo e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.191.
[114] Cabe remeter ao art. 88 da Lei nº 12.529/11:
Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e
II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
§ 1oOs valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça.
§ 2oO controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda[...].
[115]Tradução livre do original: “Markets contain not only the element of exchange but are characterized by competition, which means that the existence of a market presupposes at least three actors: one on one side of the market confronting at least two other actors on the other side whose offers can be compared. “A market may be said to exist wherever there is competition, even if only unilateral, for opportunities of exchange among a plurality of potential parties” (WEBER, 1985, Vol. 1, p. 635). Actors on both sides of the market interface have partly similar and partly conflicting interests: while they must both be interested in the exchange of a good, they have conflicting interests regarding the price and other specifications of the contract from which a “price struggle” between them emerges that results—if the exchange is to take place—in a compromise between the exchange partners”
[116]Traduzidolivremente do original: “In propounding the doctrine of partial equilibrium, Marshall introduced the perverse concept of the “representative firm”—an alleged average firm, some multiple of which was supposed to constitute an industry. This concept destroyed economic theory’s ability to recognize even the possibility of competition. This was because if all firms in an industry were in fact perfectly equal, no basis could exist for any of them winning out in competition, or, therefore, for attempting to compete in the first place. Not surprisingly, the acceptance of the concept of the representative firm led some decades later to the conclusion (regarded at the time as a revolutionary discovery) that no reason existed for a sizable firm ever to cut its price, except in conditions in which it would pay a single-firm “monopoly” to do so. This was because its competitors, all of whom were supposed to be just as efficient as it was, would immediately match its cut. […] The solution for this alleged state of affairs is supposed to be a radical antitrust policy, which would fragment all large businesses, or else the nationalization of such businesses and/or government control over their prices—and further policies that would force firms in the same industry to produce identical, indistinguishable products. Since the 1930s, this doctrine and its elaboration have constituted the substance of the theoretical content of most textbooks of “microeconomics”.
[117]Tradução livre do original: “What the "pure and perfect competition" doctrine seeks is the abolition of competition among producers. Its "ideal" is a state in which no producer is able to take any business away from another producer. […] This "concept" divorced from reality, this Platonic "ideal of perfection" drawn from non-existence to serve as the "standard" for judging existence, is one of the principal reasons why businessmen have been imprisoned, major corporations broken up and others prevented from expanding, and why economic progress has been retarded and the improvement of man's material well-being significantly undercut.
[118]Tradução livre do original: “The measure of value is entirely subjective in nature, and for this reason a good can have great value to one economizing individual, little value to another, and no value at all to a third, depending upon the differences in their requirements and available amounts. What one person disdains or values lightly is appreciated by another, and what one person abandons is often picked up by another. While one economizing individual esteems equally a given amount of one good and a greater amount of another good, we frequently observe just the opposite evaluations with another economizing individual”.
[119]HAYEK, Friedrich A. Individualism and social order.Chicago: University of Chicago Press, 1948, p. 105. No original: “Yet the current tendency in discussion is to be intolerant about the imperfections and to be silent about the prevention of competition”.
* Professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba; Advogado Criminalista; Doutor em Direito pela Universidade de Valência; E-mail: romulo.palitot@uv.es.
** Professor do Centro Universitário de João Pessoa - Unipê, Diretor da Escola de Gestão Penitenciaria do Estado da Paraíba; Especialista, Mestre e Doutor em DH pela UFPB; E-mail: mazukyevicz@hotmail.com.
*** Mestra na área de concentração em Direitos Humanos do PPGCJ da Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, Paraíba; E-mail: tamisain@hotmail.com.
*Doutora em Direito das Relações Sociais, Área de Concentração em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. E-mail: Anaclaudiazuin@live.com.
**Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina-PR. E-mail: maiaraszsantana@gmail.com.
[120] Lei 9.610/98. Art. 7. Caput. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; [...].
[121] Disponível em: < http://blog.futurecom.com.br/beneficios-cloud-computing-estao-conquistando-empresas-brasileiras/>. Acesso em: 21.09.2016.
[122] O conceito trazido pelos autores define a Computação em nuvem como: A large-scale distributed computing paradigm that is driven by economies of scale, in which a pool of abstracted, virtualized, dynamically-scalable, managed computing power, storage, platforms, and services are delivered on demand to external customers over the Internet.
[123]O conceito cunhado pelo National Institute of Standards and Technology (NIST) dos Estados Unidos, define a computação em nuvem como: Cloud computing is a model for enabling ubiquitous, convenient, on-demand network access to a shared pool of configurable computing resources (e.g., networks, servers, storage, applications, and services) that can be rapidly provisioned and released with minimal management effort or service provider interaction. This cloud model is composed of five essential characteristics, three service models, and four deployment models.
[124] Definição do site Canal Comstor, especializado em TI. Disponível em: <http://blogbrasil.comstor.com/bid/334188/O-que-um-Data-Center>.
[125] A notícia foi publicada no site JURISCIÊNCIA, disponível em: <http://www.jurisciencia.com/noticias/google-condenado-por-comercializacao-de-produtos-piratas-feita-por-usuarios-do-orkut/928/>. Acessado em: 24 ago. 2016.
[126]Lei 12.965/2014. Art. 19: Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
[127] Texto fruto do Grupo de Pesquisa Bases Jurídicas para o aperfeiçoamento da Gestão fiscal no Estado de Alagoas, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas - FAPEAL.
*Filipe Lôbo Gomes. Doutor em Estado, regulação e tributação indutora na UFPE. Procurador Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.Professor das Faculdades de Direito da Universidade Federal de Alagoas e do Centro de Estudos Superiores de Maceió - CESMAC, lecionando as disciplinas Direito Administrativo e Direito Econômico. Coordena o Grupo de Pesquisa Bases Jurídicas para o aperfeiçoamento da Gestão fiscal no Estado de Alagoas.E-mail: filipelobo@uol.com.br
[128] Trata-se da escola do New Haven. Cf. CYRINO, André Rodrigues. Direito constitucional regulatório: elementos para uma interpretação institucionalmente adequada da Constituição econômica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 150.
[129] Cf. ACKERMAN, Bruce. Reconstructing American Law. Cambridge: Harvard University Press, 1985, p. 104.
[130] Cf. ARAÚJO, Fernando. Análise económica do direito – programa e guia de estudo.Coimbra: Almedina, 2008, p. 31.
[131] No original: “The pursuit of both of these [welfare and autonomy] is informed and constrained by conceptions of justice as defined by the original position.” In SUNSTEIN, Cass. After the rights revolution: reconceiving the regulatory state. Cambridge: Harvard University Press, 1990, p. 34.
[132] Araújo apresenta como evolução da Law andEconomicsa sua configuração corrente que prioriza os critérios de bem-estar, de maneira que se vai além dos critérios de justiça, ou de justiça no caso concreto (equidade), passando mencionada forma de justiça a ocupar um lugar residual. Para ele, essa perspectiva leva em conta que a apreciação da justiça no caso concreto já se encontra entronizada como prévia e condicionante das disposições negociais, permitindo-se ao Estado, em caráter supletivo, a influência nessas disposições em caso de descumprimento dos condicionantes prévios. Para ele, a eficiência, nessa quadra, deve contrabalancear dialeticamente a concentração exclusiva no valor justiça, numa justiça a qualquer preço, forçando a concessões e conciliações àqueles que, entorpecidos pela convicção de gratuidade das opções, conduzem a resultados socialmente trágicos porque insustentáveis, gerando a Crise da Justiça. Cf. ARAÚJO, Fernando. Análise económica do direito – programa e guia de estudo. Coimbra: Almedina, 2008, p. 32-33.
[133] SUNSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The cost of rights: Why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton & Co., 1999, passim. Veja-se também: GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos. Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2005.
[134] In LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7 ed., rev. e reelaborada por Paulo Alberto Pasqualini, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 39.
[135] LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7 ed., rev. e reelaborada por Paulo Alberto Pasqualini, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 105-106.
[136] FREITAS, Juarez.O controle dos atos administrativos e os princípiosfundamentais. 4 ed.rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 396-398.
[137] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 163.
[138] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 570. As referências desse ponto não foram integralizadas pelo fato de o próprio autor, Paulo Bonavides, asseverar que se trata de um manuscrito que supõe ainda inédito e que lhe foi gentilmente enviado pelo autor. Etiene-R. Mbaya. Menschenrechte in Nord-Sued Verhaeltnis.
[139] TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 68.
[140] MONCADA, Luís Cabral de. Direito Econômico. 5ª ed., rev. e actual., Coimbra: Coimbra, 2007, p. 193.
[141] PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil. 5ª Ed., São Paulo: 34, 2003, p. 31.
[142] O IDH foi criado no início da década de 90 para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) como uma contribuição para a busca de indicadores de qualidade de vida. Ele combina três componentes do desenvolvimento humano: a) a longevidade, que reflete as condições de saúde da população, medida pela esperança de vida ao nascer; b) a educação, medida por uma combinação da taxa de alfabetização de adultos e a taxa combinada de matrícula nos níveis de ensino – fundamental, médio e superior; c) a renda, medida pela compra da população, baseada no PIB per capita ajustado ao custo de vida local por meio de metodologia conhecida como paridade do poder de compra (PPC).
A metodologia de cálculo envolve a transformação desses fatores em índices que variam de 0 (pior) e 1 (melhor), além da combinação dos índices num fator sintético. Quanto mais próximo de 1 o valor deste indicador, maior será o nível de desenvolvimento humano do país ou região.
Para classificar os países em três grandes categorias, o PNUD estabeleceu as seguintes faixas:
0 ≤ IDH < 0,5 Baixo Desenvolvimento Humano
0,5 ≤ IDH < 0,8 Médio Desenvolvimento Humano
0,8 ≤ IDH < 1 Alto Desenvolvimento Humano
In ARAÚJO JÚNIOR, Ari Francisco de; SHIKIDA, Claudio Djussey. Microeconomia, p. 34-138, in TIMM, Luciano Benetti Timm (Org.). Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 113.
[143] Mencionado índice se encontra em fase de revisão, onde o desenvolvimento sustentável tem sido ventilado como importante indicador. Veja-se nessesentido: UNITED NATIONS. The Future wewant. In:Conferenceonsustainabledevelopment.Rio de Janeiro, 2012, Disponível em: http://www.rio20.gov.br/documentos/documentos-da-conferencia/o-futuro-que-queremos/, Acesso em: 16 jul. 2012.
[144] Itálico do original. In FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4ª ed., rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 460;479.
[145] Em nosso entender o IDH tem a deficiência de não levar em conta o capital natural e de focar no curto prazo.
[146] Cf. DASGUPTA, Pharta. Inclusive WealthReport 2012. Measuring progresstowardsustainability, UNPEP, 2012.
[147] Cf. LINS, Clarissa. Desenvolvimento sustentável: tendências, novas formas de aferir valor e oportunidades para o Brasil. in GIAMBIAGI, Fábio; PORTO, Cláudio (Orgs.). Propostas para o governo 2015/2018: agenda para um país prospero e competitivo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 370.
[148] Para maior aprofundamento, consulte www.teebwerb.org.
[149] Cf. LINS, Clarissa. Desenvolvimento sustentável: tendências, novas formas de aferir valor e oportunidades para o Brasil. in GIAMBIAGI, Fábio; PORTO, Cláudio (Orgs.). Propostas para o governo 2015/2018: agenda para um país prospero e competitivo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 371-372.
[150] MOREIRA, EgonBockman. Desenvolvimento econômico, políticas públicas e pessoas privadas (passado, presente e futuro de uma perene transformação), Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, Renovar, ano 3, nº 10, abr./jun. 2008, p. 221-222.
[151] O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.
[152] Por meio dessa resolução, o direito ao desenvolvimento foi tido “como processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes”.
[153]Nesse passo, o governo deve ser mais competente para neutralizar a ação de stakeholders contrários ao desenvolvimento, fornecendo maior homogeneização às estruturas econômicas e sociais, passíveis de elevar o nível de bem-estar da sociedade e melhorar os indicadores sociais de desenvolvimento. SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento Econômico.6 ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 245.
[154]ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 274.
[155] NÓBREGA, Marcos Antônio Rios da. Direito da infraestrutura. São Paulo: QuartierLatin, 2011, p. 42.
[156] Cf. VIANNA, Salvador Teixeira Werneck. Desenvolvimento econômico e reformas institucionais no Brasil: considerações sobre a construção interrompida. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007, p. 38.
[157] Os custos de transação dizem respeito aos fatores que não se encontram intrinsecamente no valor do negócio e são representados pelos custos de procura e obtenção de informações, pelos custos de negociação e de execução do contrato. A origem deles decorre da racionalidade limitada dos pactuantes, do oportunismo e da compreensão de que nenhum bem será transferido de uma atividade para outra a custo zero. In GOMES, Filipe Lôbo. A Regulação Estatal como instrumento de concretização do Direito Fundamental ao Desenvolvimento Econômico: um Contributo da Análise Econômica do Direito, In RDU, Porto Alegre, Edição Especial, 2016, 97-125, 2016, p. 112.
[158]SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Mota. Rev. Técnica Ricardo Doniselli Mendes. 7ª reimp., São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 17-18 e 26.
[159] FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 20.
[160] Cf. NÓBREGA, Marcos Antônio Rios da. Direito da infraestrutura. São Paulo: QuartierLatin, 2011, p. 103.
[161] Cf. VIANNA, Salvador Teixeira Werneck. Desenvolvimento econômico e reformas institucionais no Brasil: considerações sobre a construção interrompida. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007, p. 36-39.
[162] A sociedade de risco é caracterizada pela instabilização, pela contingência e pelo leque indeterminado de possibilidades de futuro. Para lidar com o futuro, deve-se tentar construir estruturas de estabilização das expectativas, que sejam capazes de resolver conflitos auridos e que lidem com as desilusões dentro de uma sociedade complexa de risco. Cf. PRADO, Maria da Graça de Almeida. A segurança jurídica na sociedade de risco e seu reflexo sobre as políticas de desenvolvimento. Revista de Direito Público da Economia, ano 10, n. 38, p. 165-176, abr./jun., 2012, p. 173-175.
[163]Traçando o perfil sobre a minimização do risco, Maria da Glória Garcia pondera: com a informação e o conhecimento possíveis e com a consciência de não poder, no momento, aceder a mais, são, então, ponderadas as alternativas e avaliadas as probabilidades. A vontade exerce-se, de seguida, correndo-se por seu intermédio o risco relativamente ao que se não sabe. Porque o que é inacessível ao conhecimento só pode ser revelado à vontade, […] Daí que, se, no limite do conhecimento que cada um possui, é a ignorância que impera, todos têm que querer. Todos têm de correr riscos. A partilha da ignorância arrasta consigo a partilha da vontade, do poder de querer, bem como a partilha dos riscos. […] A renovação da democracia que atualmente tanto se fala deve, por isso, porventura fazer-se pela via da acentuação da cidadania participativa, informada, sabedora, que mais não é do que a via da partilha da responsabilidade social. GARCIA, Maria da Glória F. P. D..Direito das políticas públicas. Coimbra: Almedina, 2009, p. 240.
[164]Cf. MOREIRA, EgonBockmann. Processo Administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/99. 4ª ed., rev. e aum., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 181-185.
[165]NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência, 157-158, In: Revista da Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, Recife, n. 11, dez. 2006, p. 125-162.
[166] Segundo Marçal Justen Filho: Um dos aspectos essenciais do direito administrativo reside na vedação ao desperdício ou má utilização dos recursos destinados à satisfação das necessidades coletivas. É necessário obter o máximo de resultados com a menor quantidade possível de desembolsos. In: JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 85.
[167] Nos dizeres de Diógenes Gasparini: Conhecido entre os italianos como “dever de boa administração”, o princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, além, por certo, de observar outras regras, a exemplo do princípio da legalidade.[…] Por fim, tais competências devem ser praticadas com rendimento, isto é, com resultados positivos para o serviço público e satisfatórios para o interesse da coletividade. [...] Procura-se maximizar os resultados em toda e qualquer intervenção da alçada da Administração Pública. In: GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11ª ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 21-22.
[168] Mencionado princípio é reconhecido como o dever de boa administração na Itália. Franco Bassi relata que: Secondo tale principio la P.A. deve usare, nella propria azione, la media diligenza e la media intelligenza e deve rispettare le c.d. regole di buona administrazione in modo de assicurare l´efficienza dell´attività administrativa. BASSI, Franco. Lezionididirittoamministrativo.4 ed., riveduta e ampliata, Milano: Dott A. Guiffre, 1995, p. 63.
[169] VIANNA, Salvador Teixeira Werneck. Desenvolvimento econômico e reformas institucionais no Brasil: Considerações sobre a construção interrompida. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2007, p. 40.
[170] Nesse ponto, reafirma-se a intelecção de que os monopólios não são de todo ruins, pois essenciais quando se está diante destrategic commodity.
[171] Cf. ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Tradução de Cristina Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 258-259.
[172] Cf. ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Tradução de Cristina Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 352-357.
[173] Cf. ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Tradução de Cristina Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 281-282.
[174]JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 467.
* Mestranda em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Pós-Graduada em Economia do Setor Público pela Universidade Cândido Mendes e MBA Executivo em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Mato Grosso. Assessora do Banco do Brasil. E-mail: gilcelia@yahoo.com.br.
** Professor da Universidade Católica de Brasília e Consultor Legislativo do Senado Federal. Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Economia e Direito, com ênfase em Regulação Financeira, Análise Econômica do Direito e Análise Econômica do Direito Comportamental. Pesquisa na área de Direito, Ciências, Instituições e Desenvolvimento com artigos científicos e livros publicados nessa área assim como em áreas correlatas. O autor agradece o apoio financeiro do CNPq. E-mail: benjaminm.tabak@gmail.com.
*** Professor da Graduação e do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. PhD in Law pela University of Aberdeen, Reino Unido. Pesquisador-Colaborador Pleno do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Procurador da Fazenda Nacional. E-mail: juliocesar.deaguiar@gmail.com. O autor agradece o apoio do CNPq às pesquisas utilizadas na elaboração do presente trabalho.
[175] VER (GICO JR, 2010); (PIMENTA; LANA, 2012); (RIBEIRO; CAMPOS, 2012); (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013); (ORTIZ, 2013); (ALVAREZ, 2006); (RIOS; TABAK, 2014); (CARDOSO, 2015); (CHATER, 2015); (TABAK, 2015).
[176] Ver (FLORES FILHO; RIBEIRO, 2012); (RIOS; TABAK, 2014); (CHATER, 2015).
[177] Ver (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013)
[178] Ver (RIOS; TABAK, 2014); (CHATER, 2015).
[179]Ibidem
[180] Ver (SALAMA, 2009).
[181] Ver (SALAMA, 2009); (RIBEIRO; CAMPOS, 2012); (PIMENTA; LANA, 2012).
[182] Ver (GICO JR, 2010).
[183]Ibidem
[184] Ver (ALVAREZ, 2006).
[185] Ver (GICO JR, 2010); (ALVAREZ, 2006).
[186] Ver (PIMENTA; LANA, 2012); (RIBEIRO; CAMPOS, 2012); (ALVAREZ, 2006); (CARDOSO, 2015); (SETTI, 2010).
[187] Ver (SALAMA, 2009); (ALVAREZ, 2006); (WINTER; BOTELHO, 2014); (SETTI, 2010); (TABAK, 2015).
[188] Ver (WINTER; BOTELHO, 2014); (TABAK, 2015).
[189] Ver (GICO JR, 2010); (TABAK, 2015).
[190] Ver (ALVAREZ, 2006).
[191] Ver (GICO JR, 2010); (PIMENTA; LANA, 2012); (RIBEIRO; CAMPOS, 2012); (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013); (ORTIZ, 2013); (ALVAREZ, 2006); (TABAK, 2015); (CARDOSO, 2015).
[192] Ver (SALAMA 2009); (ORTIZ, 2013); (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013).
[193] Ver (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013).
[194] Ver GONÇALVES,RIBEIRO, 2013
[195] Ver (GICO JR, 2010); (FLORES FILHO; RIBEIRO, 2012); (PIMENTA; LANA, 2012); (RIBEIRO; CAMPOS, 2012); (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013); (ORTIZ, 2013); (ALVAREZ, 2006); (RIOS; TABAK, 2014); (CARDOSO, 2015); (CHATER, 2015); (TABAK, 2015).
[196] Ver (RIBEIRO; CAMPOS, 2012); (FLORES FILHO; RIBEIRO, 2012); (RIOS; TABAK, 2014); (CHATER, 2015).
[197] Ver (FLORES FILHO; RIBEIRO, 2012); (RIOS; TABAK, 2014); (CHATER, 2015).
[198] Ver (CHATER, 2015).
[199] Ver (KAHNEMAN, 2012); (TABAK, 2015).
[200] Ver (FORTUNA, 2008).
[201] Ver (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[202] Ver (SANTOS, 1999).
[203] Ver (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[204] Ibdem
[205] Ibdem
[206] Ver (SANTOS, 1999).
[207] Ver (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[208] Ver (SANTOS, 1999).
[209] Ver (MENDONÇA, 2013); (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[210] Ver (FERRO, 2016).
[211] Ver (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[212] Ver (PAGANO et al, 2015); (ABREU, 2016); (PINTO, 2016).
[213] Ver (SANTOS, 1999)
[214] Ver (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[215] Ver (PAGANO et al, 2015).
[216] Ver (AFONSO, 2011).
[217] Ver (AGUIAR, 2014).
[218] Ver (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013).
[219] O domicílio é o local de moradia estruturalmente separado e independente, constituído por um ou mais cômodos. A separação fica caracterizada quando o local de moradia é limitado por paredes, muros, cercas, coberto por um teto, e permite que seus moradores se isolem, arcando com parte ou todas as suas despesas de alimentação ou moradia.
[220] Disponível < http://www.pac.gov.br/noticia/22141600 >.
[221] Ver (LUNDBERG, 201)
[222] Ver (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[223] Ibdem
[224] Ver (NAKAGAWA, 2014).
[225] Ver (PAGANO et al, 2015).
[226] Ver (MENDONÇA; SACHSIDA, 2012).
[227] Ver (MENDONÇA; SACHSIDA, 2012).
[228] Ver (SOUSA FILHO; ARRAES, 2004); (ARRAES; SOUSA FILHO, 2008).
[229] Ver (AGUIAR, 2015).
[230] Ver (PAGANO et al, 2015).
[231] Ver (CAIADO, 2011); (SUNSTEIN, 2015).
[232] Ver (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[233] Ver (GICO JR., 2010); (TABAK, 2015).
[234] Ver (CHATER, 2015).
[235] Ver (RIBEIRO; CAMPOS, 2012); (FLORES FILHO; RIBEIRO, 2012); (RIOS; TABAK, 2014); (CHATER, 2015).
[236] Ver (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013).
[237] Ver (SANTOS; AGUIAR, 2016).
[238] Ver (CHATER, 2015).
[239] Ver (KAHNEMAN, 2012); (TABAK, 2015).
[240] Ver (TABAK, 2015); (GICO Jr., 2010).
* Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Procurador Federal. Professor no Centro Universitário Christus. E-mail: <andrestudart@hotmail.com>.
** Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Procurador Federal. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza. E-mail: <eduardordias@hotmail.com>.
***Mestranda em Direito pelo Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS). Aluna de especialização em Direito e Processo Constitucionais pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Graduada em Direito pela UNIFOR. E-mail: <taisvcidrao@hotmail.com>.
[241] Há, entretanto, um problema inato com essa afirmação: a de que a “substituição” pode ser ambígua. Estaria o Estado tratando o cidadão como incapaz de fazer suas próprias escolhas?
* À época da submissão, mestrando do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) e bolsista CAPES/PROSUP. Bacharel em Relações Internacionais (2013) pelas Faculdades de Campinas (FACAMP).E-mail: arrudaesilvamf@gmail.com.
** Professora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Doutora em Direito das Relações Sociais (1999) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: mglmanzo@unimep.br.
[242]Aprofundaremos essa questão na seção 2 desse artigo.
[243] Para fins reflexivos, segundo dados do IBGE com base em levantamento do ano de 2015, a expectativa média de vida do brasileiro ao nascer é, atualmente, de 75,5 anos, sendo que, para os homens, tal expectativa é de 71,9 anos e, para as mulheres, 79,1 anos. Contudo, tal situação não é válida para todos os Estado, como no Maranhão e Piauí, vez que neles a expectativa de vida média de vida é de 70,3 e 70,9 anos respectivamente, sendo que para os homens a referida expectativa é na casa dos 66 anos (IBGE, 2016, p. 13). Podemos então afirmar que, se aprovada, tal reforma resultaria em um ato de crueldade descabido àqueles que mais dependem e se encontram em situação de vulnerabilidade, algo que os defensores de tal reforma parecem ser cegos a enxergar. Porém, de forma inabalável, esses defensores estão convictos de que a sociedade deva aceitar todo tipo de ônus em prol das contas públicas, afinal teria sido ela própria a causadora desse problema.
[244]A quem entenda, especialmente no âmbito econômico, que esse pode não ser o melhor caminho. É nesse sentido que se posiciona Silva (2010). Segundo Silva (2010, p. 5): “O pensamento econômico no Brasil e as interpretações da realidade ali feitas têm como condicionante fundamental o lugar social na qual se encontra quem interpreta a realidade e forma o pensamento: os que se ajustam dentro do bloco de poder, e qual função exercem neste, ou fora dele, desempenhando atribuições contra-culturais. Deste modo, conhecer as teorias formuladas (e em formulação) no Brasil, tipificando-as, é insuficiente, tanto para entender a realidade que a teoria se propõe a explicar – isto é, uma questão de método, quanto o desenvolvimento real da formação econômico-social brasileira”. No entanto, também entendemos que determinadas áreas do conhecimento são carentes de uma abordagem ainda que simples e introdutória, justamente porque um primeiro contato pode ser aquilo que pode vir a fomentar trabalhos futuros sobre um determinado tema.
[245] Termo em inglês que, em tradução livre, pode ser compreendido como “queda”.
[246] Grande Guerra é uma referência ao termo empregado pelo historiador Eric Hobsbawn, a qual consiste em uma crítica à terminologia guerra mundial.
[247] A exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 no âmbito da ONU e dos tratados e convenções subsequentes. Essa questão será retomada no tópico 4 “O pensamento econômico heterodoxo e a valorização dos direitos fundamentais”.
[248]Conforme explica Couto (2007, p. 45), Raúl Prebisch (1901-1986) foi um economista argentino indicado por Gunnar Myrdal ao primeiro Prêmio Nobel de Economia em decorrência de sua trajetória no Banco Central da Argentina e atuação internacional por meio da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), e na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Comércio (UNCTAD).
[249] Para maiores informações sobre a relação de Raúl Prebisch com a CEPAL confira: CEPAL. RaúlPrebisch e a CEPAL. Disponível em < prebisch.cepal.org/pt-pt/Raul-prebisch-e-cepal>. Acesso em 21. Abr. 2016.
[250] Em linhas gerais, as preposições teóricas cepalinas “propunham que a industrialização apoiada pela ação do Estado seria a forma básica de superação do sub-desenvolvimento latino-americano” (COLISTETE, 2001, p. 21). Em outras palavras, o que temos aqui é o interesse pela ação do Estado, a sua intervenção direta na economia, como forma de levar ao desenvolvimento. Essa propositura, claro, é contra o ideal ortodoxo, da mão-invisível, do auto-ajuste/auto-regulação.
[251] Em tradução livre, formadores de políticas públicas; em outras palavras, os governantes e aqueles que os assessoram. Oportuno observar que, dentre esses policy-makers, um em particular nos merece especial atenção: Celso Furtado, porque “não apenas participou da teoria do desenvolvimento na América Latina como também teve atuação destacada como policymaker diretamente ligado ao executivo e formulador de planos de desenvolvimento quando ligado à CEPAL (BASTOS; D’ÁVILLA, 2009, p. 181). Infelizmente, “sua carreira como policymaker foi interrompioda pelo golpe militar de 1964, mas sua produção acadêmica [felizmente] continuou até a morte” (BASTOS; D’ÁVILLA, 2009, p. 176).
[252] Para maiores informações Cf. PREBISCH, R. O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais. Disponível em < http://archivo.cepal.org/pdfs/cdPrebisch/003.pdf >. Acesso em 21 Abr. 2016.
[253]Termos de troca são os bens que seriam postos no comércio internacional. Por sua vez, a questão da deterioração dos termos-de-troca mencionada por Prebisch significa que os bens produzidos pelos países da periferia (subdesenvolvidos) já entrariam em condição de desigualdade no comércio internacional em relação aos países do centro (desenvolvidos) porque o valor a eles atribuído seria baixo. Assim, por serem dotados de baixo valor, seria necessário um volume alto de exportação e, consequentemente, um consumo compatível no país de destino, para que tais produtos compensem os produtos de maior valor agregado que são importados. Uma maneira de ilustrar essa questão é quando pensamos na exportação de um bem em estado bruto como, por exemplo, o café ou a soja, e, ao mesmo tempo, o país importa produtos industrializados derivados dessas matérias primas. Nessa situação, o produto foi processado no exterior, passou pelo processo de industrialização, e teve agregação de valor conforme as diferentes etapas da cadeia produtiva. Nesse sentido, ao vender o bem de maior valor agregado, o país que o exportou necessitou vender menos em unidades do que aquele que exportou a matéria prima em estado bruto. No entanto, cabe observar que esse exemplo retratado envolveu itens simples, mas existem bens de alto valor, como componentes de computador e outros bens de capital que exigiriam, por sua vez, uma exportação massiva dos bens de menor valor para que o valor dos mesmos possa ser compensado no comércio internacional. Por fim, vale ainda para melhor compreender essa questão de agregação de valor, consultar o volume 1 do Capital de Marx (2013) a respeito da formulação de valor, valor de uso e valor de troca, para, consequentemente, compreender o processo de agregação de valor.
[254]Racionalidade dos mercados é umtermo que surge a partir do artigo de Muth (Cf. 1961), que segue viés econômico ortodoxo, de que os mercados agem de forma racional.
[255] Ou em termos mais em sintonia com a economia, oferta agregada (OA) é igual a demanda agregada (DA), o que pode ser expresso matematicamente como OA=DA.
[256] Para fins de aprofundamento, cf. Mello (1991) no prefácio escrito por Belluzzo.
[257]Promulgado no Brasil por meio do Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992.
[258]Promulgado no Brasil por meio do Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992.
[259]Promulgado no Brasil por meio do Decreto n. 30.822, de 6 de maio de 1952.
[260]Promulgado no Brasil por meio do Decreto n. 65.810, de 8 de dezembro de 1969.
[261]Promulgado no Brasil na íntegra por meio do Decreto n. 4.377, de 13 de setembro de 2002.
[262]Promulgado no Brasil por meio do Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990.
[263]Promulgado no Brasil por meio do Decreto n. 30.822, de 6 de maio de 1952.
[264] Para melhor compreender o processo de extração de valor nas economias capitalistas, é sugerido ao leitor consultar Marx (2013) sobre a formação da acepção de valor nas mercadorias e a denominada extração da mais-valia em suas formas absoluta e relativa.
[265]Técnica em que a pessoa tem os seus punhos e joelhos amarrados em uma barra apoiada e o corpo posicionado para baixo podendo, a partir disso, ser utilizado outras formas de tortura complementares.
* Doutor em Direito. Professor nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Advogado. E-mail: sandro@rochaadvogados.com
** Doutora em Direito. Professora nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná -PUC-PR - e na Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pesquisa realizada na vigência do projeto Regulação de Riscos Empresariais no Âmbito da Atividade de Pesquisa & Desenvolvimento para a Inovação- Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná. Secretária de Estado da Administração e da Previdência do Estado do Paraná. E-mail: mcarlaribeiro@uol.com.br
[266] A Revolução Industrial consolidou a sociedade burguesa liberal capitalista, baseada na igualdade jurídica entre os homens, na livre-iniciativa e na empresa privada. Sob este contexto, surge o liberalismo econômico, marcado pelo fim da intervenção direta do Estado na produção e na distribuição das riquezas. No Estado liberal não existem medidas protecionistas ou de monopólio: há a defesa da livre concorrência e a abertura ao mercado externo. Dentre os seus defensores destacam-se Adam Smith, Thomas Malthus, David Ricardo, James Mill, Nassau Senior (in FÉDER, João. Estado sem poder. São Paulo: Max Limonad, 1997).
[267] Art. 5º, inciso XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
[268] Art. 170, V, da Constituição.
[269] Art. 1º do Código de Defesa do Consumidor: “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias. ”
[270] Caput do art. 170 da Constituição.
[271] NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 122.
[272] NALIN, Paulo. Op. Cit.
[273] O surgimento e a evolução do contrato de adesão estão presos à evolução dos fatores econômicos a partir do século XIX. A concepção mística do contrato, presa ao mito iluminista da liberdade e da igualdade dos indivíduos, deu ensejo a que se verificasse um verdadeiro hiato entre ela e a realidade, sujeita diretamente à força do fenômeno econômico. (FONSECA, 1995, p. 33).
[274] Art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, Art. 5º, XXXII, e art. 170, V, ambos da Constituição.
[275] Dispõe o art. 4º da referida Lei nº 8078/90, o Código de Defesa do Consumidor, sobre a Política Nacional de Relações de Consumo, tendo por objetivo o atendimento da necessidade dos consumidores; do respeito à sua dignidade, saúde e segurança; da proteção de seus interesses econômicos; da melhoria da sua qualidade de vida, bem como da transparência e harmonia das relações de consumo, garantias estas balizadas em princípios arrolados entre os incisos I e VIII do referido artigo.
[276] Art. 170, caput, da Constituição.
[277] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 57.
[278] Art. 1º da Constituição. Apesar de não constarem expressamente previstos no art. 1º da Constituição, os princípios da função social da propriedade e da defesa do consumidor são subsumidos pelo fundamento dignidade da pessoa humana. Não há dignidade ao consumidor indefeso. Tão pouco haverá dignidade quando a propriedade é utilizada em prejuízo da pessoa humana, da coletividade.
[279] Conforme o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, a tutela da segurança nas relações de consumo é aquela legitimamente esperada, ampla, não hermética, pois existem muitos produtos e serviços perigosos, nocivos à saúde, disponibilizados ao mercado de consumo.
O art. 421 do Código Civil, por sua vez, estabelece como limite à liberdade de contratar o atendimento à função social do contrato. Neste sentido, NALIN (2006) esclarece que “a percepção da tutela do interesse social pelo contrato interprivado parece ter sido a força motriz que inspirou os redatores do Código Civil, na parte referente às Obrigações, o que foi mantido nas suas seguidas alterações legislativas. Função social do contrato se dá em nível de socialidade do Direito, em idêntico sentido ao que passa na propriedade” (NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 227).
[280] Constituição, art. 5, LXXI: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
[281] Art. 170 da Constituição.
[282] Art. 1º e art. 4º do Código de Defesa do Consumidor.
[283] Art. 170, II, da Constituição.
[284] Art. 170, parágrafo único, da Constituição.
[285] Art. 170, IV, da Constituição.
[286] Conforme o art. 173, § 4º, da Constituição: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
[287] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Ordem econômica e desenvolvimento na constituição de 1988. Rio de Janeiro: Apec, 1989, p. 28.
[288] Por meio de seus 3 (três) Poderes.
[289] Esclareça-se que este processo de substituição das formas de intervenção direta do Estado não é peculiaridade brasileira, mas se trata de mudança ideológica e de reclassificação do papel estatal nos demais países organizados de forma social democrata. Para Ribeiro, “os séculos IX e XX têm sido os palcos do progresso do Estado providência e, talvez não coincidentemente, também espectadores de importantes crises nos planos social, econômico e internacional. Todavia, à medida que se fez mais desenvolvido, o Estado de bem-estar passou a exigir a aplicação de recursos cada vez mais significativos, acompanhando-se ainda do acréscimo da demanda de sua atuação. Chega-se, então, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, nos países organizados de forma social democrata, a desequilíbrios das balanças comerciais, desestabilização da moeda, aumento fiscal e de preços” (RIBEIRO, Marcia Carla. Sociedade de economia mista e empresa privada: estrutura e função. Curitiba: Juruá, 1999, p. 155-156).
[290] Buscou-se a atualização dos dados referidos pelo autor junto ao sítio ESI – Environmental Susteinability. Todavia, no acesso em 22/04/2017, as referências permanecem as mesmas.
[291] Por meio de seus três Poderes.
[292] Art. 174 da Constituição, caput: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
[293] Art. 1º, IV, da Constituição.
[294] Constituição, art. 37, caput.