A GREVE POLÍTICA COMO CATEGORIA DE DIREITO HUMANO NA AMÉRICA LATINA:RECONFIGURANDOAS LUTAS COLETIVAS A PARTIR DAS TEORIAS DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS

 

POLITICAL STRIKE ACTION AS A CATEGORY OF HUMAN RIGHTS IN LATIN AMERICA: RECONFIGURING COLLECTIVE STRUGGLES BASED ON THEORIES OF THE NEW SOCIAL MOVEMENTS

 

Oton de A. Vasconcelos Filho*

Bruno Manoel Viana de Araújo**

 

RESUMO: O combate contra a exploração do trabalho humano nasceu por meio das lutas coletivas.A partir da década de 80, do século XX, novas identidades e necessidades se evidenciam. No ano de 2017, greves políticas são manifestas no âmbito da América Latina. Utilizando-se do método hipotético-dedutivo e da técnica da revisão da literatura, objetiva a pesquisa analisar sea greve, nos moldes postos pela dogmática jurídica se justifica na contemporaneidade e, em caso negativo, o que se faz necessário para elaboração de um novo sindicalismo social.

 

Palavras-Chave:América Latina. Greve Política. Informalidade. Novo Sindicalismo. Movimentos Sociais.

 

ABSTRACT: The fight against labour exploitation was born through collective actions. In the 1980's, new identities and needs became evident. In 2017, political strikes appear in Latin America. By using the hypothetico-deductive method and the technique of literature review, this paper aims to analyse whether such strikes, in the shape posed by the legal dogmatics, are justified nowadays and, if not, what is necessary for the elaboration of a new social unionism.

 

Keywords: Latin America. Political Strikes.Informal Sector.New Unionism.Social Movements.

 

Recebido: 15.05.2017

Aprovado: 02.07.2017

 

1 INTRODUÇÃO

 

Este estudo é fruto de uma reflexão acerca da regulamentação sobre o exercício do direito de greve em documentos internacionais e nas constituições da América Latina. Observa-se que em todas elas as lutas coletivas se apresentam com um viés nitidamente reivindicativo e voltado para as relações de trabalho subordinado.

O mencionado cenário se justificou até a década de 70, do século XX, em que os movimentos sociais, por excelência, eram do proletariado. Contudo, a partir da implantação do discurso neoliberal, do desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação, e, da globalização, houve uma pulverização nas relações de trabalho, enfraquecendo as organizações sindicais e, consequentemente, o movimento grevista.

Por outro lado, surgem novas identidades, e nesse contexto, são evidenciados novos movimentos sociais, tais como, os relacionados à etnia, o das mulheres, entre outros.

É nesse panorama que se faz necessária uma releitura do sindicalismo e da greve, para, a partir das teorias dos novos movimentos sociais, serem conferido aos atores envolvidosà plenitude de sua cidadania por intermédio das lutas políticas.

Esta temática será analisada em tópicos distintos, porém inter-relacionados, tais como: a greve na perspectiva do direito internacional e da dogmática jurídica nos países da América Latina, o panorama do trabalho nessa região, as crises do sindicalismo e os impactos nas lutas coletivas, a greve política como categoria de direito humano e a teoria dos novos movimentos sociais.

O método utilizado para realização da presente pesquisa será o hipotético-dedutivo e a técnica escolhida será a revisão da literatura, por meio de títulos jurídicos, assim como, de estudos críticos que analisam o direito através de outras áreas do conhecimento.

A pesquisa se justifica socialmente porque a regulamentação da greve, segundo os documentos internacionais e constituições dessa região, se encontra em descompasso com o fato social contemporâneo, que é fonte primária do direito.

 

2A GREVE NA PERSPECTIVA DO DIREITO INTERNACIONAL E DA DOGMÁTICA JURÍDICANOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA

 

Os principais documentos internacionais que disciplinam o exercício do direito de greve são a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Carta Social Européia.

No âmbito da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o direito de greve se encontra implícito quando observado os artigos 20.1[1] e 23.4.[2] Sendo assim, ostenta a autotutela coletiva o status de direito humano e se presta como instrumento de pressão conferido aos trabalhadores.O Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) regulamenta a greve em seu artigo 8º[3], e vincula o seu exercício a legislação nacional. Por outro lado, a Carta Social Européia (1996) trata desse tema em seu artigo 6º[4], ao assegurar o direito de greve como uma das formas deresolução de conflitos entre empregados e empregadores.

No âmbito da OIT, não há uma convenção específica que trate diretamente sobre a matéria. José Araújo Avelino (2015, p. 60) informa que esse fato ocorre porque essa ação deverá se encontrar vinculada ao direito de sindicalização. Contudo, no olhar de Hugo Dias (2014), o direito de greve se encontra implicitamente incluído na Convenção nº 87, art. 3º quando define que “[...] as organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de redigir seus estatutos e regulamentos administrativos, o de eleger livremente seus representantes, o de organizar sua administração e suas atividades e o de formular seu programa de ação”. Estaria, assim, o direito de greve inserido no programa de ação das organizações sindicais.

As constituições dos países da América Latina (Argentina[5], Bolívia[6], Brasil[7], Chile[8],

Colômbia[9], Costa Rica[10], Cuba[11], El Salvador[12], Equador[13], Guatemala[14], Haiti[15], Honduras[16],México[17], Nicarágua[18], Panamá[19], Paraguai[20], Peru[21], República Dominicana[22], Uruguai[23], Venezuela[24])informam que o direito de greve tem sua relação com o trabalho e tem matriz reivindicativa.

Esses documentos vão de encontro à memória histórica do sindicalismo e tem impacto nas lutas coletivas que tinham suas agendas nos vieses políticos e reivindicativos.No Estado de Bem-estar Social, essas lutas se resumiam a satisfação das necessidades prestacionais, a saber, melhores salários, estabilidade ejornadas menos ofensivas. Essa visão viabilizou um processo de desculturalização da luta política.

Esse cenário impactou na fragilidade dos sindicatos e na efetividade das greves, sobretudo, a partir da década de 80, do século XX, momento em que o desemprego deixa de ser conjuntural e ganha o caráter de estruturalidade. (FORRESTER, 1997)

 

3O PANORAMA DO TRABALHO NA AMÉRICA LATINA, AS CRISES DO SINDICALISMO E OS IMPACTOS NAS LUTAS COLETIVAS

 

Mankiw (2001, p. 365) estabeleceu um conceito de população economicamente ativa ou força de trabalho a partir do “[...] número total de trabalhadores, incluindo empregados e desempregados”, em dado período de referência. A OIT absorve esse conceito de PEA, que também é utilizado pela doutrina econômica.

O cálculo da População Economicamente Ativa - PEA viabiliza o número de pessoas empregadas e desempregadas no mundo. Esse quadro numérico serve de base para se observar as categorias ocupadas, para, a partir de tais dados, ser obtido o número de trabalhadores que desenvolvem suas atividades decorrentes de uma relação jurídica de emprego.

Em publicação na página das Nações Unidas do Brasil, há informe no sentido de que a taxa de desocupação da América Latina e Caribe foi de 8,1%, em 2016, segundo relatório anual da OIT. Numericamente essa taxa “[...] implica que cerca de 5 milhões de pessoas se juntaram às filas do desemprego, que agora afeta 25 milhões de trabalhadores na região”.(ONUBR, 2016)

Segundo José Manuel Salazar (ONUBR, 2016), diretor regional da OIT,“[...] o panorama laboral da região se deteriorou em 2016: há um aumento abrupto da desocupação, a informalidade está crescendo e a qualidade dos empregos caiu”.

Aponta também que “A taxa de desocupação regional voltou a aumentar, desta vez de forma abrupta, ao passar de 6,6% em 2015 a 8,1% (estimativa preliminar) em 2016. Ou seja, aumentou 1,5 ponto percentual" (ONUBR, 2016).

Quanto à informalidade, declara que: “[...] estimamos que existem atualmente cerca de 134 milhões de trabalhadores ocupados em condições informais, um fenômeno persistente em nossa região, que representa um desafio de grandes dimensões para os formuladores de políticas". (ONUBR, 2016)

Em relação à população de jovens trabalhadores no âmbito da América Latina, dispõe que “[...] 20% dos jovens de 15 a 29 anos que participam do mercado de trabalho são considerados empreendedores, mas apenas 2% são empregadores” (ONUBR, 2016).  Isso significa que a maioria desenvolve atividades por conta própria e em condições de trabalho precárias, a exemplo dos assalariados informais.

A OIT considera que o trabalho formal pauta-se em cinco categorias de trabalho: os assalariados, os empregadores, os trabalhadores por conta própria, membros de cooperativas de produtores, trabalhadores familiares e trabalhadores não classificados em nenhuma das categorias anteriormente mencionadas.

Sendo assim, apesar da agência da ONU reconhecer que a relação de emprego constitui o centro de referência do Direito do Trabalho, sua estatística não poderá ser considerada fonte precisa para estabelecer os limites da relação de emprego, na composição da força de trabalho.

Oton de Albuquerque Vasconcelos Filho (2016, p. 136), ao analisar a referida metodologia declara o seguinte:

 

Embora a metodologia descrita faça alusão ao tipo de contrato que envolve a situação de emprego, a tabulação dos dados não expõe essa relação contratual de modo a permitir a verificação exata dos trabalhadores ligados a empregador por típica relação de emprego, isso por que, por exemplo, na categoria denominada de assalariados, pode estar incluído um sem-número de vínculos que não equivalem ao conceito jurídico de empregado, como servidores públicos, etc.

 

Contudo, os números fornecidos pela OIT possibilitam uma verificação parcial da relação jurídica de emprego. Por exemplo, a categoria que agrega os trabalhadores por conta própria já revela um dado seguro e indicativo de uma parcela da PEA que não está enquadrada no conceito de empregado por faltar-lhe o requisito da subordinação jurídica.

Esse estado da arte, no tocante ao mundo do trabalho, na América Latina, propicia impactos negativos quanto à efetividade das lutas coletivas, porque, nesse contexto, as organizações sindicais se mostram fragilizadas em função de diversas crises.

Afirma Oton de Albuquerque Vasconcelos Filho (2008, p. 32) que a partir da década de 80, do século XX, o mundo do trabalho vai ganhando novos contornos em virtude da implantação de uma nova filosofia para o Estado, além do desenvolvimento da tecnologia da informação e da comunicação e do processo de globalização.

Esse cenário traz um forte impacto no sistema sindical produzindo diversas crises como a da desfiliação, a decorrente da supremacia do setor serviços, a oriunda do descompasso entre o obreirismo industrial e as novas alternativas comunicacionais discursivas, além da decorrente da não inclusão no sindicalismo os novos movimentos sociais.

A realidade constante no Estado de Bem-estar Social e do pleno emprego, que tinha como característica o desemprego conjuntural, propiciava a filiação dos trabalhadores vinculados por um elo de subordinação jurídica e o fortalecimento sindical. A crise da desfiliação decorre do desemprego estrutural oriundo da sociedade pós-industrial. (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 49) Na experiência brasileira, segundo os dados do IBGE (2017), já existem mais de catorze milhões de desempregados. Essa realidade de desempregados também é verificada nos demais países da América Latina (EL PAÍS, 2016).

A crise decorrente da supremacia do setor serviços desestrutura violentamente o sistema sindical pela pulverização dos trabalhadores da grande indústria. A consequência de tal mutação é que “[...] os grandes comandos sindicais já não tinham como aglutinar trabalhadores, empregados em pequenos negócios e microempresas”. (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 50)

Já a crise oriunda do descompasso entre o obreirismo industrial e as novas alternativas comunicacionais discursivas também desaglutina as estruturas sindicais. (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 52-53) É que o modelo sindical não se encontra conectado com as novas tecnologias, que podem ser utilizadas, inclusive, como ferramenta para juntar os trabalhadores, como gênero, e assim ampliar o discurso previsto no Manifesto do Partido Comunista[25], de 1848. Os avanços nesse sentido são insuficientes porque a legislação que regulamenta o sistema sindical encontra-se direcionada para obreiros, predominantemente.

A não inclusão no sindicalismo dos novos movimentos sociais enfraquece o sindicalismo porque impede o surgimento de novas lideranças, tais como, os caminhoneiros, os ambulantes, os Sem-Terra, os Sem-Teto, entre outros; para somar com a representação sindical dos trabalhadores formais. (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 53)

Antunes (2015) ao tratar da pulverização do sindicalismo pela terceirização declara que:

 

[...] muitos terceirizados estão há anos sem usufruir um dia de férias, pois a contingência e a incerteza avassalam o seu cotidiano. E só uma minoria consegue ir à justiça do trabalho, pois o terceirizado (e a terceirizada) não tem nem tempo, nem recursos e frequentemente carece do apoio de sindicatos para fazê-lo.

 

Esse estado da arte - desemprego estrutural e crises no sindicalismo - impacta a atuação do sistema sindical fazendo com queessa entidade atue de forma deficitária no processo de lutas coletivas, no século XXI.

O direitode greve é um direito humano fundamental, preconizado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sendo assim, não se pode entender como razoável o Direito do Trabalho excluir de seu arcabouço teórico-normativo a proteção ao cidadão, em seu mais amplo sentido, sobretudo, em um contexto de que a maioria da população economicamente ativa não mais se encontra vinculada por relações jurídicas empregatícias. 

Por outro lado, os conflitos contemporâneos envolvem outras identidades, tais como, as decorrentes de etnia, religião, etc., o que fortalece o reconhecimento da luta política, primariamente; e a luta reivindicativa de forma secundária.

 

4 A GREVE POLÍTICA COMOCATEGORIA DE DIREITO HUMANO E A TEORIA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS

 

Juliana Esteves Teixeira e Fernanda Barreto Lira(2015, p. 529), em capítulo de livro nominado “Os fundamentos tradicionais do direito do trabalho: novas pautas hermenêuticas e teórico-filosóficas para sua reconfiguração, no contexto do constitucionalismo contemporâneo”, publicado no XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI – UFS (2015), fazem a seguinte indagação:

 

Na medida em que as evidências empíricas e analíticas apontam para e existência, ao lado do trabalho livre/subordinado, de trabalhadores clandestinos, subproletários, terceirizados que, segundo Ricardo Antunes, convivem ainda com o desemprego estrutural, como justificar esta modalidade de trabalho, como objeto deste campo do direito, quando a maioria da população economicamente ativa encontra-se fora de sua proteção?

 

Essa constatação empírica e analítica evidencia que o Direito do Trabalho terá que se reinventar para poder tutelar essa gama de trabalhadores que se encontram à margem.Essa reflexão se faz necessária, sobretudo, quando analisado o viés coletivo do Direto do Trabalho. Isso porque, como já mencionado em item anterior, o sindicalismo vivencia diversas crises e esse fato impacta diretamente no exercício do direito de greve.A partir desse cenário, a reinvenção das lutas coletivas passaria pelo resgate de seu viés político, assim como, pela inclusão dos novos movimentos sociais no sindicalismo.

Oton de Albuquerque Vasconcelos Filho (2013, p. 152) ao analisar os estudos de Maria da Glória Gohn, traz um destaque que a partir do ano de 1985 e, no Brasil,

 

[…] surgem novos atores, novas problemáticas e novos cenáriossóciopolíticos, que geraram ações coletivas interpretadas como força da periferia, cujos teóricos forneceram os fundamentos para os pesquisadores dos movimentos populares, com o desenvolvimento de temas da marginalidade, da crítica a razão dualista, e das novas configurações da periferia urbana.

 

Esse cenário não foi exclusivo do Brasil porque nesse momento o discurso proposto por Margareth Thatcher e Ronald Reagan fez emergir teorias neoliberais que impactaram a Europa e as Américas.

Maria da Glória Gohn (2008), faz uma abordagem sobre as novas teorias dos movimentos sociais com elucidativa clareza.Em sua perspectiva, esses movimentos devem ser considerados em três vértices:a histórico-estrutural, a culturalista-identitária e a institucional/organizacional-contemporânea.

A primeira delas tem seus fundamentos nas proposições de Marx, Gramsci, Lefevre, Rosa de Luxemburgo, Trotsky, Lenin, Mao Tse-Tung, etc. Em uma visão marxista o movimento social é o do proletariado, cuja luta tem por sujeitos os operários e a luta de classes. (GOHN, 2008, p. 25-26). Historicamente, esse eixo teórico-político teve grande relevo, mundialmente, até os anos 1970.A partir desse marco temporal, o conceito de classe e proletariado foi reinterpretado por Hardt e Negri, para inserir novos atores, cujos conflitos tinham seus vínculos com etnia, raça, gênero e classes, entre outros. (VASCONCELOS FILHO; ARAÚJO, 2017, texto avulso)

No movimento culturalista-identitário a leitura dos movimentos sociais se dá a partir do reconhecimento de novos sujeitos e temáticas, a exemplo, dos conflitos envolvendo mulheres, jovens, negros, índios, etc. SegundoGohn (2008, p. 29), esse momento realçava “[...] um modo diferente para designar os conflitos do cotidiano e desafiavam os códigos culturais a partir de bases simbólicas construindo identidades próprias”.

O culturalismo revelaà identidade dos movimentos sociais retirando de seu foco as lutas coletivas oriundas do movimento operário. Assim, o movimento culturalista-identitário concedeu novo sentidoà antiga concepção dos movimentos sociais de forma a ampliá-los.

Já o eixo institucional/organizacional-comportamentalista, na análise de Gohn (2008, p. 34) teve por objeto o estudo dos movimentos sociais concretos e que “[…] as mobilizações coletivas foram analisadas pela ótica econômica ou sócio psicológica a partir de análises estrutural-funcionalistas”.As teorias institucionais objetivavam, portanto, a institucionalização dos movimentos sociais.

Os efeitos do discurso neoliberalista, da globalização e do desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação impactaram o mundo do trabalho, de forma que os pobres e os excluídos, cidadãos à margem da sociedade, ganharam evidência no processo de lutas coletivas e, dessa maneira, a temática ‘inclusão social’ ganha contorno de essencialidade.

Declara Maria da Glória Gohn (2008, p. 36) que “A exclusão social, ligada ao desemprego e à reestruturação do mercado de trabalho, caracterizada como anomia social por Durkheim, passam a ser analisadas a partir dos efeitos destes sistemas de desagregação social sobre as estruturas organizativas da população”.

A classe social, raça, etnia, grupos religiosos, recursos e infra-estrutura passam a ser indicadores para a análise de um território e seus conflitos. A temática relativa à inclusão social passa a ser objeto de estudo e pesquisa. O impacto desse reconhecimento é a inserção de outras categorias, a saber: capital social, empoderamento da comunidade, auto-estima, responsabilidade social, sustentabilidade, vínculos e laços sociais, etc.

Contemporaneamente, as análises dos movimentos sociais têm como eixos, os novos requerimentos da modernidade e a redefinição do sujeito racional de forma a incorporar as identidades culturais (GOHN, 2008, p. 45). Sendo assim, os debates tendem pela necessidade de se redesenhar os limites entre o político e o social (GOHN, 2008, p. 46), reestruturando a relação Estado/sociedade e, prestigiando temáticas como pluralidade, desigualdade, sociedade civil, esfera pública, racionalidade da ação, poder comunicativo, etc.

No início de 2017, houve uma parada geral capitaneada pormulheres que foram às ruas em 50 países, incluindo o Brasil, para exigir direitos iguais. Para proporcionar um ambiente plural e de solidariedade, apesar da pressão das grandes corporações, o movimento indicou como slogan“[...]Outras maneiras de se manifestar e aderir à causa: parar uma hora no trabalho e otimizá-lo com conversas sobre as desigualdades, usar um detalhe ou uma peça de roupa lilás – cor símbolo da iniciativa – e boicotar as tarefas domésticas”. (NUNES, 2017)

Segundo Mônica Nunes (2017):

 

[...] Quem puxou essa grande manifestação mundial –que está sendo chamada informalmente degreve internacional feminina já que envolverá mais de 30 países– foram dois dos maiores movimentos feministas do mundo:Ni Una Menos, que começou naArgentina e se espalhou pela América Latina, e aMarcha das Mulheres pelo Mundo.

 

De igual forma, em 28.04.2017,no Brasil, mais de 35.000.000 (trinta e cinco milhões) de pessoas se insurgiram contra o formato de reforma da previdência e trabalhista imposta pelo governo Michel Temer. (2017) Lutaseminentemente políticas!!!

Apesar da proposição teórica acima mencionada, além desses recentes fatos sociais que primaram pela pluralidade nas lutas coletivas, parece que a dogmática jurídica e as normas internacionais enxergam a greve na perspectiva do proletariado e, modernamente, essa visão não poderá mais subsistir. Diante dessa negativa, a não inclusão dos novos movimentos sociais no sindicalismo é fator preocupante na luta política para o exercício da cidadania, na sociedade pós-industrial.

 

CONCLUSÃO

 

Restou comprovado, através do presente estudo, que os documentos internacionais e a legislação dos países que compõem a América Latina ainda tem uma visão do sindicalismo e das lutas coletivas vinculadas às lutas entre empregados e empregadores, através de suas organizações sindicais e, com eixo puramente reivindicativo.

Esse marco teórico-dogmático encontra-se ultrapassado pela inserção do discurso neoliberal, que tem como baliza o estabelecimento do mínimo prestacional; assim como pelo desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação, que retira do mercado de trabalho milhares de trabalhadores; e também pelas crises vivenciadas pelo sindicalismo que impactam diretamente na efetividade das lutas coletivas, quer em relação à amplitude dos sujeitos e a própria natureza dessas lutas.

Sendo assim, faz-se necessário a reconfiguração do sistema sindical para fazer surgir um novo sindicalismo social para, a partir da teoria dos novos movimentos sociais, coligar a ação sindical de raiz obreirista aos novos movimentos sociais, a fim de atender as necessidades de seus novos sujeitos.

Por outro lado, se faz necessário resgatar o viés político da greve para, respeitando sua memória histórica, a cidadania ser efetivamente materializada a todos. No âmbito da América Latina, essa intenção já é realidade, pois, essa região promoveu diversos movimentos para além daqueles em que o proletariado detinha a centralidade como ator.

Apesar de tal cenário, a dogmática jurídica dos países da América Latina e as normas internacionais ainda enxergam a greve, na perspectiva do proletariado, o que, modernamente, não poderá mais se sustentar. Diante dessa negativa, a inclusão dos novos movimentos sociais no sindicalismo é condição sinequa non para estruturação de um novo sindicalismo social e para o estabelecimento da greve política, com consequente exercício da cidadania.

 


 

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* Advogado. Doutor e Mestre em Direito pelo PPGD da UFPE. Professor do Curso de Direito da Universidadede Pernambuco – Campus Benfica/FCAP. Professor do Centro Universitário Tabosa de Almeida – ASCES-UNITA. Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho - APDT (Cadeira 11). Membro do Instituto Ítalo-Brasileiro de Direito do Trabalho - IIBDT. Presidente e Membro da Academia Luso-Brasileira de Ciências Jurídicas – ALBCJ. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq/UPE: Direito e os Conflitos Oriundos da Pós-modernidade.E-mail:oton.vasconcelos@upe.br;

**Doutor em Direito Internacional - Universitat de València (Espanha) - Título validado pela Universidade Federal de Pernambuco; (Mestrado) Diplomado em Estudos Avançados (DEA) - Universitat de València (Espanha); Graduado em Direito - Faculdade de Direito de Olinda (2001); Advogado. ATUAÇAO ACADÊMICA: Facultad de Derecho - Universitat de València (Espanha); Oxford University (Inglaterra); London SchoolofEconomics (Inglaterra); Universityof British Columbia (Canadá); Harvard University (Estados Unidos).

[1] (DUDH, 1948), artigo 20. 1 - Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.

[2] (DUDH, 1948), artigo 23. 4 - Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.

[3] (PDESC, 1966), artigo 8º - Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir:d) O direito de greve, exercido de conformidade com as leis de cada país.

[4] (CSE, 1996), artigo 6º - Direito à negociação colectiva - 4) O direito dos trabalhadores e dos empregadores a acçõescolectivas no caso de conflitos de interesses, incluindo o direito de greve, sob reserva das obrigações decorrentes das convenções colectivas em vigor.

[5](ARGENTINA, 1994).Constitución de la Nacion Argentina. Artículo 14 bis. […] Queda garantizado a los gremios: concertar convenios colectivos de trabajo; recurrir a la conciliación y al arbitraje; el derecho de huelga.

[6](BOLIVIA, 2009). Constitución Política del Estado., artículo 53. Se garantiza el derecho a la huelga como el ejercicio de la facultad legal de las trabajadoras y los trabajadores de suspender labores para la defensa de sus derechos, de acuerdo con la ley.

[7](BRASIL,1988), Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

[8](CHILE, 1980). Constitución Política de la República de Chile, artículo 19, 16... No podrán declararse en huelga los funcionarios del Estado ni de las municipalidades. Tampoco podrán hacerlo las personas que trabajen en corporaciones o empresas, cualquiera que sea su naturaleza, finalidad o función, que atiendan servicios de utilidad pública o cuya paralización cause grave daño a la salud, a la economía del país, al abastecimiento de la población o a la seguridad nacional.

[9](COLOMBIA, 1991). Constitución Política de la República de Colombia,artículo 56. Se garantiza el derecho de huelga, salvo en los servicios públicos esenciales definidos por el legislador.

[10](COSTA RICA, 1949). Constitución Política de Costa Rica,artículo 61. Se reconoce el derecho de los patronos al paro y el de los trabajadores a la huelga, salvo los servicios públicos, (…)

[11](CUBA). Não há registro sobre o exercício do direito de greve em sua constituição.

[12] (EL SALVADOR, 1983).Constitución de la República de El Salvador,articulo 48. Los trabajadores tienen derecho a la huelga y los patronos al paro.

[13] (ECUADOR, 2008). Constitución de la República de Ecuador, artículo 326, 14. Se reconocerá el derecho de las personas trabajadoras y sus organizaciones sindicales a la huelga.

[14](GUATEMALA, 1985). Constitución Política de la República de Guatemala, artículo 104.- Derecho de huelga y paro. Se reconoce el derecho de huelga y para ejercido de conformidad con la ley, después de agotados todos los procedimientos de conciliación.

[15] (HAITI, 1987).Constitution of Haiti, article. 35-5: Theright to strike isrecognizedunderthelimits set bylaw.

[16](HONDURAS, 1982). Constitución de la República de Honduras, artículo 128, 13. Se reconoce el derecho de huelga y de paro. La Ley reglamentará su ejercicio y poder someterlo a restricciones especiales en los servicios públicos que determine.

[17] (MÉXICO, 1917). Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos.Artículo 123. A, XVII. Las leyes reconocerán como un derecho de los obreros y de los patronos, las huelgas y los paros. XVIII. Las huelgas serán lícitas cuando tengan por objeto conseguir el equilibrio entre los diversos factores de la producción, armonizando los derechos del trabajo con los del capital.

[18] (NICARAGUA, 1948). Constitución Política de Nicaragua, artículo. 83. Se reconoce el derecho a la huelga.

[19] (PANAMÁ, 1972). Constitución Política de la República de Panamá, artículo 65.- Se reconoce el derecho de huelga. La ley reglamentará su ejercicio y podrá someterlo a restricciones especiales en los servicios públicos que ella determine.

[20] (PARAGUAY, 1992). Constitución del Paraguay, artículo 98. Todos los trabajadores de los sectores públicos y privados tienen el derecho a recurrir a la huelga en caso de conflicto de intereses. Los empleadores gozan del derecho de paro en las mismas condiciones.

[21] (PERÚ, 1993). Constitución Política del Perú, artículo 28. El Estado reconoce los derechos de sindicación, negociación colectiva y huelga. Cautela su ejercicio democrático: 1. Garantiza la libertad sindical. 2. Fomenta la negociación colectiva y promueve formas de solución pacífica de los conflictos laborales. La convención colectiva tiene fuerza vinculante en el ámbito de lo concertado. 3. Regula el derecho de huelga para que se ejerza en armonía con el interés social. Señala sus excepciones y limitaciones.

[22] (REPÚBLICA DOMINICANA, 2010). Constitución de la República Dominicana, artículo 62. 6. Para resolver conflictos laborales y pacíficos se reconoce el derecho de trabajadores a la huelga y de empleadores al paro de las empresas privadas, siempre que se ejerzan con arreglo a la ley, la cual dispondrá las medidas para garantizar el mantenimiento de los servicios públicos o los de utilidad pública.

[23](URUGUAY, 1967). Constitución de la República del Uruguay,Artículo 57. La ley promoverá la organización de sindicatos gremiales, acordándoles franquicias y dictando normas para reconocerles personería jurídica. Promoverá, asimismo, la creación de tribunales de conciliación y arbitraje. Declárase que la huelga es un derecho gremial. Sobre esta base se reglamentará su ejercicio y efectividad.

[24] (VENEZUELA, 1999).Constitución de la República Bolivariana de Venezuela, artículo 97. Todos los trabajadores y trabajadoras del sector público y del privado tienen derecho a la huelga, dentro de las condiciones que establezca la ley.

[25] Trabalhadores de todo mundo uni-vos (MARX, Karl; ENGELS,Friedrich, 2001) .