A POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL DE TRATAMENTO DE CONFLITOS COMO FONTE DE EMPODERAMENTO SOCIAL E DEMOCRÁTICO

 

THE NATIONAL PUBLIC POLICY FOR THE TREATMENT OF CONFLICTS AS A FOUNTAIN OF SOCIAL AND DEMOCRATIC STRENGTHENING

 

Victor Priebe*

Daniel Dottes de Freitas**

 

RESUMO: O objetivo que se quer alcançar, num primeiro momento, é analisar a política pública de tratamento adequado dos conflitos, tomando como exemplo aquela instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contextualizada em relação ao conceito de políticas públicas, bem como, pontuar os acréscimos que tal política pública traz ao empoderamento social. Sobre o tratamento de conflitos, será feita uma abordagem buscando a existência direta de vínculos com o fortalecimento do capital social. Também, será investigado se os tratamentos adequados dos conflitos se colocam como instrumentos capazes de ressaltar o sentido da democracia. Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo, analisando-se categorias de base, partindo-se de uma ideia geral para o particular.

 

Palavras-chave: Política. Pública. Tratamento. Empoderamento. Social. Democrático.

 

ABSTRACT: The first objective is to analyze the public policy of adequate treatment of conflicts, taking as an example the one established by the National Justice Council (CNJ), contextualized in relation to the concept of public policies, as well as to verify what these policies add to the social strengthening. Regarding the treatment of conflicts, an approach will be made seeking the direct existence of links with the strengthening of social capital. Also, it will be investigated if the appropriate treatments of the conflicts are put like instruments capable of emphasizing the sense of the democracy. To do so, the deductive method will be used, analyzing basic categories, starting from a general idea for the particular.
 
Keywords: Policy. Public. Treatment. Strengthening. Social. Democratic.

 

Recebido: 27.04.2017

Aprovado: 25.06.2017

 

1 INTRODUÇÃO

 

As políticas públicas nacionais de tratamento de conflitos transitam nos três Poderes da União. Não obstante isso, aqui será feito um recorte propondo analisar aquela implementada pelo CNJ nos conflitos sociais, como possível fonte de empoderamento social e democrático, sem prejuízo do exame de outros elementos que dela decorrem, em especial sua integração ao processo de desenvolvimento da sociedade brasileira.

O cenário social contemporâneo expõe as dificuldades dos mecanismos existentes em colaborar com o crescimento da sensação de empoderamento social, bem como, do capital social da sociedade em que vivemos, com isso trazendo dificuldades aos indivíduos para, autonomamente, resolverem seus conflitos. Neste passo, é necessário salientar que é através de uma atuação ativa da sociedade que as prestações de serviços públicos podem se tornar mais eficientes, enquanto instrumentos capazes de atender tal demanda.

Posto isso, o objetivo que se quer alcançar, num primeiro momento, é o de analisar pontualmente a política pública de tratamento adequado dos conflitos, bem como, a de atenção prioritária ao primeiro grau de jurisdição, ambas instituídas pelo CNJ, contextualizando-as frente ao conceito de políticas públicas, e, por fim, pontuando seus possíveis acréscimos à concepção de empoderamento social. Especialmente sobre o tratamento de conflitos, será feita uma abordagem buscando referências sobre a existência direta de vínculos com o fortalecimento da cidadania.

Em sequência, será verificado se a política pública nacional de tratamento dos conflitos possui vínculos diretos com o fortalecimento do capital social. Por derradeiro, será investigado se os tratamentos adequados dos conflitos se colocam como instrumento capaz de ressaltar o sentido da democracia nos indivíduos.

Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo, analisando-se categorias de base, partindo-se de uma ideia geral para o particular. Vislumbra-se uma análise de ações estratégicas que podem ser apresentadas como possíveis mecanismos que visam contribuir para a o desenvolvimento social, permitindo que o cidadão possa resolver seus próprios problemas e conflitos de uma maneira que também o coloque em posição de decidir frente a questões político-democráticas.

 

2 A POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL DE TRATAMENTO DE CONFLITOS E O EMPODERAMENTO SOCIAL

 

Antes de adentrar em uma verificação pontual da política pública de tratamento adequado aos conflitos, conforme instituída pelo CNJ, é necessário analisar tal política frente ao conceito atual que trata o que pode ser considerado como política pública. É o que se passa a fazer de uma maneira geral.

Inicialmente, cabe destacar o posicionamento conceitual de João Pedro Schmidt de que a apreciação das políticas públicas, não deve proceder de uma

 

[...] forma fragmentada nem isolada da análise mais geral sobre os rumos do Estado e da sociedade. As políticas não são uma espécie de setor ou departamento com vida própria. Elas são o resultado da política, compreensíveis à luz das instituições e dos processos políticos, os quais estão intimamente ligados às questões mais gerais da sociedade (2008, p. 2309).

 

Dessa forma, percebe-se que as ações do CNJ, especificamente, o fomento em nível nacional aos tratamentos adequados aos conflitos, constituem-se como “mecanismos aptos a viabilizar o maior e melhor acesso à justiça, veiculando estratégias para que o tratamento de conflitos repercuta uma ampliação da cidadania” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 33), a qual se tem como fundamento do Estado democrático de direito instituído pela Constituição Federal (CF), em seu art. 1º, inciso II.

Sobre esta acepção, a ação do CNJ acima descrita possui plena harmonia com o conceito de políticas públicas que as define como “decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, [...] potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população” (SCHMIDT, 2008, p. 2312). Neste passo, cabe demonstrar as dimensões em que o conceito de política pública se divide, sendo estas denominadas de polity, politics e policy (SCHMIDT, 2008, p. 2310-2311).

Dentro de suas especificidades, a dimensão polity de políticas públicas se preocupa precipuamente com o ajustamento entre os sistemas político, jurídico e político-administrativo, permeando nesta seara suas atuações práticas. De outro lado, a dimensão politics direciona sua atenção sobre o processo político que verse sobre imposição de objetivos, mais especificamente regulamentando a atividade de seus atores. Por fim, a dimensão policy refere-se aos conteúdos concretos produzidos por programas políticos que tenham por finalidade apresentar respostas a problemas sociais (CHRISPINO, 2016, p. 58).

Frente a estas dimensões, percebe-se que tais programas de ações implementados pelo CNJ condizem com a dimensão de políticas públicas expressadas pela policy, uma vez que compreendem conteúdos concretos de política judiciária que se põe como ferramenta de combate a problemas sociais.

Por fim na conceituação de políticas públicas, constata-se que as ações estratégicas do CNJ podem ser consideradas como políticas públicas, pois, além do já exposto, tais ações também correspondem, no geral, as fases evolutivas que acabam por constituir a dimensão policy, sendo elas, a percepção e definição de problemas, a inserção na agenda política, a formulação, a implementação e a avaliação (SCHMIDT, 2008, 2312-2315).

Nestes termos, pode se dizer que a percepção do problema se dá no momento em que o CNJ reconhece que os problemas jurídicos e os conflitos de interesse, contemporaneamente, crescem em larga escala, necessitando, portanto, que se desenvolvam mecanismos de tratamentos de conflitos, proporcionando à população outras formas de solucionarem seus litígios, que não apenas pela via dos processos judiciais (2010, p. 1). Entretanto, a constituição de uma agenda política se deu com a aprovação do CNJ, na sessão de 08 de agosto de 2006, para a instalação do Movimento pela Conciliação, o qual iniciou os debates sobre tratamentos de conflitos dentro do judiciário nacional (2006). Consequentemente, a formulação de tal política ocorreu através do incentivo à autocomposição dos conflitos e disseminação da cultura de pacificação social, devidamente positivadas pelo art. 2º da Resolução nº 125 de 2010 do CNJ, a qual também definiu em seu art. 3º que a competência avaliativa será repartida entre os tribunais regionais e o órgão que a editou (CNJ, 2010, p. 06).

Restando clara a adequação da política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses ao conceito e as fases que determinam o que se considera política pública, parte-se então para a análise de quais as contribuições que os tratamentos adequados dos conflitos trouxeram em prol de um desenvolvimento com maior ênfase no social.

Por conseguinte, uma das intenções primordiais da política pública de tratamento de conflitos é a que pretende “construir outra mentalidade junto aos juristas brasileiros cujo escopo principal seja a pacificação social, abandonando a cultura do litígio” (SPENGLER, 2016, p. 71).

Tal pensamento também é percebido quando se observa o entendimento do CNJ (2015, p. 484) de que “o aumento contínuo de casos novos é um desafio que deve buscar soluções alternativas, tais como empreendimentos de conciliação e mediação”. Neste mesmo diapasão Spengler (2014, p. 73) argumenta que a implementação da política pública de que se trata esbarra em algumas dificuldades como a estrutura financeira e de pessoal do Judiciário, além da resistência social da sua aplicação.

Frente às complexidades estruturais em efetivar as técnicas alternativas de solucionar conflitos, cabe destacar a existência de uma sincronia entre as políticas públicas instituídas pelo CNJ em prol de uma jurisdição quantitativa e qualitativamente mais adequada em relação à transposição de suas dificuldades, pois, como se sabe, a política de atenção prioritária ao primeiro grau de jurisdição, instituída pelo CNJ, vem no sentido de readequar a força de trabalho e a questão orçamentária (CNJ, 2014a), o que certamente trará reflexos benéficos aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania criados pelo art. 8ª da Resolução 125 (CNJ, 2010).

Neste ínterim, a percepção e consequente definição do problema deram-se em decorrência da taxa de congestionamento processual na primeira instância de julgamentos, onde foi atingido o percentual de 73%. A partir disto, foi constituída uma agenda política em setembro de 2013, momento em que o CNJ institui um grupo de trabalho encarregado de propor ações e projetos que fortaleçam a primeira instância do Judiciário brasileiro (CNJ, 2013a).

De uma maneira geral, as linhas de atuação direcionam suas orientações no sentido de estabelecer uma gestão mais eficiente dos processos que tramitam no primeiro grau, pela via de uma inteligência colaborativa (CNJ, 2013b). No entanto, merece melhor destaque a atuação que estabelece que o Poder Judiciário faça uma adequação orçamentária, visto que, é através dela que outras ações podem ser implementadas.

Sobre a adequação orçamentária, a Resolução 195 de 2014 expõe

 

[...] a importância de se garantir que os recursos organizacionais sejam utilizados equitativamente em todos os segmentos da instituição e com mobilidade suficiente para atender às necessidades temporárias ou excepcionais dos serviços judiciários, como pressuposto do princípio constitucional da eficiência da administração (CNJ, 2014c).

 

Para isto, foi determinado que a distribuição equânime da verba orçamentária deve atender as diretrizes extraídas de uma média de processos novos distribuídos no primeiro e segundo grau de jurisdição, bem como, também deve levar em consideração a média dos processos pendentes, especialmente quando esta diferença entre o primeiro e o segundo grau for superior a 10%. Desta forma, se tais médias apontarem uma inclinação maior para determinado grau de jurisdição, será proporcionalmente inclinado o direcionamento dos recursos não vinculados[1] naquele sentido (CNJ, 2014c).

Em sendo assim, percebe-se que as linhas de atuação propostas na política pública de atenção prioritária ao primeiro grau de jurisdição em nenhum momento afetam, no sentido negativo, direitos ou garantias, muito antes pelo contrário, acaba por garantir o pleno exercício da cidadania quando exalta os princípios basilares do Direito como o acesso à justiça, devido processo legal e razoável duração dos processos, no momento em que desenvolve “em caráter permanente iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento da qualidade, da eficiência, da celeridade e da efetividade dos serviços judiciários da primeira instância dos tribunais brasileiros” (CNJ, 2013b, p. 16).

Desta forma, verifica-se o pleno funcionamento do efeito sinérgico entre os vários setores dessas políticas públicas estruturando uma “articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e a avaliação de políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em situações complexas” (INOJOSA, 2001, p. 105).

Entretanto, no tocante a política pública de tratamento adequado dos conflitos, a dificuldade em transpor a barreira da aceitação social é mais difícil de ser superada, pois são “os próprios jurisdicionados que confiam e legitimam apenas o Poder Judiciário como poder soberano, o dono da verdade suprema, que deve decidir e resolver os seus problemas” (SPENGLER, 2014, p. 134).

Não obstante, a resolução nº 125 do CNJ (2010) ao conceber, em seu anexo terceiro, o código de ética dos conciliadores e mediadores estabeleceu em seu art. 1º o empoderamento como um dos princípios fundamentais da atuação dos conciliadores e mediadores, conceituando-o no inciso VII como o “dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição”.

Partindo-se dessa premissa, se define o empoderamento como uma proposta de

 

[...] caráter pedagógico que pretende fomentar no cidadão a capacidade/habilidade de se tornar agente de tratamento dos seus conflitos atuais e futuros, a partir da experiência que viveu no âmbito da mediação/conciliação. [...] A ideia é remover os obstáculos estruturais para a participação local e para o exercício do autogoverno. É também proclamada como uma técnica capaz de administrar a adversidade (SPENGLER, 2014, p. 91).

 

Sob tal contexto, “a mediação comunitária aparece como meio de tratamento de conflitos e como possível resposta à incapacidade estatal de oferecer uma jurisdição quantitativa e qualitativamente adequada” (SPENGLER, 2012, p. 198-199). A vista disso, a Resolução 125 do CNJ (2010) autorizou expressamente em seu art. 7º, §2º, que os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos estimulem programas de mediação comunitária.

Nesse sentido, salienta-se que nas comunidades em que o empoderamento e a emancipação dos indivíduos é incentivada e evidenciada, esses se tornam mais responsáveis pelo protagonismo nas atividades de cidadania (KONRAD, 2013, p. 216), representada pelo amplo acesso ao Judiciário de forma diversa do tradicional processo judicial. Por conseguinte, “o ambiente no qual ocorreu o conflito pode influenciar sua resolução” (SPENGLER, 2012, p. 199).

Por tais motivos, colocam-se os instrumentos que fomentam pacificação dos conflitos como uma ferramenta apta para sobrelevar as questões individuais e sociais do conflito, pois o sujeito somente acolhe uma decisão tomada em nome do grupo social, se ele entender que é integrante de tal grupo, ou ainda, que se identifica com alguns valores defendidos pelo grupo, surgindo com isto o sentimento de justiça neste indivíduo (SPENGLER; BITENCOURT, 2012, p. 61).

Neste cenário, o reconhecimento às peculiaridades do outro faz com que as chances de aceitação do outro aumentem. No entanto, isso “implica lidar com o novo. As instituições resistem em olhar para o sujeito, o sujeito humano, conflitual, que nem sempre se vê socialmente integrado, pois não se vê como sujeito” (SPENGLER; BITENCOURT, 2012, p. 76).

Assim, as formas de tratamento dos conflitos que inicialmente foram concebidas na intenção de serem mais uma ferramenta de auxílio para o judiciário no combate a crescente litigiosidade, demonstram-se como ferramentas eficazes em outros setores da sociedade, pois, apostam “numa matriz autônoma, cidadã e democrática” (SPENGLER, 2008, p. 74-75). Em consequência direta a isso, observa-se um aumento nos níveis qualitativos de acesso à jurisdição, bem como, uma contribuição com a celeridade no trato dos conflitos sem a necessidade de uma atividade jurisdicional, que se encontra atualmente com elevados índices de congestionamento[2].

Ao fim, retornando a temática nevrálgica deste ponto, ao

 

[...] debater um meio compartilhado de administrar e resolver conflitos a mediação comunitária surge como hipótese plausível, forte e bem articulada. Tal se dá porque ela é destinada a criar e fortalecer laços entre os indivíduos, resolvendo e/ou prevenindo conflitos. Essa tarefa tem como fomentador o mediador comunitário, que é uma pessoa independente cujo objetivo é levar à comunidade o sentimento de inclusão social por meio da possibilidade de solução de seus conflitos por ela mesma. A consequência é a criação de vínculos e o fortalecimento do sentimento de cidadania e de integração/participação da vida social (SPENGLER, 2012, p. 227).

 

Frente ao que foi aqui debatido, observa-se na política pública nacional de tratamento adequado dos conflitos o condão de possibilitar uma “negociação permeada pelo empoderamento e pela responsabilização das mesmas no momento de encontrar opções e fazer escolhas quando ao conflito, desembocando numa decisão autônoma e mutuamente construída” SPENGLER; BITENCOURT; 2012, p. 138).

Nessa ordem, há que se considerar as políticas públicas do CNJ como inegáveis instrumentos que atribuem qualidade na prestação jurisdicional, pois, possibilitam aos seus integrantes uma “real e efetiva participação nos assuntos que lhes dizem respeito. Independentemente da natureza das controvérsias [...] o importante é que seu resultado final se concretize no crescimento do sentimento de responsabilidade civil, de cidadania e de controle sobre os problemas vivenciados” (WÜST, 2014, 72).

Por fim, os tratamentos adequados aos conflitos proporcionam um crescimento geral de liberdades políticas e civis, sendo isso um dos fatores mais decisivos para o processo de desenvolvimento, o qual coloca a liberdade de agir como cidadão, expressando suas próprias opiniões e decidindo o que é melhor para si mesmo, como alternativa a uma de vassalo bem alimentado, bem vestido e bem entretido, mas sem opinião (SEN, 2000, p. 326).

 

3 TRATAMENTO DE CONFLITOS E O CAPITAL SOCIAL

 

Sob esta ótica de tratamentos adequados aos conflitos que o CNJ vem adotando em nível nacional, passa-se a abordar tal temática em busca de possíveis contribuições ao capital social, mais especificamente sobre a concepção de inclusão social.

De inicio, cabe salientar a afirmação de Schmidt de que “a chave do desenvolvimento, [...], é investimento em infra-estrutura e em capital humano” (2006, p. 1756), portanto, os investimentos que efetivam as técnicas de tratamentos de conflitos e por consequência ampliam o sentido de empoderamento social, de modo a refletir positivamente no desenvolvimento inclusivo do capital social.

No entanto, faz-se aqui a referência sobre a conceituação adotada pelo presente texto ao termo capital social, sendo este entendido como um “conjunto de redes, relações e normas que facilitam ações coordenadas na resolução de problemas coletivos e que proporcionam recursos que habilitam os participantes a acessarem bens, serviços e outras formas de capital” (SCHMIDT, 2006, p. 1760). Neste mesmo sentido, o capital social que aqui se trabalha é entendido como de tipo positivo, o qual se preocupa com “laços sociais que oportunizam ações de cooperação em prol de interesses gerais da sociedade” (SCHMIDT, 2006, p. 1761).

Expostas tais considerações iniciais sobre os conceitos e terminologias adotados, segue-se em busca da proposta de se estabelecer inclusão social pela via do capital social. Desta forma, a partir do

 

[...] estabelecimento de estratégias de inclusão social a partir do capital social o empoderamento das populações marginalizadas é elemento central. É largamente aceito que a condição de pobreza e exclusão tem na baixa auto-estima e no reduzido senso de eficácia política elementos centrais. Em razão das múltiplas barreiras sociais que lhes são impostas os pobres têm extrema dificuldade de ver-se como atores capazes de exercer alguma influência real no seu ambiente social e na esfera política (SCHMIDT, 2006, p. 1773).

 

Com a intenção de fortalecer o sentido deste empoderamento, “a mediação comunitária pretende desenvolver entre a população valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura político-democrática e uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar a relação entre os valores e as práticas democráticas e a convivência pacífica” (SPENGLER, 2012, p. 228).

Para atingir a finalidade a que se propõe, a mediação estabelece duas prioridades, sendo que a primeira

 

[...] oferece um espaço de reflexão e busca de alternativas na resolução de conflitos nas mais diversas esferas: família, escola, no local de trabalho e de lazer, entre outros. Em segundo lugar o indivíduo possui um ganho que, não obstante parecer secundário, assume proporções políticas importantes quando ao resolver autonomamente seus conflitos passa a participar mais ativamente da vida política da comunidade. Assim ela estimula e auxilia os indivíduos a pensarem como conjunto (nós) e não mais como pessoas separadas (eu-tu) (SPENGLER, 2012, p. 227-228).

 

Tais prioridades necessárias para se atingir a finalidade da atividade mediativa, vão no mesmo sentido dos fatores que estabelecem inclusão social através do fortalecimento do capital social, sendo que a título exemplificativo faz-se a comparação da primeira prioridade da mediação com o fator que tem por intenção “capacitar as lideranças com base nos valores da confiança, reciprocidade e cooperação, desenvolvendo sua aptidão para cumprir o papel de catalisador das energias e iniciativas da comunidade” (SCHMIDT, 2006, p. 1777). 

Seguindo na comparação, destaca-se que a segunda prioridade mediativa também encontra ressonância nos fatores que contribuem para o fortalecimento do capital social através da inclusão, sendo este, mais especificamente, a “participação popular nos processos decisórios. É imperioso que os governos, nos diferentes níveis, estabeleçam mecanismos de consulta aos cidadãos, criem mecanismos de participação popular nas decisões” (SCHMIDT, 2006, p. 1778).

Tal comparação demonstra que as técnicas de tratamento de conflitos que depositam no empoderamento social um de seus princípios basilares, estão disponíveis ao capital social como uma ferramenta significativa, pois, como expõe Schmidt “os melhores resultados de inclusão social são aqueles em que são fortalecidos os laços de confiança, reciprocidade e cooperação. Sem o fortalecimento destes laços, a aplicação dos recursos financeiros e os investimentos em educação geram poucos resultados ou abaixo do que poderiam” (SCHMIDT, 2006, p. 1780).

Por derradeiro,

 

[...] a mediação comunitária enquanto política pública é uma alternativa que pretende mais do que simplesmente desafogar o Judiciário diminuindo o número de demandas que a ele são direcionadas. O que se espera dela é uma forma de tratamento dos conflitos mais adequada em termos qualitativos, uma vez que será realizada por mediadores comunitários, ou seja, sujeitos que conhecem a realidade social e o contexto espacial/temporal onde o conflito nasceu. (...) É justamente por essa razão que se pode afirmar que a mediação comunitária possui um primeiro papel de suma importância que é justamente “devolver confiança às cidades e aos subúrbios, estudando-se a fundo sua realidade e potencialidades” (SPENGLER, 2012, p. 232-233).

 

Em sendo assim, passa-se a examinar se as técnicas de tratamentos de conflitos também podem servir como instrumentos que elevam o sentido da democracia, tal como ocorreu no empoderamento social.

 

4 MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO FOMENTADOR DE DEMOCRACIA

 

De início nesta temática, cabe ressaltar que o termo democracia não possui um único significado, pois, consiste em “uma palavra cuja significação está em constante mutação, constituindo-se como um camaleão que se modifica e se altera de acordo com a sociedade na qual está inserida e com a época histórica em que se encontra” (WÜST, 2014, p. 73).

Em o que chamou de definição mínima de democracia, Norberto Bobbio (1997, p. 12) defendeu que regime democrático entende-se primariamente como “um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”.

Dentre as várias concepções de democracia dar-se-á destaque a democracia participativa por esta entender “o forjamento da solidariedade como uma virtude principal da democracia” (CUNNINGHAM, 2009, p. 148). No entanto, este mesmo autor destaca que “somente na democracia forte os indivíduos são transformados de tal forma que busquem o bem comum[3] ao mesmo tempo em que preservam a sua autonomia, porque sua visão de sua própria liberdade e interesses foi dilatada para incluir outros” (CUNNINGHAM, 2009, p.159).

Neste passo, ao conceito de democracia sempre serão atribuídos uma vasta gama de significados. Contudo, os critérios objetivos sedimentados pela doutrina definem que a democracia deve ser enfrentada como uma construção contínua permanente em processo de aprimoramento. Visto por esse ângulo, apresentam-se como princípios basilares da democracia os direitos fundamentais do homem, bem como, a tolerância conflitual que surge de uma sociedade a qual pretende respeitar ideias opostas com o intuito de alcançar soluções pacíficas para os embates de seus indivíduos. (AIETA, 2006, p. 193)

Desta forma, sintetiza Wüst (2014, p. 74) que a “democracia implica a possibilidade de escolha, de poder decidir o futuro, sem que para isso seja imposta uma decisão. Ela, então, reconhece o ser humano como um indivíduo livre capaz de fazer suas escolhas e responsabilizar-se por isso”.

Igualmente, pode se dizer que a contribuição da tradição participacionista estará completa quando houver um envolvimento dos cidadãos em atividades conjuntas, nutrindo com isto, exatamente aqueles valores que conduzem à acumulação de capital social, bem como, à efetividade do empreendimento dos projetos humanos. (CUNNINGHAM, 2009, p. 162-163) Entretanto, não se pode desconsiderar que “a participação não pode extrair o melhor de cada um se não houver nada de valor a ser extraído” (CUNNINGHAM, 2009, p. 162).

Neste ponto, coloca-se a mediação como um instrumento hábil de empoderar os cidadãos, elevando com isto os níveis de capital social, pois,

 

[...] propõe a mediação: um espaço para acolher a desordem social, um espaço no qual a violência e o conflito possam transformar-se, um espaço no qual ocorra a reintegração da desordem, o que significaria uma verdadeira revolução social que possa refutar o espírito, os usos e os costumes pouco democráticos e pouco autônomos impostos aos conflitantes (SPENGLER, 2010, p. 336).

 

Colocando-se, também, como um instrumento comunicativo, a mediação proporciona que os conflitantes participem da construção da decisão, comprometendo-se e responsabilizando-se pelo seu cumprimento, o que acaba por instigar uma participação mais ampla posteriormente ao conflito resolvido, concretizando com isto, uma mudança de mentalidade e de cultura. (WÜST, 2014, p. 78)

Desta forma, coloca-se a mediação como um instrumento democrático, pois, trabalha com a figura do mediador que, ao invés de se sobrepor às partes, se coloca entre elas, aumentando com isto a sensação de espaço comum e participativo, que visa a construção do consenso num pertencer comum. (SPENGLER, 2010, p. 320)

Neste passo, somadas as perspectivas aqui apresentadas pelas técnicas mediativas com a questão do empoderamento social, vista anteriormente, tem-se nítido que a mediação apresenta-se como um “exercício da cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões, sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados em um conflito” (SPENGLER, 2014, p. 49).

Visto assim, os objetivos da mediação se direcionam a um restabelecimento da comunicação, mas também, à prevenção e ao tratamento dos conflitos, podendo também ser encarados como alternativas de sociação, de transformação e evolução sociais, o que consequentemente desencadearia em inclusão e promoção da paz social. (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 168)

Como se pode ver, a mediação oportuniza a retomada do conceito de sinergia no processo de tratamento de conflitos. Isto ocorre porque o estabelecimento de políticas públicas de tratamento de conflitos, tal como já implementado pelo CNJ, desencadeia uma série de decisões e ações mútuas e integradas que permitem aos atores envolvidos o vergastado empoderamento.

Noutras palavras, corresponderia a dizer que tais políticas se arvoram como uma ação estatal que entrega à sociedade a possibilidade educar-se, compreender-se e, bem assim, tratar  e solucionar seus conflitos, donde se retira a inevitável conclusão de que todo este processo promove o autogerenciamento das relações humanas no adequado e próprio ambiente social.

 

CONCLUSÃO

 

Percebe-se que as atividades do CNJ em buscar e discutir as técnicas que visam o tratamento dos conflitos como uma forma de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional surtiu efeitos positivos. A partir da agendada política institucional se reconheceu que a crescente escala dos conflitos de interesse necessitava de formas alternativas aos processos tradicionais para que pudesse auxiliar na solução do aumento de demandas.

Considerando essa necessidade, entendeu o CNJ que uma das maneiras mais adequadas de proporcionar soluções a crescente gama de conflitos foi adotando a mediação como política pública. Com a finalidade de fomentar essa técnica de maneira a implementá-la antes ou no desenrolar do conflito.

Demonstrou a mediação como uma ferramenta que não somente visa a celeridade da jurisdição, mas que atua como meio diferenciado de resolução de conflitos, trazendo como um de seus princípios basilares, o empoderamento e, devolvendo, dessa forma, o poder de decisão dos conflitos aos cidadãos, ampliando o sentimento democrático participativo também na construção da decisão sobre seus conflitos.

Um exemplo é a elevação de responsabilidade social, bem como, o protagonismo em atividades de cidadania, nas quais o empoderamento social proporciona às pessoas a quem a mediação retorna a habilidade de resolver os próprios conflitos, que, anteriormente era subtraído em sua totalidade pelo juiz - protagonista das atividades jurisdicionais.

Os benefícios que esse empoderamento proporcionado pela mediação/conciliação fornece não param por aqui, sendo que também podem ser percebidos reflexos no desenvolvimento inclusivo do capital social, que, de forma ordenada, proporciona resoluções a conflitos individuais e coletivos facilitando à população em geral, especialmente às classes mais baixas, o que participem de alguma forma nas decisões que as afetarão diretamente.

Portanto, conclui-se que os mecanismos de tratamento de conflitos além de cumprir seu objetivo principal como uma técnica que auxilia na prestação jurisdicional proporcionando novas formas de resolução de conflitos, põe-se também, como mecanismo que fomenta a participação social ativa dos cidadãos para com a comunidade, trazendo com isto acréscimos significativos nos níveis de empoderamento e capital social como um todo.

Igualmente, pode se concluir que indubitavelmente colocam-se os tratamentos de conflitos como mecanismos que fomentam a ampliação da participação democrática de forma proporcional aos reflexos que erradia sob a concepção de empoderamento social, garantindo que cada vez mais pessoas possam ser empoderadas para resolverem seus próprios conflitos de uma forma cidadã e democrática.

Com isso, é forçoso concluir que as políticas públicas nacionais adotadas pelo Poder Judiciário nacional para o tratamento dos conflitos sociais, não apenas se constituem numa nova fonte de empoderamento social e aperfeiçoamento da democracia em seu aspecto participativo, mas acabam por contribuir para o amadurecimento do país e de seu povo na exata medida em que lhes atribui o poder-dever de harmonizarem suas relações. O que se afigura como um elementar exemplo de desenvolvimento nacional a partir do ser humano.


REFERÊNCIAS

 

AIETA, Vânia Siciliano. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. (Org.) Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006.

 

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. [Recurso eletrônico] Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

 

CHRISPINO, Alvaro. Introdução ao estudo das políticas públicas: uma visão interdisciplinar e contextualizada. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016.

 

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* Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Integrante do Grupo de Pesquisas “Políticas Públicas no tratamento dos conflitos”, vinculado ao CNPq. Advogado. E-mail: victor.priebe@hotmail.com.

** Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Campus Cachoeira do Sul. Advogado. E-mail: danieldottes@ig.com.br.

[1] Art. 2º, §1º da Resolução 195/14 do CNJ. “Entende-se por recursos de natureza não vinculada aqueles destinados ao pagamento de despesas não decorrentes de obrigações constitucionais ou legais.” 

[2] O Poder Judiciário possui altos índices de congestionamento processual – sobre o assunto se recomenda a leitura do Relatório Justiça em Números (CNJ, 2015).

[3] O sentido de bem comum que se utilizou é aquele em que a comunidade define o que poderia igualmente beneficiar a todos. (CUNNINGHAM, 2009, p. 156)